Somos testemunhas de um mundo em mudança. São as crises ambientais, os migrantes, os fundamentalistas islâmicos que chegam ao poder no Afeganistão… E à medida que atravessamos uma crise global como nenhum de nós antes experimentou, vamos dando conta da importância da nossa atitude face à solidariedade no seu sentido mais profundo.
Hoje, mais que nunca, apercebemo-nos de como nem tudo é relativo. E um valor absoluto existe, deve expressar-se pelo amor e compaixão pelo próximo, pelo vulnerável. Este é um desafio que precisa de ser trabalhado com seriedade. E, para isso, ajudam-nos a fé e a esperança que procuram a transformação do mundo. Quanto mais praticarmos a compaixão, mais forte será a força do amor dentro de nós e ao nosso redor.
Nesse sentido, a opção preferencial pelos mais fragilizados, tão comunicada e vivida pelo Papa Francisco, inspira-nos a abrir caminhos novos na abordagem a velhas questões.
Nesse sentido, a opção preferencial pelos mais fragilizados, tão comunicada e vivida pelo Papa Francisco, inspira-nos a abrir caminhos novos na abordagem a velhas questões. Para debatermos os graves problemas sociais, a desigualdade e a exclusão, que hoje afetam tantas pessoas, não precisamos de esquemas abstratos: precisamos, sim, de um olhar atento e compassivo que permita o desenvolvimento de ações a partir de realidades concretas.
O Papa Francisco recorda-nos esta preocupação central da ação da Igreja, e no V dia mundial dos pobres, a 14 de Novembro de 2021, insiste em dizer-nos que “de modo particular, é urgente dar respostas concretas a quantos padecem o desemprego, que atinge de maneira dramática tantos pais de família, mulheres e jovens. A solidariedade social e a generosidade de que muitos, graças a Deus, são capazes, juntamente com projetos clarividentes de promoção humana, estão a dar e darão um contributo muito importante nesta conjuntura.”
É urgente criarmos juntos as soluções para a crise. Precisamos de respostas inovadoras, face aos desafios adicionais que temos vindo a sentir nos últimos tempos. A nossa intervenção não pode ser apenas de emergência, é realmente necessário não perdermos de vista a importância de programas de desenvolvimento a longo prazo, que rompam círculos de pobreza e assegurem o desenvolvimento das comunidades, fazendo dessa integração um novo fator de desenvolvimento.
Izzeldin Abuelaish – agora conhecido como o “Médico de Gaza” – perdeu três filhas e a sobrinha num bombardeamento israelita que atingiu a sua casa, na Faixa de Gaza. Viveu uma tragédia, mas mesmo assim conseguiu manter a fé e a compaixão pelo próximo.
Li este mês a história de um médico palestiniano que nasceu e foi criado num campo de refugiados. Em 16 de Janeiro de 2009, Izzeldin Abuelaish – agora conhecido como o “Médico de Gaza” – perdeu três filhas e a sobrinha num bombardeamento israelita que atingiu a sua casa, na Faixa de Gaza. Viveu uma tragédia, mas mesmo assim conseguiu manter a fé e a compaixão pelo próximo. “Não odiarei” foi o livro-testemunho que escreveu. Recebeu vários prémios humanitários em todo o mundo e inúmeras mensagens de apoio, inclusive de judeus israelitas.
Desde muito cedo dedicou-se a ajudar os mais desfavorecidos. E, para se tornar médico, ultrapassou muitas dificuldades – podemos dizer “desafios”. Foi o primeiro médico palestiniano a integrar o quadro de um hospital israelita. Segundo as suas próprias palavras, “acredita numa melhor saúde e educação para as mulheres e numa via para o desenvolvimento no Médio Oriente”. Trabalhou ainda como investigador sénior no Instituto Gertner no Centro Médico de Sheba, em Telavive, e tem um mestrado em Harvard em Saúde Pública. Continua através do seu trabalho a promover o entendimento entre os povos, a paz e a dignidade humana.
Todos precisamos de histórias de redenção, histórias que nos inspiram e trazem à superfície o melhor de nós próprios. Esta é sem dúvida uma delas. A história de alguém que escolheu o entendimento em vez da vingança, o amor em vez do ódio, na situação concreta que lhe foi dada viver. Alguém que nunca perdeu a esperança; essa esperança que nós não podemos hoje perder.
A subida recente ao poder por parte dos Talibãs, no Afeganistão, inicia mais um problema humanitário que nos afecta a todos. As catástrofes têm e terão, impactos negativos na vida das pessoas, em particular das mais vulneráveis: são sobretudo essas que não podemos esquecer.
Perante tanta incerteza, as nossas atitudes também ajudam a decidir como a história acaba. Fica, pois, o alento da esperança que sabe, apesar das dificuldades, ser capaz de abraçar e escolher gestos de comunhão e de paz.
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.