“Tiraste a máscara? És… bonita!” – Reflexões de crianças dos 3 aos 13 anos

Perguntámos a 15 crianças entre os 3 e os 13 anos o que sentiram quando puderam observar os rostos dos adultos. Concluímos que as crianças necessitam de ver a face dos adultos para sentirem segurança e bem estar.

Este artigo foi escrito em colaboração com: Liliana Nunes, Vânia Sousa e Elisabete Duarte.

Em janeiro de 2020 surgiram nas notícias internacionais os primeiros casos de Covid-19 na China. Em Portugal, o primeiro caso foi registado em março de 2020. Ainda nesse mesmo mês, o governo anunciou que todas as escolas do país deveriam fechar. Como consequência, foram ativados protocolos de ensino a distância, incluindo os jardins de infância. A partir desta data, o país esteve em confinamento. As crianças deixaram de ter contacto com os amigos e os jovens e adultos passaram a utilizar máscara, cobrindo assim grande parte das suas faces. Com estas medidas, as infeções por covid-19 desceram, tendo estabilizado em junho-julho. Em agosto os casos voltaram a aumentar. Em setembro as aulas iniciaram, com a obrigatoriedade do uso de máscara. A situação prolongou-se e o uso obrigatório de máscara permaneceu. Só em abril de 2022 deixou de ser obrigatório usar máscara. As crianças puderam voltar a ver os rostos dos seus familiares e amigos.

Muito se falou nas notícias sobre as dificuldades de desenvolvimento que as crianças, principalmente as mais jovens, iriam sofrer devido à utilização de máscaras pelos adultos e à ocultação das expressões faciais emocionais, tendo como consequência uma deficiente perceção das emoções dos adultos, aspeto tão importante nas idades mais jovens (Carbon & Serrano, 2021).

A investigação mais recente revela que as máscaras dificultam as competências de processamento facial em adultos, incluindo a capacidade de perceber a identidade dos rostos (Carragher & Hancock, 2020; Freud et al., 2020), a sua expressão emocional (Calbi et al., 2021) e o reconhecimento de vozes (Mheidly et al., 2020). A oclusão da parte inferior da face também prejudica as competências de processamento facial em crianças (i.e, no estudo de Carbon & Serrano (2021) verificou-se que as crianças ficaram prejudicadas na sua capacidade de reconhecer emoções em rostos tapados). No entanto, a extensão dessa perda ainda não foi determinada.

Ao utilizar a máscara, apenas os olhos permanecem visíveis. No entanto, focarmo-nos apenas nos olhos pode ser insuficiente para algumas inferências emocionais (Jack et al., 2009; Wegrzyn et al., 2017). Quando as configurações faciais são ambíguas ou subtis, adultos e crianças redirecionam a sua atenção para os olhos e outras características faciais que podem fornecer informações diagnósticas adicionais (Leitzke & Pollak, 2018). Por exemplo, para fazer inferências sobre se olhos arregalados indicam “medo” ou “surpresa”, temos em conta tanto os olhos quanto a boca (Green C, & Guo K., 2018). Também tendemos a fixar-nos em características faciais específicas que caracterizam estereótipos emocionais específicos, como a boca para felicidade e o nariz para nojo (Schyns, Petro, & Smith, 2009).

Tendo como ponto de partida o facto de os adultos terem passado um largo tempo com parte da face tapada com máscara e que recentemente a medida de obrigatoriedade da máscara foi levantada, perguntámos a 15 crianças entre os 3 e os 13 anos o que sentiram quando puderam observar os rostos dos adultos.

Antes de tirarem a máscara, as crianças referiram que “as pessoas falavam muito alto” (António, 9 anos) e que “via-se que não conseguiam respirar” (Joana, 10 anos). Ou seja, sentiam desconforto por os adultos utilizarem a máscara.

Quando os adultos retiraram a máscara, a maioria das crianças referiu que a primeira reação à visualização das faces foi de estranheza. Sofia (13 anos) disse que “as pessoas que já conhecia, não achei estranho, as outras, achei-as estranhas. Imaginava-as diferentes, com outra cara.” Outras crianças ficaram apreensivas, pois não conheciam as pessoas. A Francisca (9 anos) partilhou que “não conhecia a cara de ninguém, só a da minha professora!”

Após o sentimento de estranheza desvanecer, surgiram descobertas, nomeadamente de novas características faciais: “tens dentes e nariz!”, referiu a Maria de 3 anos quando viu a cara da assistente de ação educativa da sua sala. “Agora vejo a boca e dentes (José, 5 anos), “és bonita e falas bem”” (Ana, 5 anos). “As pessoas ficam lindas sem máscara”, disse o Miguel de 4 anos. “Eu só via os olhos do meu professor de guitarra, agora tem super barba!” (Francisca, 10 anos).

O facto de não se usar máscara permite uma melhor comunicação. Várias foram as crianças a afirmar que “não entendia as pessoas” (Francisca, 9 anos), “não percebia o que os colegas diziam, depois às vezes fazíamos as mesmas perguntas e a professora ficava triste” (Joana 10 anos), ou “quando a professora usava a máscara eu percebia pior a matéria” (Filomena, 8 anos). Agora as crianças dizem que “sinto-me mais livre!, percebemos melhor o que nos dizem” (Jacinta, 8 anos) e “assim podem dar beijinhos” (Manuel, 4 anos).

Concluímos que as crianças necessitam de ver a face dos adultos para sentirem segurança e bem estar. Sentem-se felizes quando conseguem interpretar o outro, comunicar e serem compreendidas.

Há quem diga que esta pandemia foi apenas a primeira e que o pior está por vir. Esperamos que as crianças sejam resilientes e pacientes como foram desta vez.

Fotografia de Claudio Schwarz – Unsplash

 

Referências

Calbi, M., Langiulli, N., Ferroni, F., Montalti, M., Kolesnikov, A., Gallese, V., & Umiltà, M. A. (2021). The consequences of COVID-19 on social interactions: An online study on face covering. Scientific Reports, 11(1), 2601. https://doi.org/10.1038/s41598-021-81780-w

Carbon, C.-C., & Serrano, M. (2021). The impact of face masks on the emotional reading abilities of children—A lesson from a joint school–university project. I-Perception, 12(4). https://doi.orh/20416695211038264.

Carragher, D. J., & Hancock, P. J. B. (2020). Surgical face masks impair human face matching performance for familiar and unfamiliar faces. Cognitive Research: Principles and Implications, 5(1), 59. https://doi.org/10.1186/ s41235-020-00258-x

Freud, E., Stajduhar, A., Rosenbaum, R. S., Avidan, G., & Ganel, T. (2020). The COVID-19 pandemic masks the way people perceive faces. Scientific Reports, 10(1), 22344. https://doi.org/10.1038/s41598-020-78986-9

Green, C., & Guo, K. (2018). Factors contributing to individual differences in facial expression categorisation. Cognition and Emotion, 32(1), 37–48. http://dx.doi.org/10.1080/02699931.2016.1273200

Jack, R.E., Blais, C., Scheepers, C., Schyns, P.G., & Caldara. R. (2009). Cultural Confusions Show that Facial Expressions Are Not Universal. Current Biology, 19(18), 1543–8. http://dx.doi.org/10. 1016/j.cub.2009.07.051

Leitzke, B.T., & Pollak, S.D. (2016). Developmental changes in the primacy of facial cues for emotion recognition. Development Psychology, 52(4), 572–81. http://doi.apa.org/getdoi.cfm?doi=10. 1037/a0040067

Mheidly, N., Fares, M. Y., Zalzale, H., & Fares, J. (2020). Effect of face masks on interpersonal communication during the COVID-19 pandemic. Frontiers in Public Health, 8. https://doi.org/10.3389/fpubh.2020.582191

Schyns, P.G, Petro, L.S., & Smith, M.L. (2009). Transmission of facial expressions of emotion co-evolved with their efficient decoding in the brain: Behavioral and brain evidence. PLoS One, 4(5). https://doi.org/10. 1371/journal.pone.0005625

Wegrzyn, M., Vogt, M., Kireclioglu, B., Schneider, J., Kissler, J. (2017). Mapping the emotional face. How individual face parts contribute to successful emotion recognition. PLoS One, 12(5), 1–15. https://doi.org/10.1371/journal.pone.0177239

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