Durante 2 anos atravessamos um dos períodos mais difíceis para todos. Nestes tempos de pandemia, foram poucos aqueles que não se sentiam à procura de uma fuga. Houve quem quisesse fugir do quotidiano e do extraordinário. Fugimos dos jantares com amigos, de concertos e peças, de passeios inspiradores e até dos abraços e beijos, que tanto nos confortam. Vimo-nos obrigados a fugir dos nossos amores. Amores, que sem responsabilidade, se transformaram no perigo dos nossos dias.
Para mim, quando tudo começou, estava nos EUA. Em menos de um dia, o meu sonho passou de ambições corriqueiras para o sonho de num abrir e fechar de olhos estar em casa. Contei mais de 24h de viagem e nelas tive a oportunidade de me sentir fugitiva sem qualquer perseguição. Não fui roubada, nem maltratada. Estava bem alimentada e com roupa para um mês, numa bela casa junto a um lago. Mesmo assim estava a fugir. Fugia da imprevisibilidade do futuro. E fugia para o refúgio do meu lar.
Foi nesse instante em que me apercebi para onde fugia, que me senti imensamente pequena. Nos precisos momentos em que estava entre aeroportos e aviões, existiam milhares de pessoas que estavam entre o Mediterrâneo e um bote, e agora, entre a Ucrânia e a Polónia. Enquanto o meu destino era o meu berço, milhares tinham-no deixado destruído com os seus familiares no interior. Enquanto o meu olhar para trás era a incerteza de estar protegida, para milhares, naquele dia, o seu olhar para a frente era chegar a uma Europa segura, a um centro de acolhimento, a uma casa de desconhecidos ou até mesmo a um campo de refugiados e aí descobrir que não há mais para onde fugir.
Continuamos a ser confrontados com novos cenários de guerra, agora na Europa. Entristece-me profundamente ser testemunha deste tempo em que vemos mães, mulheres, filhos, a despedirem-se de fiéis combatentes que lutam pela liberdade e que dão a vida por ela. Começamos a ver os cidadãos ucranianos a chegar em massa ao nosso país. Ouvimos as suas histórias na primeira pessoa e sensibilizarmo-nos por quem chegou e quem lá ficou.
Saibamos, por isso, acolher e não deixar escapar a nossa responsabilidade sobre o que está ao nosso alcance.
Apesar da pergunta “Para quê?” ecoar nos nossos corações e o vazio da resposta ser esmagador, que não percamos a oportunidade de sairmos de nós, de voltarmos ao encontro do outro, com ainda mais amor e empatia. São centenas os movimentos de ajuda a refugiados e, em concreto, aos cidadãos ucranianos. São milhares as associações e organizações que diariamente trabalham em prol de um maior bem-estar daqueles que se assumiram frágeis e vivem nessa vulnerabilidade. E a vulnerabilidade não está só nos refugiados, está também nos sem-abrigo, nos doentes, está nos idosos, nos pobres, nas pessoas com deficiência, nos reclusos e em tantos outros que connosco se cruzam na rua. Não precisamos de criar nada de raiz, precisamos de nos associar às causas que nos levantam do sofá, que nos fazem querer mudar e que até nos podem criar alguma revolta, se com tudo isto formos levados à ação.
Saibamos, por isso, acolher e não deixar escapar a nossa responsabilidade sobre o que está ao nosso alcance. Que não seja a tristeza que nos bloquei, mas antes nos mova e nos dê, através das oportunidades de agirmos pelo bem, profunda esperança de sabermos que o amor aparece e permanece.
Na zona de conforto somos culpados, no terreno sabemos assumir a nossa responsabilidade.
Fotografia de Hello I’m Nik – Unsplash
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.