Nenhum de nós está sozinho nesta vida. E é na nossa vulnerabilidade e humildade que descobrimos o poder de cuidarmos uns dos outros. Todos sabemos que as famílias pobres são as que enfrentam maiores dificuldades neste momento, e que existem cada vez mais pessoas que acabam por se afundar numa pobreza persistente. Neste ano de pandemia global, assistimos ao lançamento de várias iniciativas em prol dos mais fragilizados: iniciativas privadas, grupos de amigos, jovens comprometidos, empresas, paróquias, autarquias, governos…
Reconheço que é deveras inspirador testemunhar esta onda de compaixão, que desafia a falta de valores de uma sociedade, que muitas vezes não se compadece com a dor alheia. Mas a ausência de um pensamento estratégico e integrado origina várias entropias e suscita o aparecimento de medidas descabidas e muitas vezes contraditórias. Não basta movermo-nos por impulso. Há que aprofundar e reconhecer o que faz realmente a diferença e provoca mudança verdadeira.
Nenhum de nós está sozinho nesta vida. E é na nossa vulnerabilidade e humildade que descobrimos o poder de cuidarmos uns dos outros.
As modas surgem depressa, como rapidamente desaparecem, sem deixarem raízes e sem produzirem impacto real. Pensa-se pouco e não se prepara o suficiente. O processo de transformação da sociedade precisa de pessoas empenhadas e com valores, de pessoas que queiram agir de forma generosa, sem proveito próprio, abrindo novos caminhos nestes tempos incertos; pessoas motivadas que saibam contribuir de forma integrada, não esquecendo a rede de respostas já existentes no terreno.
Precisamos de redesenhar respostas sociais vitais e mais consertadas, sem cair numa multiplicação de projetos muitas vezes semelhantes, que não vão à raiz do problema e perpetuam ciclos pouco saudáveis. Assim sendo, a pergunta que talvez valha a pena fazermos a nós próprios é de que forma podemos atuar para promover o desenvolvimento de uma sociedade mais justa. Num mundo onde a ansiedade e o medo alastram a cada dia, estaremos suficientemente atentos para fazermos escolhas que geram vida verdadeira? Não percamos tempo com aquilo que a nada leva. Olhar o futuro implica mudar o presente, na força de um amor maior que nos sustenta. Conseguiremos assim abraçar em vez de rejeitar?
Precisamos de redesenhar respostas sociais vitais e mais consertadas, sem cair numa multiplicação de projetos muitas vezes semelhantes, que não vão à raiz do problema e perpetuam ciclos pouco saudáveis.
Conscientes de que é um processo exigente, precisamos de acreditar e fazer acontecer. Precisamos de inovar junto de quem já conhece, colocar questões, perceber quais são as reais necessidades, sem alimentar ciclos tóxicos e assistencialistas. Precisamos de enquadramentos sérios que tracem as linhas orientadoras necessárias. Só assim se poderão implementar projetos que trazem mudança.
É fácil de pôr em prática? Talvez não. Mas é bom lembrarmos que não estamos dependentes dos acontecimentos da vida. Podemos escolher as lentes pelas quais vemos as coisas. E que, apesar de a crise pandémica ter mudado de alguma forma os termos do debate sobre a pobreza e a exclusão social, é bom não esquecermos que a nossa maneira de pensar e de fazer importa. Só assim, como tão simplesmente disse São João Paulo II, “transformaremos a escuridão e a dor em vida e alegria”.
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.