O meu filho está de férias. E agora, como o faço largar o telemóvel?

Os pais, muitos deles ainda em teletrabalho, e com as opções para ocupar as crianças durante as férias também limitadas, voltam ao duro dilema que já enfrentaram: vêem os filhos a cair na utilização excessiva das tecnologias digitais

O ano letivo (finalmente) terminou, e as nossas crianças podem desfrutar de um necessário descanso. Com a pandemia Covid-19 a apresentar uma nova tendência de agravamento em Portugal, as férias serão certamente configuradas por restrições, limitações e cuidados. Novamente em casa, é fácil que as crianças retornem a rotinas e hábitos que desenvolveram durante os períodos de confinamento, sendo que vários estudos confirmam que, em geral, houve um uso excessivo de tecnologias digitais, justificado pelo ensino à distância e também pela busca de entretenimento e conexão social com o grupo de pares.

Os pais, muitos deles ainda em teletrabalho, e com as opções para ocupar as crianças durante as férias também limitadas – possivelmente alguns com receio de algumas dessas opções – voltam ao duro dilema que já enfrentaram durante os períodos de confinamento: vêem os filhos a cair num padrão de utilização excessiva das tecnologias digitais, mas ao mesmo tempo não têm disponibilidade, capacidade, possibilidades, ou até mesmo imaginação, para os aliciar para outras atividades. Os pais, culpados; os filhos, viciados! Como quebrar este círculo vicioso?

A nova forma de viver que se impôs devido à pandemia teve consequências dramáticas para as crianças (para todos!). Nas escolas, houve um esforço enorme para garantir a continuidade da aprendizagem, mesmo à distância. Dentro do possível, foi também dada atenção às dimensões psicológica, emocional, social e física das crianças. Mas nestas áreas permanecem grandes lacunas. As crianças têm défice de atividade física, de convívio com os seus pares, e de brincadeira! As férias escolares são, sem dúvida, uma oportunidade para os pais procurarem colmatar estas necessidades. É tempo de dar uns belos mergulhos no mar, de andar de bicicleta, de passear pelo campo, de jogar à bola, e de só dar pela hora do jantar quando o estômago reclama, porque o sol ainda brilha no céu.

Mas, o que fazer quando as crianças não querem fazer nada disto? Quando o pai desafia o filho para ir andar de bicicleta, e o filho responde que não quer porque está a jogar Fortnite?

Mas, o que fazer quando as crianças não querem fazer nada disto? Quando o pai desafia o filho para ir andar de bicicleta, e o filho responde que não quer porque está a jogar Fortnite? Quando a família vai à praia, encontra um lugar confortável apesar das máscaras e do distanciamento, e a filha prefere ficar a ver TikToks, alegando que a água está fria? E não larga o telemóvel, nem mesmo quando o irmão mais novo lhe implora que o ajude a fazer um castelo de areia?

Melvin Kranzberg afirmou, em 1985, que “a tecnologia não é má, não é boa, e também não é neutra”. O autor rejeita, assim, a visão simplista que coloca toda a responsabilidade do lado do utilizador, a quem cabe decidir como e quando quer usar a tecnologia. É importante que tenhamos consciência de que as tecnologias digitais têm características viciantes. Apelam a vários sentidos em simultâneo, a um ritmo rápido, oferecendo um nível de estimulação e envolvimento que dificilmente é igualado por outras atividades. Sabemos que o livro é sempre melhor do que o filme, por ter mais detalhes e por deixar mais espaço à imaginação do leitor. Contudo, os jovens questionam-se sobre o porquê de dedicar tanto tempo a ler um livro quando ver o filme é muito mais rápido e atrativo. As plataformas sociais em particular, como o YouTube e o TikTok, e os jogos digitais multijogador, como o Fortnite, são pensados e criados para levar os utilizadores a dedicarem-lhes cada vez mais tempo, o que possibilita a recolha de mais dados e uma exposição mais prolongada a anúncios publicitários, que são as fontes de rendimento destas plataformas.

É importante que tenhamos consciência de que as tecnologias digitais têm características viciantes. Apelam a vários sentidos em simultâneo, a um ritmo rápido, oferecendo um nível de estimulação e envolvimento que dificilmente é igualado por outras atividades.

Na sua batalha contra o vício em tecnologias digitais, os pais, e as próprias crianças, estão em desvantagem. Mas isso não significa que a batalha não deva ser travada ou não possa ser vencida. Afinal, conhecer o adversário é uma vantagem. Uma solução é definir horários e locais para a utilização, ou não utilização, das tecnologias digitais. Por exemplo, não permitir tecnologias digitais durante as refeições em família, ou o uso das mesmas depois do jantar, uma vez que vários estudos científicos demonstram que usar tecnologias digitais imediatamente antes de dormir pode causar perturbações do sono. Não vale a pena obrigar uma criança a interromper um jogo de Fornite que está quase a vencer porque já são 20h05 e só podia jogar das 19h às 20h. Claro que a criança ficará frustrada! Mas depois de acabar esse jogo, terá que desligar. Outra solução é incorporar as tecnologias digitais nas atividades que cumprem as finalidades pretendidas. Por exemplo, a menina que referimos acima não quer largar o TikTok para fazer castelos de areia com o irmão mais novo, mas possivelmente quererá dar um passeio pela praia com os pais e o irmão e usar o telemóvel para tirar fotografias da paisagem e dela própria, com as quais poderá depois criar conteúdos digitais. E assim já conseguimos que fizesse atividade física, e ainda estimulamos a sua criatividade.

Deixo-vos um último exemplo: Como muitos outros pais, também eu recorro ao telemóvel como fonte de entretenimento quando tenho que esperar, num consultório médico, por exemplo. Mas tenho um jogo específico instalado no smartphone para estas situações que podemos jogar em conjunto. Em vez de estarmos os três, eu e os meus dois filhos, cada um de cabeça baixa, mergulhada no seu ecrã, estamos os três a interagir. Já nos valeu alguns pedidos de silêncio em consultórios, mas também muitas gargalhadas.

Portanto, pais, abandonemos a ideia de que as tecnologias digitais são más e abracemos a possibilidade de que também possam ser boas. Mas tenhamos consciência de que não são certamente neutras e, portanto, compete-nos a nós incorporá-las no nosso dia a dia de forma equilibrada e saudável, de modo a retirarmos delas tudo o que de bom têm para nos oferecer, evitando os malefícios que também podem causar. E vamos todos tentar desfrutar deste verão o melhor que conseguirmos!

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.