Educação sexual sem cegonhas, ou educar para amar

A dignidade e a plena cidadania da pessoa não dependem da sua orientação sexual. Mas o respeito pessoal para com os que escolhem viver de forma diferente não nos deve inibir de defender a mais humanizadora instituição que a história criou.

28 de junho tornou-se o Dia Internacional do Orgulho LGBT, mas a efeméride já se estendeu a todo o mês. Celebra-se a cultura gay e diversificam-se as ocasiões para implementar um programa doutrinário capaz de atingir todas as idades, começando, claro, pelas mais vulneráveis. As escolas são um campo muito apetecido para um novo tipo de controlo social.

Este ano, no mês do Orgulho Gay, uma escola primária em Londres (Heavers Farm Primary School) expulsou dois alunos de 10 anos que pediram autorização para não participar naquelas actividades. O pedido foi negado visto que era um programa da escola e o comportamento dos alunos foi considerado homofóbico.

No dia 1 de junho, a Disneyland Paris tornou-se o primeiro parque temático da Disney a receber um evento oficial de orgulho LGBTQ, com uma Magical Pride Party e atividades especiais. Na Disneylândia da Califórnia e no Disney World da Florida realizaram-se eventos semelhantes. A Disney sabe que tem muito poder sobre milhões de crianças. Tem sido frequente, aliás, o compromisso de certos filmes com o activismo gay: primeiro com um pequeno passo de cada vez, para insensibilizar e conduzir lentamente à normalização do chamado “género”; por fim com a criação da primeira ‘princesa’, heroína LGBT nos desenhos animados do Disney Chanel.

O primeiro rapaz-princesa (Marco) apresenta-se como princesa Turdina – a heroína que salva um colégio de princesas da sua terrível directora. Quando esta descobre que Turdina afinal é um rapaz, as princesas gritam os habituais slogans: “Qual é o problema de ter nascido menino? Se quiser, pode ser uma princesa. Turdina é um estado de espírito.”

A mensagem para as crianças é clara: os meninos podem ser meninas. É uma questão de espírito, não da biologia.

Matrimónios em queda
Para os oligarcas de turno, a chamada família natural, formada por pai, mãe e filhos é considerada um estereótipo ultrapassado, resultante da opressão do varão sobre a mulher. Daí que já não seja correcto falar de família mas de “famílias”, enquanto expressões diversificadas de um instituto que possa abarcar desde as relações entre pessoas do mesmo sexo até às relações polígamas, ou outras, vistas como índices de progresso civilizacional.

Na nossa sociedade “líquida” (Z. Bauman) os chamados ‘direitos sexuais e reprodutivos’ são o índice do desenvolvimento cultural de um povo, e a condição de acesso a políticas internacionais de apoio financeiro.

Manuel Lucas Matheu, Presidente da Sociedade Espanhola de Intervenção em Sexologia, defende que os seres humanos praticam a monogamia por um único motivo: serem pobres; e que os ricos não são monogâmicos, o que torna as suas sociedades mais pacíficas.

Na nossa sociedade “líquida” a instituição familiar está em processo de erosão e não é por acaso.  No último meio século (desde 1965) a taxa de casamentos na UE desceu para metade, enquanto a taxa de divórcios mais do que duplicou.  (A taxa de nupcialidade na UE diminuiu de 7,8% em 1965 para 4,3% em 2015, enquanto a taxa de divórcios aumentou de 0,8% para 1,9% em período homólogo). O matrimónio está em colapso.

De facto, se colocarmos a finalidade da existência no poder social, político, económico, no projecto de carreira e de prosperidade, então as exigências do casamento tornam-se um obstáculo. Por isso, o casamento já não faz parte do projecto de vida e os filhos, se vierem, vêm cada vez mais tarde –  e cada vez mais fora do casamento. Em 2018, 55,9% dos bébés em Portugal nasceram fora do casamento, num número que não pára de aumentar (em 1960 eram 9,5%).

E se em vez de reduzirmos a educação sexual aos contraceptivos e ao aparelho reprodutor começássemos pela educação afectiva e emocional, inalienável da diferença sexual?

E se educássemos antes os filhos para a “conjugalidade”?
E se em vez de reduzirmos a educação sexual aos contraceptivos e ao aparelho reprodutor começássemos pela educação afectiva e emocional, inalienável da diferença sexual?

E se educássemos antes os filhos (será preciso dizer “e as filhas”?) para a “conjugalidade” das horas fáceis e das difíceis, para as relações estáveis e inteiras, para a doação mútua e o amor acima das emoções volúveis, para a felicidade com horizonte de eternidade?

Quantos conflitos não se resolveriam se, além da inegável igualdade homem/mulher, pudéssemos falar e investigar livremente sobre a complementaridade homem/mulher e sobre aquilo que mais promove a sua realização recíproca, independentemente dos papéis sociais? Elevar o grau de literacia sexual não seria um meio de combate à violência doméstica?

Claro que não estou a falar de lições de anatomia. Literacia sexual implica conhecer todas as dimensões (física, mental, psicológica, emocional, espiritual e social) da natureza humana sexuada (lit. ‘cortada’), ao longo dos seus diversos graus de maturidade.

Na sociedade “líquida” que os rodeia não podem os pais esperar até à adolescência dos filhos para com eles falarem de sexo e de amor. Outros se encarregariam de o fazer por eles. Delegar essa responsabilidade na escola, nos profissionais, na TV, nos influencers e youtubers é outro erro. Se renunciamos a educar, outros irão transmitir a mensagem que nós não transmitimos.

Pensar que a educação afectivo-sexual se desenvolve só em conversas pontuais e não em experiências positivas vividas em família é outro erro, assim como evitar assuntos relacionados com sexualidade, experiência afectiva, enamoramento e atracção física ou outra. Ou então não responder às perguntas directas, ou mentir e não sermos honestos nas respostas. Pelo contrário, não nos satisfazermos com a história da cegonha é uma das regras de ouro.

Claro que é preciso haver momentos de diálogo sereno e breve, mas não quando nós marcámos na agenda. É quando eles estão para aí virados. É preciso tirar proveito de circunstâncias do dia a dia (como uma cena na TV) para afinar critérios e responder às dúvidas. Até a mesa do jantar parece ser uma boa ocasião. Se um filho dá o mote para a conversa, os outros também tiram proveito, sempre com muito interesse. Mas é sobretudo pelo exemplo que os pais educam. Trata-se de mostrar que, mau grado os acidentes no percurso, nascemos para amar e ser amados.

Não podemos regressar a preconceitos do passado como o que conduziu o génio matemático de Cambridge, Alan Turing, a ser preso, julgado por alegado comportamento homossexual, e acabando por morrer envenenado com 41 anos em 1954… A dignidade e a plena cidadania da pessoa não dependem da sua orientação sexual. Mas a compreensão e o respeito pessoal para com os que escolhem viver de forma diferente não nos deve inibir de defender a mais humanizadora instituição que a história criou.

A família judaico-cristã não é uma mera escolha de estilo de vida entre muitos outros: é o melhor meio que se descobriu de fazer as crianças crescerem numa matriz de estabilidade e amor. É nessa família que aprendemos a delicada coreografia das relações, e nela aprendemos também a resolver os conflitos, inevitáveis em qualquer grupo humano; é nessa família que primeiro nos arriscamos a dar e a receber amor; é nessa família que desenvolvemos a responsabilidade pelas criaturas e pela Criação; é lá que os mais frágeis têm sempre o seu lugar, desde a concepção até à morte natural; é lá que uma geração transmite à seguinte os seus valores, assegurando assim a continuidade de uma civilização.

Todos nascemos de um pai e de uma mãe. É permitido celebrar o dia do orgulho das diferenças? Para quando o dia do orgulho da maternidade e da paternidade? Estaremos a ser vítimas de uma espécie de heterofobia?

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.