Celebramos os 50 anos da publicação do Método em teologia (1972), da autoria de Bernard Lonergan (1904-1984), jesuíta canadiano. É um dos primeiros membros da Comissão Teológica Internacional, criada por São Paulo VI, juntamente com dois outros grandes teólogos, Karl Rahner e Hans Urs von Balthasar. Este pensador conjuga um núcleo agostiniano e um pendor empirista anglo-saxónico, na linha de S. John Henry Newman.
S. Inácio de Loiola é um homem de pontes, procurando conciliar perspetivas aparentemente contrárias. Para Inácio, quer a “Escola dos afetos” (afim da Patrística) quer a “Escola do Intelecto” (afim da Escolástica) têm a sua pertinência e o seu lugar (Exercícios Espirituais 363). Das Obras Completas de B. Lonergan sobressaem dois volumes: o Insight, na linha da “Escola do Intelecto” e o Método em Teologia, que tem como núcleo a “Escola dos afetos”, mas procurando articular afeto e intelecto. É caso para nos perguntarmos se Insight constitui a obra emblemática de Lonergan I e Método em teologia, de Lonergan II? É significativo que as pessoas tenham mais dificuldade em aperceber-se da pertinência desta última obra, embora tenha sido fruto duma intuição posterior que alargou substancialmente o horizonte de Lonergan.
Lonergan interroga-se sobre o que têm em comum, de maneira a constituírem um todo orgânico, campos tão díspares como: “a matemática e a ciência, a história e a literatura, a filosofia e a teologia, a vida quotidiana, o amor, e o compromisso religioso” (Lonergan Research Institute). Consultando as suas Obras Completas, damo-nos conta de que são compostas pelos principais tratados da Teologia (Trindade, Cristologia e Graça) e que se interessou também por outros campos como a Educação, a Metodologia e a Macro Economia.
Da edição das Obras Completas, referimo-nos atrás a duas que sobressaem: o Insight e o Método em teologia. Comecemos pela primeira, o Insight, publicado em 1957, com o subtítulo Um estudo do conhecimento humano. Esta obra começa com o correspondente à Teoria do Conhecimento e passa sucessivamente da Epistemologia à Metafísica, Ética e, finalmente, Filosofia de Deus. À medida que a obra se vai desenvolvendo, Lonergan recorre sucessivamente aos seguintes “preceitos transcendentais”, associados a operações muito concretas: “está atento” (nível da experiência, que produz o mais variado tipo de informação, permanentemente recolhida e armazenada na memória ou em bases de dados); “sê inteligente” (nível do insight, que consiste no entendimento da experiência), “sê razoável” (nível do juízo, isto é, qual o entendimento que se ajusta melhor à experiência, por forma a chegar à verdade) e, finalmente, “sê responsável” (nível da decisão, com base no conhecimento que se tem).
Em fevereiro de 1965, Lonergan tem a grande intuição que está na origem do Método em teologia. Contudo, para vir à luz, esta obra ainda terá que aguardar cerca de sete anos. Nesse mesmo ano, é lhe diagnosticado um cancro nos pulmões, tendo tido a necessidade de fazer três cirurgias. A experiência de amor com que foi cuidado foi determinante para a recuperação e influiu também na redação do futuro livro. Sob a ameaça permanente da recidiva do cancro, trabalha no novo livro. Há aqui todo um processo que, como no caso da ferida que atingiu Inácio de Loiola, no cerco de Pamplona, acabou por se vir a mostrar fecundo!
Sendo assim, a teologia não é uma ciência neutra, mas decorre da mais profunda transformação do sujeito, fruto de uma experiência religiosa simultaneamente iluminadora e amorosa.
A fé para Lonergan é fruto da experiência do amor: “a fé é o conhecimento que nasce do amor religioso, quando o amor de Deus inunda o nosso coração.” Seria também desejável que fosse essa experiência a desencadear o trabalho do teólogo. Sendo assim, a teologia não é uma ciência neutra, mas decorre da mais profunda transformação do sujeito, fruto de uma experiência religiosa simultaneamente iluminadora e amorosa.
O Método em teologia distingue oito especializações: Investigação (afim da crítica textual), Interpretação (afim da exegese e dos comentários), História (afim da história da Igreja), Dialética (afim do ecumenismo), Fundação, Doutrina, Sistemática e, finalmente, Comunicação. As primeiras quatro especializações são fruto dos mesmos preceitos transcendentais explorados no Insight. Mas a passagem para as restantes quatro especialidades teológicas (Fundação, Doutrina, Sistemática e Comunicação) requer um novo preceito: “sê enamorado/apaixona-te”. Este preceito transcendental é desencadeado por uma experiência fulminante: “o amor de Deus foi derramado no nosso coração pelo Espírito Santo que nos foi dado” (Rm 5, 5). E está associado a uma tríplice conversão: afetivo-religiosa, ética e intelectual. Uma conversão no âmago do indivíduo, que se estende a todas as suas faculdades, com implicações no mais variado tipo de relações, em que se envolve.
Robert Doran, discípulo de Lonergan, refere-se à eventual necessidade de uma conversão psicológica, para que operações associadas aos preceitos transcendentais (“está atento/sê inteligente/sê razoável/sê responsável) se possam processar devidamente.
Neste pensador, a experiência afetivo-religiosa reenvia para uma praxis: além da decisão, com a correspondente ação, estamos sobretudo perante uma ética radicada na experiência do amor de Deus. Daí também uma sensibilidade acrescida em relação à Doutrina Social da Igreja, traduzindo-se numa opção preferencial pelos pobres. Após a publicação do Método em teologia e até ao final da sua vida, o interesse de Lonergan transferiu-se para a Macro Economia. Antecipou-se 50 anos à chamada “Economia de Francisco”, impulsionada pelo Papa Francisco, que procura integrar os desafios que hoje se colocam no campo do desenvolvimento e do ambiente, da justiça e da ecologia.
É um autor pouco conhecido do público português, pouco estudado nas nossas universidades, mas é, sem dúvida, dos autores mais geniais de todos os tempos. A sua proposta é de uma grande atualidade e pertinência, devolvendo ao ser humano aquilo que tem de mais autêntico e genuíno, quer como homo sapiens quer como homo religiosus.
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.