Amanhã acabou-se

E se hoje fosse o último dia de mim? Chego de novo ao fim, com as mãos cheias ou vazias de sentido?

Amanhã acabou-se. Proponho riscarmos a palavra Justiça do vocabulário. Ninguém sabe o que significa, nem quais são os seus sinónimos.

Amanhã acabou-se. Proponho também eliminar a palavra Verdade de todas as línguas. Ninguém se importa com ela, nem com nenhum dos seus sinónimos.

Amanhã acabou-se. Que a Torre de Babel seja transparentemente declarada como a nossa verdadeira morada. Ninguém conhece o Bem Comum, nem quer saber sobre quais são os seus sinónimos.

Amanhã acabou-se. Poupemos aos pobres o sofrimento e deixemos que morram de uma vez por todas. Ninguém se atreve a centrar a distribuição da riqueza a partir de uma economia social e solidária, nem ousa aplicar qualquer um dos seus sinónimos.

Amanhã acabou-se. Que desapareçam os artistas, que ninguém nos fale da beleza e da bondade que poderia despertar o nosso coração, nem arrisquemos falar de nenhum dos seus sinónimos.

Amanhã acabou-se. A lei do mais forte venceu em todas as frentes. Já ninguém fala de fraternidade nem de nenhum dos seus sinónimos.

Amanhã acabou-se. De que serve proteger? A Criação sofreu a implosão há tanto tempo anunciada e agora não há forma de recuperar o significado da Vida nem os seus infinitos sinónimos.

Amanhã acabou-se. Não se vislumbra, nem ao longe, a Confiança… e o Medo é um amontoado de ruelas que temos de atravessar.

Amanhã acabou-se. É totalmente incompreensível a “Paz sem vencedores e sem vencidos”, que defendia a nossa querida poetisa, e muito menos um mundo sem conflitos.

Amanhã acabou-se. Com que mãos chego de novo ao fim?

Recomeço, amanhã! Com as mãos prontas para labutar dia após dia pela Justiça e pela Verdade… pelo Bem e pela Casa Comum… pela Dignidade de cada pessoa e pela Fraternidade… pela Criação totalmente em Paz.

Recomeço, amanhã! Porque “a esperança é a virtude que nos coloca a caminho, dá asas para continuar, mesmo quando os obstáculos parecem intransponíveis”.

Bom ano totalmente novo e por estrear!

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.