Há pouco mais de uma semana um artigo publicado na secção de educação do Ponto SJ lançava o mote da reflexão sobre o propósito da Escola, constando, de forma particular, que se continua a promover uma cultura ligada ao resultado. Optei por tomar este como o meu ponto de partida, uma vez que, de certa forma, é um assunto que tenho trazido comigo.
Tenho-me lembrado de todos os estudantes que acabam de submeter a candidatura ao ensino superior e que se preparam para esta nova fase das suas vidas. Há algumas perguntas que me passam pela cabeça e pelo coração. E, ainda que possam soar a lugares-comuns, atrevo-me a partilhá-las.
Será que eles sabem que são mais do que todos os valores que tiveram de introduzir na candidatura? Será que eles sabem que o melhor que têm em si não saiu em nenhum dos exames que realizaram (e que seria impossível que isso coubesse em qualquer tipo de escala de classificação)? Será que sabem que o resultado que sai em setembro não define o seu valor e aquilo que são?
Honesta e infelizmente, acho que não…
Não me interpretem mal. Terminado o secundário, a entrada no ensino superior é o desejo de muitos alunos. Nesse sentido, o processo de candidatura é, obviamente, um momento importante. Os exames, como elemento integrante deste caminho, também o são. Mas não são tudo. De todo, atrevo-me a dizer. Tanto para os que não forem colocados, como para aqueles que forem colocados na sua primeira opção. Para os alunos que saem da Escola este ano, para os que saíram nos anos que passaram e para os que sairão nos anos que se seguem. Para qualquer um.
Na verdade, estas não são questões que façam sentido apenas na Escola. Recentemente, nos Jogos Olímpicos, um dos assuntos mais noticiados foi a desistência de Simone Biles de diversas finais das competições de ginástica. Num dos comunicados que fez, a ginasta referiu que o apoio que recebeu a fez perceber que é mais do que os resultados que obtém e do que a sua ginástica, acrescentando, ainda, que esta era uma conclusão em que nunca tinha verdadeiramente acreditado.
Simone tem 24 anos, já conquistou muitas medalhas (sendo a grande maioria de ouro), é detentora de vários recordes e as suas conquistas são relatadas por todo o mundo. Já deixou, garantidamente, a sua marca na história do desporto. Por tudo isto, já é vista como uma das melhores ginastas de todos os tempos. Tudo isto é enorme e incrível! E, apesar de parecer, não chega. Porque não é tudo. De todo.
Enquanto professora, acredito que este deve ser um dos pressupostos da ação que desenvolvemos. Trata-se da certeza de que o valor de cada um dos alunos que nos é confiado está garantido antes de passar pela ombreira da porta da sala.
Então, se não é tudo, quer dizer que nada disto é importante? Quer dizer que não nos devemos importar com o reconhecimento que temos das nossas conquistas e do nosso trabalho? Claro que não. É essencial que trabalhemos com brio para dar o nosso melhor e, acima de tudo, que saibamos fazer este processo pela ordem certa. Para tentar ser mais clara, voltemos à Escola.
Enquanto professora, acredito que este deve ser um dos pressupostos da ação que desenvolvemos. Trata-se da certeza de que o valor de cada um dos alunos que nos é confiado está garantido antes de passar pela ombreira da porta da sala. Diria que, se tudo o resto vier depois, virá na ordem certa.
Para os alunos, o foco deixa de estar em provar o seu valor por aquilo que sabe e aprende e/ou nas classificações que o possam mostrar. Se existe a certeza desse valor, então o foco passa a estar em perceber como é que a aprendizagem que faz o pode ajudar a pôr todo o seu valor ao serviço dos outros e do mundo; passa a estar em percorrer um caminho que lhe permita desenvolver as competências de que precisa para pôr a render o melhor que têm em si; passa por dar o seu melhor, com brio, nesse processo de crescimento.
Para os professores, o foco passa a ser o de acompanhar os alunos no caminho que fazem. Não se trata de uma caça ao tesouro, de perceber quem são aqueles que os têm ou com maior valor. Já os temos diante de nós. O nosso papel passa por garantir que estes tesouros não ficam fechados ou que não passam despercebidos ao mundo. Isto passa através daquilo que lhes propomos e pela forma como os acompanhamos.
E, como preciosos que são, é natural que, ao longo da vida, os alunos possam vir a ser reconhecidos das mais diferentes maneiras, de forma mais ou menos direta e de um modo mais ou menos explícito. Mas o seu valor e, acima de tudo, a crença de cada aluno no seu valor, já não dependerão desse reconhecimento.
Ainda que possa parecer estranho, diria que a forma como é feita a avaliação de cada aluno pode ser determinante neste caminho. E, para isso, precisamos mesmo de perceber que a avaliação não se resume a atribuir classificações. É preciso que a avaliação de cada aluno lhe dê informação efetivamente útil sobre o seu desempenho e sobre as suas características e que não se limite a fornecer-lhe, pontualmente, um número, numa determinada escala, que pode ser igual ao número fornecido a tantos outros alunos, que são, certamente, tão diferentes dele. Diria que, quando isso acontece, deixamos de ver os alunos a trabalhar apenas para obter um número que desejam que prove o seu valor. Passamos a vê-los a usar a informação dada pelos seus professores (com números, mas, principalmente, com muitas letras!) sobre aquilo de que precisam e que podem fazer para não deixar o seu tesouro fechado num baú. Penso que, neste âmbito, a Escola tem ainda um grande caminho a percorrer (onde já se vão dando alguns passos!).
Acredito que tudo o que escrevi não é uma novidade. Mas, numa altura de maior descanso, esta pode ser a oportunidade para o deixar ecoar de forma diferente. É uma boa altura para relembrarmos que, afinal, não temos de caçar tesouros. Somos chamados a reconhecer o tesouro que já nos foi dado e que existe, garantidamente, em cada um de nós e naqueles com quem nos cruzamos.
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.