Para que serve, afinal, a escola?

Num mundo pautado por constantes mudanças, para as quais as novas gerações necessitam e devem procurar respostas e soluções, a escola não pode continuar a promover uma cultura ligada ao resultado (versus processos de aprendizagem).

A componente curricular de Cidadania e Desenvolvimento (CeD) visa assegurar a implementação da Estratégia Nacional de Educação para a Cidadania (ENEC), definida no Decreto Lei 55/2018 após a implementação da experiência pedagógica do Projeto de Autonomia e Flexibilidade Curricular, considerado por muitos um projeto de transformação curricular e pedagógica que procurou instigar a emergência de novos paradigmas educativos. No referido Decreto, pode ler-se que a ENEC procura o “desenvolvimento de competências para uma cultura de democracia e aprendizagens com impacto na atitude cívica individual, no relacionamento interpessoal e no relacionamento social e intercultural”.

Num mundo pautado por constantes mudanças, para as quais as novas gerações necessitam e devem procurar respostas e soluções, em que as questões da diversidade (religiosa, de género, cultural ou outra) não podem ser negadas, defendo aqui – talvez como já o fiz noutros artigos de opinião – que a escola não pode continuar a promover uma cultura ligada ao resultado (versus processos de aprendizagem). Num sistema educativo complexo, exacerba-se a nota/média, tendo em conta que é este o critério efetivo que permite a entrada no ensino superior.

Num sistema educativo complexo, exacerba-se a nota/média, tendo em conta que é este o critério efetivo que permite a entrada no ensino superior.

Para que serve, afinal, a escola? Que espaço é dado à promoção e desenvolvimento de competências pessoais, sociais e de vida? Que significados atribuem os jovens à experiência escolar ao longo do seu percurso educativo, se o mesmo se cingir apenas ao foco no resultado?

Em 2016, antes da implementação da experiência pedagógica do Projeto de Autonomia e Flexibilidade Curricular, a Organização Mundial de Saúde, num estudo internacional conduzido com jovens, constatou que os portugueses são os que referem gostar menos da escola.

A componente de Cidadania e Desenvolvimento consagrou-se enquanto área curricular nuclear com a promulgação do Decreto-Lei já referido. A educação para a Cidadania organiza-se em três grupos de domínios, dos quais destaco dois para não cansar o/a leitor/a: o dos domínios obrigatórios, que devem ser trabalhados ao longo da escolaridade obrigatória; são eles os Direitos Humanos, a Igualdade de género, a Interculturalidade, o Desenvolvimento sustentável, a Educação ambiental e a Saúde. Acresce um conjunto de domínios opcionais, que podem ser também promovidos em paralelo. São eles o Empreendedorismo, o Mundo do trabalho, a Segurança e Paz, o Bem-estar animal, e o Voluntariado.

Face às possibilidades que esta componente vem trazer à comunidade escolar, a questão agora reside em compreender qual o papel que tem sido atribuído à componente de CeD, desde 2018-2019, não apenas na escola – pelos docentes e pelos seus alunos – mas também pelos pais/cuidadores, ou comunidade envolvente, tendo em conta que algumas das iniciativas podem ocorrer fora do espaço escolar. Que contributos pode efetivamente trazer para o espaço escolar uma componente curricular desta natureza?

Numa lógica de construção de conhecimento baseado em evidência, importa conhecer, de uma forma mais sistemática, como as escolas avaliam a introdução desta componente, entendendo a avaliação não apenas como satisfação, mas de uma forma lata, que procure analisar impactos nos contextos de vida das crianças e jovens (escolar, familiar e comunitário), bem como processos de melhoria que é necessário operar para a concretização plena da estratégia nacional.

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.