A integração europeia e a defesa

A invasão russa da Ucrânia veio colocar a defesa europeia na ordem do dia. Mas a defesa faz parte da integração europeia praticamente desde que ela começou a tomar forma. Sendo que a paz é objetivo central na integração europeia.

A 9 de maio de 1950 Robert Schuman, ministro dos Negócios Estrangeiros de França, propôs que países europeus gerissem em comum a produção de carvão e de aço, indústrias ligadas à guerra. Uma guerra que dilacerara duas vezes a Europa, na primeira metade do século XX e que Schuman pretendia tornar não só impensável, como materialmente impossível.

O discurso de Schuman passou a ser considerado um marco decisivo para o avanço da integração europeia e o dia 9 de maio tornou-se Dia da Europa.

Assim surgiu em 1951 a Comunidade Europeia do Carvão e do Aço, juntando França, Alemanha Ocidental, Itália, Bélgica, Holanda e Luxemburgo. Note-se que a Alemanha e a França se haviam guerreado ferozmente por três vezes nos setenta anos anteriores. E que apenas haviam passado seis anos desde o fim da II Guerra Mundial. A integração europeia foi decisiva para a consolidação da paz na Europa.

A importância da biografia de R. Schuman

A biografia de R. Schuman explica, em boa parte, o seu empenho na reconciliação franco-alemã. Nascido no Luxemburgo, Robert Schuman assumiu a nacionalidade alemã do seu pai, Pierre – que nascera francês mas se tornou alemão quando a Alsácia-Lorena foi anexada pela Alemanha em 1871, no final da guerra entre a França e a Prússia.

Quando a I Guerra Mundial eclodiu em 1914, Robert Schuman foi chamado para a tropa pelo exército alemão, mas acabou dispensado do serviço militar por motivos de saúde. No final da I Guerra Mundial a Alsácia-Lorena acabaria por regressar à soberania de França e Schuman tornou-se cidadão francês em 1919.

Menos conhecido, hoje, é que a seguir à Comunidade Europeia do Carvão e do Aço (CECA) seria negociado um tratado pelos seis países membros da CECA, criando uma Comunidade Europeia de Defesa (CED).

A malograda Comunidade Europeia de Defesa

A CED previa a criação de uma força militar integrada, financiada por um orçamento comum e dirigida por uma autoridade política supranacional. O projeto da CED tomou forma no Tratado de Paris de 1952, assinado pela República Federal da Alemanha, França, Itália, Luxemburgo, Bélgica e Países Baixos.

O projeto da CED seria rejeitado pela Assembleia Nacional francesa em agosto de 1954, com votos contrários dos deputados gaullistas e comunistas. O general De Gaulle tinha reservas quanto à integração política que a CED implicava, enquanto o partido comunista francês via na CED e, aliás, na integração europeia uma manobra capitalista.

Depois deste passo atrás, a integração europeia avançaria sobretudo pela via económica, com o Tratado de Roma, que em 1957 criou a Comunidade Económica Europeia (CEE), que se revelou um sucesso notável. Mas o Tratado de Roma também tinha um claro alcance político – por exemplo, ao prever o fim da unanimidade no Conselho e, portanto, o recurso a votações por maioria.

Hesitações e desentendimentos

Na área da defesa em 1966 o general De Gaulle, então presidente da França, retirou o seu país do comando militar da NATO. Até aí este Comando encontrava-se em Paris, passando então para Bruxelas. De Gaulle adquirira durante a II Guerra Mundial uma forte desconfiança quanto aos desígnios dos americanos e dos ingleses.

Em 2009 Sarkozy, na altura presidente da República, reintegrou a França no Comando Militar da NATO.

Na prática, a defesa europeia pouco avançou nos setenta anos que decorreram sobre a malograda Comunidade Europeia de Defesa, cujo tratado não foi ratificado na Assembleia Nacional francesa em 1954.

Viver à sombra do poderio militar americano

De certo modo, os países europeus acharam mais barato e mais cómodo viver à sombra do poderio militar americano. Vários presidentes dos EUA insistiram com os aliados europeus para que investissem mais na defesa, mas com fracos resultados. Uma das consequências disso foi a dificuldade de a CEE e depois a UE conduzirem uma política externa vigorosa e credível.

Curiosamente, quando algum país da UE pretendia levar a sério o seu envolvimento na área da defesa, logo surgiam receios em Washington de se caminhar na Europa para uma quebra da unidade da NATO. Por outro lado, a saída do Reino Unido da UE privou esta de um país dotado de armas nucleares e com umas sólidas forças armadas.

O vento na Europa começou a mudar, em matéria de defesa, com a presidência de Trump. Este manifestou pouco empenho na NATO, o que alarmou os europeus, que finalmente começaram a pensar a sério em investirem mais na defesa.

A grande mudança ocorreu, porém, como reflexo da invasão da Ucrânia pela Rússia. E onde esta mudança se mostrou radical foi na Alemanha.

A viragem radical na Alemanha

Logo no início da guerra, a Alemanha ainda se recusava a desistir do Nord Stream 2, um gasoduto direto da Rússia para o norte da Alemanha. Seria o reforço da dependência energética da Rússia, já então muito perigosa.

Mas, passada uma semana, Berlim anunciou o congelamento sine die do Nord Stream 2. A legislação em vigor naquele país impedia a exportação de armamento para países em guerra; uma restrição com origem na culpa nazi. Mas rapidamente Berlim passou a enviar carros de combate para ajudar os ucranianos a defenderem-se da agressão russa.

Por outro lado, tornou-se evidente que o presidente americano Joe Biden e os líderes da Europa conseguiram manter uma expressiva unidade na resposta à agressão russa. Boa parte por isso desvaneceram-se os receios americanos de que os europeus apostassem numa defesa desligada dos EUA. O presidente francês Macron, que vinha defendendo uma certa autonomia europeia nesta área, está sintonizado com os dirigentes americanos quanto à defesa e à NATO.

Refira-se, ainda, que a agressividade russa, patente na invasão da Ucrânia, levou dois membros da UE, a Suécia e a Finlândia, a decidirem pedir a sua adesão à NATO. Estes países eram tradicionalmente neutrais, mas alteraram a sua posição por receio da Rússia.

O futuro dirá se a defesa e a segurança da Europa conhecerão novos modelos institucionais. Quanto aos países europeus gastarem mais nesta área, parece um dado adquirido.

Uma prioridade salta à vista num maior empenhamento por uma defesa europeia. Trata-se de harmonizar inúmeros equipamentos militares, que atualmente diferem de país para país. O que, além do mais, dificulta uma indústria europeia de defesa, que necessita de escala para ser eficaz do ponto de vista militar e económico.

Fotografia de Christian Lue – Unsplash

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.