Tu, que me começas a ler, podes ser qualquer uma destas coisas. A Igreja não. Da esquerda e da direita. Que chorrilho de asneiradas. Mas o que é ser uma coisa ou outra? Em relação a quê? Quem? Como? Porque se insiste em catalogar a Igreja como sendo de esquerda ou direita?
É curioso que olhando, com alguma atenção, para essa adjetivação, ela é sempre parcial. A catalogação refere-se com frequência a um determinado posicionamento da Igreja e relativamente a um determinado tema ou assunto. Uns apressam-se a aplaudir e outros a criticar, juntando-se um eco que diz: é de esquerda! E outras vezes diz: É de direita! Conservadores, progressistas…
Ora a Igreja não é de esquerda, nem de direita, o que não implica que os seus fiéis não possam ter algum tipo de afinidade política, ou posicionamento pessoal, relativo a uma determinada questão, e que estes, sim, podem ser de esquerda ou de direita.
A Igreja orienta-se do ponto de vista social, em temas como; trabalho, a economia, a família, a política, o meio-ambiente ou a promoção da paz, pela Doutrina Social da Igreja.
Veja-se o Compendio da Doutrina Social da Igreja (CDSI) ou, por exemplo, a magnifica encíclica “Caritas in veritate”, de Bento XVI, onde fala da ética empresarial, das migrações, dos problemas de bioética, dos consumidores, do respeito pela vida e família, dos media, da demografia, do ambiente e dos problemas energéticos. Garanto-vos, não são palavras de esquerda ou de direita. São pensamento da Igreja.
A missão da Igreja é anunciar e comunicar a salvação. A Igreja não obriga; propõe, orienta, protege, ampara… Antes demais, fá-lo anunciando e comunicando o Evangelho. “A Igreja não se confunde com a comunidade política nem está ligada a nenhum sistema político” (CDSI 50). A Igreja não é de esquerda nem de direita, e também não é do centro, do centro esquerda ou do centro direita.
Se a Igreja defende a vida, rejeitando o aborto ou a eutanásia, por exemplo, logo é apelidada de direita. Se a Igreja apoia os imigrantes e refugiados, acolhendo-os ou protegendo, é com frequência apelidada de esquerda. Ou seja, as pessoas olham a Igreja e julgam a sua ação de acordo com as suas categorias e preconceitos pessoais. Relativamente a estes temas, a Igreja só quer dizer que defende a vida desde a sua conceção até ao seu final, que é hospitaleira, e que está junto e quer cuidar dos que mais sofrem. Isto não é de direita nem de esquerda.
A Igreja está-se a “marimbar” para essas polarizações. A Igreja não segue ideologias, nem tendências de um determinado momento ou grupo. A Igreja está alicerçada no Evangelho. Aquilo que orienta a Igreja é “buscar a vontade de Deus”. Se agrada ou não agrada as pessoas, ou determinadas pessoas, não é o que move o pensamento da Igreja.
É verdade que o pensamento da Igreja, para além de estar vinculado pelos documentos pontifícios e até por documentos de conferências episcopais, entre outros, é também muitas vezes vinculado pelos crentes. O pensamento da Igreja não é acrítico. A liberdade e a liberdade de pensamento fazem, precisamente, parte da forma como a Igreja pensa a condição humana. Os documentos do magistério da Igreja não são uma mera opinião de uma determinada pessoa ou de um grupo de pessoas. São documentos pensados, rezados, vistos e revistos por muitas pessoas. Não são documentos que procuram agradar este ou aquele grupo, esta ou aquela tendência. Mas também não são documentos infalíveis. E sobretudo não são documentos de direita ou de esquerda, progressistas ou conservadores.
Quando a Igreja se posiciona sobre um determinado tema político ou económico, por exemplo, esta sua posição não se transforma num dogma. São orientações. São aquilo que a Igreja sente poderem ser as palavras e ações que melhor ajudam ao “bem viver humano”, à luz da fé. É o bem maior que procura, não um bem que pensa só no imediato ou no mais fácil, em maiorias ou minorias.
Que haja ideias, ações ou pessoas, da esquerda, umas vezes, e outras da direita, que estão em consonância com as da Igreja, ou vice-versa, não significa que a Igreja pertença a um destes grupos. Que elementos da Igreja, os crentes, estejam vinculados com um determinado pensamento partidário, não significa que a Igreja se reveja nesse seu pensamento. Não é uma questão de tendência, de maiorias ou de agradar. A Igreja é livre. A Igreja tem como cabeça Jesus Cristo, a quem segue.
Há que dar a César o que é de Cesar. Ser de esquerda ou de direita é de César. Para Deus não há esquerda ou direita. Há justiça, há uma dignidade humana que é inalienável. Como diz o CDSI: “A pessoa humana não pode e não deve ser instrumentalizada por estruturas sociais, económicas e políticas, pois todo o ser humano tem a liberdade de se orientar para o seu fim último” (47).
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.