Durante o tempo da Páscoa, partilhei aqui como a necessidade de levar a Escola à distância me tinha trazido o convite de voltar à minha Galileia – o lugar a partir de onde fui e sou chamada. Nestas primeiras semanas do ano letivo, já de regresso às nossas escolas, tenho trazido comigo esse convite.
Este arranque tem sido tempo de voltar a investir nas rotinas de aprendizagem que tinham sido repentinamente alteradas em março; tem sido tempo de implementar novas rotinas que, por causa da situação que vivemos, pretendem garantir a segurança e o bem estar de todos; tem sido tempo de acolher a bagagem que cada um traz consigo depois daquilo que viveu durante o período de confinamento. Há muita coisa que nos ocupa e preocupa. Têm sido, por isso, tempos exigentes.
As circunstâncias mudaram e, ainda que a intenção da nossa ação se mantenha a mesma, não a podemos concretizar como a desejaríamos. Parece que as máscaras não permitem que nos façamos entender com a naturalidade a que estamos habituados e não nos dão acesso direto à expressão do aluno, que sempre revelou tanto da experiência que vai fazendo. Parece que a distância física contraria a intenção que sempre tivemos de ajudar os nossos alunos a crescer também para os outros, atentos às suas necessidades e disponíveis para saírem ao seu encontro. Parece que a precaução de nem sempre estarmos todos fisicamente juntos não permite o convívio próximo e regular que sempre sentimos como precioso. Acompanhar os alunos no crescimento que fazem é uma missão exigente. Sempre foi. Mas as circunstâncias que vivemos parece que multiplicam as frentes que já tínhamos diante de nós.
Acompanhar os alunos no crescimento que fazem é uma missão exigente. Sempre foi. Mas as circunstâncias que vivemos parece que multiplicam as frentes que já tínhamos diante de nós.
Para além disso, ouvimos e encontramos sempre quem considere que aquilo que está a ser feito é bom e quem considere que é mau; quem ache que não chega e quem ache que é demais; quem sugira que se deva privilegiar alguns aspetos e quem sugira que se deva privilegiar outros.
Por tudo disto, e à boleia do convite que já referi que tenho trazido comigo, lembrei-me dos discípulos que, depois da morte de Jesus, saíram de Jerusalém e se puseram a caminho de Emaús.
A partir do Evangelho segundo São Lucas, ficamos a saber que, enquanto caminhavam, conversavam entre si sobre tudo o que tinha acontecido. Não sabemos, ao certo, o que terão dito um ao outro. Provavelmente, desabafavam sobre como as coisas não tinham corrido como esperavam. Afinal, parecia que tudo aquilo de que Jesus lhes tinha falado já não fazia sentido. Tinham largado as suas casas e as suas rotinas para acompanhar e estar com Alguém, em Quem acreditaram, que seguiram bem de perto e que, dias antes, tinham visto morrer. O facto de as coisas terem mudado, de serem diferentes do que esperavam, acabou por fazer com que não O conseguissem reconhecer quando Ele Se aproximou deles. O facto de estarem apenas focados em tudo aquilo que tinha mudado e ido ao lado das suas expetativas fez com que não se apercebessem de que Jesus Se tinha posto a caminho com eles. A experiência que estes dois discípulos fizeram a caminho de Emaús traz luz à experiência que faço hoje, enquanto professora.
Em primeiro lugar, ajuda-me saber que, ainda hoje e depois de muitos estudos, não se consegue localizar geograficamente Emaús. Isto ajuda-me a perceber que posso tomar Emaús como o sítio para onde também eu me dirijo.
Depois, enquanto professora, sinto-me convidada a renovar o olhar sobre este ano. Não se trata de um olhar que desconsidere as restrições que temos neste momento. Não se trata de um olhar que descarte a exigência da tarefa que é levar a Escola nestas circunstâncias. Não se trata de um olhar que desvalorize o facto de as condições que temos não serem as ideais. Trata-se de um olhar que não assuma este ano como perdido. Trata-se de um olhar que ajude a tornar fecunda a situação que vivemos. Trata-se de um olhar que, apesar de tudo o que possa ter de cair, procure plantar e colher frutos.
Será preciso decidir aquilo em que queremos investir? Sim. Mas a Escola, com E grande, tem uma missão maior do que propor um ano em que se façam as coisas só porque sim. Acredito que ter de fazer as coisas de outra forma e/ou com menos do que aquilo a que estamos habituados não significa deixar de fazer as coisas com a mesma intenção: a de acompanhar os alunos no crescimento que fazem, tendo-os a cada um deles como centro.
Será um ano diferente? Sem dúvida.
Certamente que, diante daqueles dois discípulos, Jesus Se manifestou de forma diferente a que eles sempre estiveram habituados. Mas isso não significa que não Se tenha manifestado – até porque eles acabaram por O reconhecer.
Penso que, enquanto Escola, também estamos a caminho. O grande desafio? Diria que passa por não deixar que aquilo que conversamos, discutimos e criamos tenha como único foco o ano exigente que vivemos. Acredito que, com um olhar criativo, nos possamos ir surpreendendo com o que nos vai sendo revelado e que possamos levar a missão da Escola com sentido. Com o sentido que, apesar de tudo o que mudou, se mantém.
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.