The Kominsky Method e as profundezas da natureza humana

Uma comédia que vai ao fundo da natureza humana, para que continue a ser comédia e para não correr o risco de se tornar num festival de auto-comiseração, precisa de comic reliefs.

Uma comédia que vai ao fundo da natureza humana, para que continue a ser comédia e para não correr o risco de se tornar num festival de auto-comiseração, precisa de comic reliefs.

Chuck Lorre, ao longo da sua carreira de realização, habituou-nos às típicas sitcoms americanas como The Big Bang Theory, Dharma and Greg e Two and a Half Man. Em 2018 surpreendemo-nos com um Chuck Lorre a prescindir das gargalhadas gravadas e a mergulhar nas profundezas da natureza humana, nas cenas mais tardias de uma vida.

Ligeireza e profundidade: eis os dois ingredientes que fazem desta série uma intrigante comédia. Temos quase um two-man-show com a dupla brilhante Michael Douglas e (o sempre encantador) Alan Arkin. A centralidade da série assenta na amizade entre Sandy Kominsky (Douglas), um ator outrora bem-sucedido e que agora se dedica a dar aulas de representação, e Norman Newlander (Arkin) um acting agent e abastado empresário, que está de luto pela sua musa (que o espectador perde logo no primeiro episódio, mas que Norman perde depois de 50 anos de casamento).

A dinâmica Douglas-Arkin é o prato principal desta comédia. Dois homens que já viveram a vida quase toda e que se vão deparando com os desafios da fase “decadente” da vida (viuvez, cancros da próstata iminentes, reencontrar o amor aos 70 anos, etc..). A relação entre estes dois velhos amigos é-nos apresentada através de diálogos cuidados, inteligentes, de um humor quase-negro e sem filtros. Com o avançar da idade, os filtros vão caindo e as coisas vão sendo ditas como quem vai tendo cada vez menos a perder, e é isto que vemos em Sandy e Norman: dois homens de máscaras caídas que, com algum sarcasmo, mas pouca melancolia, vivem num mundo cru e algo desencantado.

Lorre, numa entrevista ao The New York Times, refere que “a história não é um fator determinante em nada do que eu faço”, e que “as personagens são um valor primordial” (trad. livre). Esta ideia de Lorre está muito presente em The Kominsky Method, onde há uma clara despreocupação com eventos fantásticos e plot twists surpreendentes, e um foco óbvio na profundeza dos diálogos e na construção das personagens.

Alguma crítica tem referido que as restantes personagens fora da bolha Sandy-Norman são reflexo de falta de imaginação de Chuck Lorre. É verdade que é possível fazer uma distinção clara entre os dois protagonistas e o resto dos intervenientes. No entanto, parece-me precipitado concluir que isto constitui algum tipo de languidez ou incapacidade do realizador.

Uma comédia que vai ao fundo da natureza humana, para que continue a ser comédia e para não correr o risco de se tornar num festival de auto-comiseração, precisa de comic reliefs: uma filha divorciada que passa o tempo no estúdio de teatro do pai a apanhar os cacos da vida dele, uma outra filha completamente desnorteada, viciada em drogas, e que aparece quando precisa de dinheiro, uns alunos de teatro Millenials que confrontam Sandy com a modernidade, tudo isto constituem elementos profundos, mas menos detalhados, que nada retiram à ação central (pelo contrário, até acrescentam) e são fundamentais para a ligeireza pretendida nesta série.

 

THE KOMINSKY METHOD

Género COMÉDIA
Duração 25–63 min
País EUA
Idioma original INGLÊS
Produtor MARLIS PUJOL
Distribuição NETFLIX
Data de estreia 16.11.2018
Nº de temporadas 2 / Nº episódios 16

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.


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Esta secção é da responsabilidade da revista Brotéria – Cristianismo e Cultura, publicada pelos jesuítas portugueses desde 1902.

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