O cristão no meio do pluralismo

O cristão que aqui vive hoje está constantemente a encontrar-se com crentes de outras religiões, com agnósticos, ateus e religiosamente indiferentes. Um texto do P. Roque Cabral originalmente publicado em dezembro de 2009.

O cristão que aqui vive hoje está constantemente a encontrar-se com crentes de outras religiões, com agnósticos, ateus e religiosamente indiferentes. Um texto do P. Roque Cabral originalmente publicado em dezembro de 2009.

Praticamente ausente nos textos de há umas dezenas de anos. O termo “pluralismo” é hoje uma presença habitual no que se fala e escreve.

Em determinadas regiões, por vezes bem extensas, houve épocas em que se verificou grande homogeneidade cultural: as pessoas, por onde quer que andassem, encontravam costumes semelhantes, arquiteturas aparentadas, festas e gastronomia bem conhecidas, às vezes até a mesma língua, a mesma religião, etc.

Durante séculos, a Europa conheceu uma tal homogeneidade cultural. Ainda que não devamos exagerar, o facto é que um português que, em viagem, passasse pela França ou Itália, não se sentia perdido num outro mundo, muito diferente daquele a que estava habituado. Antes pelo contrário. Do ponto de vista religioso, então, a homogeneidade era quase total – os de credo diferente, quando tolerados, não podiam celebrar publicamente os seus cultos nem erigir os seus templos “com porta para a rua”.

Debates religiosos aconteciam, mas sobretudo “intra muros”, entre opiniões diferentes de autores cristãos. Coisas de eruditos. Quanto ao simples cristão, passaria provavelmente toda a sua vida sem se encontrar com um seguidor de outra religião ou ser confrontado com uma opinião heterodoxa.

Esta homogeneidade cultural, em particular a religiosa – nunca aliás plenamente verificada – pertence à história, no que à Europa se refere. O cristão que aqui vive hoje está constantemente a encontrar-se com crentes de outras religiões, com agnósticos, ateus e religiosamente indiferentes. Mais importante ainda, o ambiente geral em que hoje vivemos é marcadamente secularizado, fala-nos a todo o momento de realidades terrenas e temporais – família, trabalho, vencimentos, desporto, etc. – com poucas “chamadas” para o além e o Transcendente.

Seja como for, o cristão sabe que não é, essencialmente, “secular”[1] , que “não é deste mundo”, como Jesus deixou claramente dito[2]. Mas o próprio Jesus lembrou também que é no mundo que, por agora, nos encontramos[3]. E, neste mundo, o cristão vive no meio de um pluralismo religioso mais ou menos acentuado.

Como viver bem, como viver cristãmente, esta situação? A resposta variará bastante, de acordo com as pessoas e as situações concretas. Mas há certas atitudes que sempre procurará viver:
– antes de mais, o respeito, sincero e profundo, por cada pessoa, sejam quais forem as suas convicções religiosas;
– evitar a tentação de julgar que estão de má fé, por perfilharem ideias que eu considero erradas;
– admitir que não vivem em pleno erro (coisa aliás impossível) e que poderão até viver melhor do que nós certos valores religiosos.
Finalmente, seguindo o conselho de S. Pedro, devemos procurar estar sempre “prontos a dar razão da vossa esperança”[4].


[1] Em latim, “saeculum” também significa “mundo”
[2] “(Eles) não são do mundo, como eu não sou do mundo” (João 17, 16).
[3] “Não peço que os tires do mundo, mas que os guardes do Maligno” (João 17, 15).
[4] 1 Pedro 3, 15. Tratei mais desenvolvidamente desta temática no artigo “Conviver em Pluralismo”, Brotéria 167 (2008) 7-15.

Este texto foi originalmente publicado em dezembro de 2009 no site essejota.net que já não se encontra disponível.

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.