Ir ao Teatro: Zoom

Diogo Infante, diretor artístico do Teatro da Trindade, prometeu de qualidade naquele Teatro. A peça que atualmente encena na Sala Carmen Dolores é uma promessa cumprida. É esta a sugestão cultural da Brotéria para esta semana.

Diogo Infante, diretor artístico do Teatro da Trindade, prometeu de qualidade naquele Teatro. A peça que atualmente encena na Sala Carmen Dolores é uma promessa cumprida. É esta a sugestão cultural da Brotéria para esta semana.

A dar continuidade à excelente temporada no Teatro da Trindade, Diogo Infante o seu director artístico, trás-nos até ao dia 31 de Março a peça Zoom, da autoria de Donald Margulies, dramaturgo norte-americano, vencedor do prémio Pulitzer em 2000. A encenação está a cargo do próprio e o luxuoso elenco é composto por Sandra Faleiro, João Reis, Sara Matos e Virgílio Castelo.

Partindo da história de 2 casais, Zoom é uma peça que tem como objectivo claro interpelar-nos sobre questões altamente actuais e políticas que levantam conflitos éticos muito pertinentes. Ao mesmo tempo fala-nos de temas que tocam na natureza do ser humano e da sua busca pela felicidade.

O universo da história que une um dos casais da peça é a guerra: Sarah (Sandra Faleiro) e James (João Reis). Encontramos Sarah, fotojornalista, acabada de regressar a casa, depois de ter estado em coma em consequência de um ferimento enquanto cobria uma reportagem no Iraque. James, com quem está há vários anos, tendo abandonado o cenário de guerra anteriormente, tem agora a sua companheira ao seu máximo cuidado, não conseguindo abstrair-se do sentimento de culpa que o assola por não ter estado presente na altura do acidente.

Partindo da história de 2 casais, Zoom é uma peça que tem como objectivo claro interpelar-nos sobre questões altamente actuais e políticas que levantam conflitos éticos muito pertinentes. Ao mesmo tempo fala-nos de temas que tocam na natureza do ser humano e da sua busca pela felicidade.

À medida que vamos conhecendo este casal, rapidamente nos damos conta de que é a sua profissão que os liga e que essa união é agora posta à prova com a situação limite vivida por Sarah. Mas também pela intervenção do outro casal que faz parte do enredo.

Steve (Virgílio Castelo) e Mandy (Sara Matos) poderiam ser um casal típico, não obstante a sua diferença de idades. Mandy, a nova namorada que Steve, apresenta ao casal amigo é representada como uma rapariga aparentemente superficial e alheada dos interesses das restantes personagens. Steve é o editor de fotografia para quem trabalha o casal de repórteres.

Mandy vem de certa forma abalar a realidade de todos. A começar pela vida de Steve, que encontra agora na jovem namorada uma frescura e uma alegria que trazem o rejuvenescimento que mais tarde o levará ao compromisso. Em Mandy e Steve vemos uma vontade grande de se amarem, de encontrarem tempo um para o outro e de projectarem a ideia de uma família. E por isso Mandy vem também abalar a realidade do outro casal, que na sua provação se confronta com o futuro e o com o que cada um quer para a relação, que durante tanto tempo teve como catalisador as suas vivências profissionais.

Mas em Mandy, através da sua ingenuidade, encontramos também o grande ponto de conflito desta peça. A dada altura, ao ver uma fotografia que Sarah tirou no Iraque a uma mãe a segurar um filho moribundo, Mandy fica escandalizada por ela ter tirado a fotografia em vez de ajudar, lançando assim a primeira grande questão da peça em relação à ética da profissão  de Sarah e James. Devem fotografar estes momentos e expô-los ao mundo ou interferir com as realidades que estão a presenciar?

A personagem de Mandy de algum modo representa todos os que são leigos nas matérias que aqui se discutem. Com a sua visão distanciada traz as questões que se colocam a quem vê estas situações de fora, sendo portanto uma personagem com que o espectador facilmente se identifica.

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Diogo Infante tem trazido bom teatro às salas do Teatro da Trindade

Mas a questão mais difícil e pertinente que é lançada em cima do palco é relativa a como lidamos com o sofrimento humano, a partir do conforto da nossa vida, nomeadamente quanto a situações de guerra. Esta dúvida surge quando Sarah se defende dizendo que a sua profissão é uma maneira de expor o horror da guerra e que as fotografias são o seu veículo. A isso Mandy responde “E o que é que eu sou suposta fazer com essa informação? Eu, uma pessoa normal. Não é que eu possa fazer alguma coisa pois não? Para além de me sentir mal e de agradecer a Deus por ter nascido na metade do mundo, onde as pessoas tem comida para comer e não andam aí a matar-se uns aos outros”.

Para tornar todas estas questões mais fáceis de se irem digerindo, o texto é suportado por vários momentos de humor que nas palavras de Diogo Infante, “facilitam a viagem”.

Por fim, a relação entre Mandy e Steve acaba por fazer com que Sarah e James se questionem sobre o que querem das suas vidas enquanto casal e para cada um. Se os seus projectos de felicidade passam por uma entrega total às suas profissões ou se passam por aquilo que têm sacrificado nomeadamente a perspectiva de construir uma família

Para estas várias interpelações, pese embora os argumentos apresentados, não se chega a nenhuma conclusão. Isso é assumidamente trabalho de casa para o espectador.

Para tornar todas estas questões mais fáceis de se irem digerindo, o texto é suportado por vários momentos de humor que nas palavras de Diogo Infante, “facilitam a viagem”.

O elenco de Zoom é de facto de luxo. Virgilio Castelo apresenta uma naturalidade invejável, à qual nos tem vindo a habituar, tornando-o sem sombra de dúvida um dos nomes mais agigantados do teatro em Portugal. Zoom é prova disso. E que bom é ver Sara Matos, que se tem vindo a destacar na televisão, em cima do palco a perspectivar uma garantia de que o teatro vai continuar a contar com grandes atrizes. Brilhante na interpretação de uma Mandy, que facilmente poderia ter sido só representada como a típica rapariga vazia. Mas é o seu tom sério e genuíno que ajuda a levantar grande parte das interrogações da peça. Nota positiva também para  a química apresentada entre João Reis e Sandra Faleiro, que interpretam o casal repórter.

À parte um ou outro momento em que o clímax, do nosso ponto de vista, acontece de forma menos perceptível (sobretudo quando do choque de Mandy ao ver a fotografia do bébé e o descontrolo de emoções que se lhe segue), Zoom é uma peça que se muito bem conseguida. E que  cumpre aquilo que deve ser um dos principais objectivos do teatro, ao obrigar a posicionarmo-nos nas constantes visões que vão sendo apresentadas ao longo da história. Sobretudo face ao sofrimento humano, num mundo dividido em dois cenários.

Acabamos como começamos, referindo a excelente temporada que nos está a ser oferecida sob a direcção artística de um Diogo Infante, que não tem desiludido na sua promessa de trazer ao Trindade teatro de qualidade. Da nossa parte fica o apelo: vão ao Teatro!

Imagem de destaque: Site Teatro da Trindade

FICHA ARTÍSTICA

Zoom – até 31 de março no Teatro da Trindade – Rua Nova da Trindade, 9 – Lisboa (Google Maps)

Texto: Donald Margulies
Tradução e Encenação: Diogo Infante
Com: Sandra Faleiro, João Reis, Sara Matos e Virgílio Castelo
Cenografia: Catarina Amaro
Desenho de luz: Tânia Neto
Música Original e Espaço Sonoro: Rui Rebelo
Músicos: Saxofone João Cabrita
Produção: Teatro da Trindade INATEL


Horário
quarta a sábado – 21:00
domingo – 16:30
Conversa com o público
domingo, 10 de março –  Após o espetáculo

Bilheteira
Tel: 213 420 000
E-mail: [email protected]
Horário
terça a sábado: 14:00 às 20:00
domingo: 14:00 às 18:00
Dias de espetáculo até 30 minutos após o início
segunda: encerrada

Bilheteira online

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.


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Esta secção é da responsabilidade da revista Brotéria – Cristianismo e Cultura, publicada pelos jesuítas portugueses desde 1902.

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