A nossa Fátima em Wangfujing

Fundada por um jesuíta português e outro italiano no século XVII, a Igreja de São José, em Pequim, é a segunda mais antiga da capital chinesa. E vi lá uma imagem da Virgem e dos três pastorinhos.

Fundada por um jesuíta português e outro italiano no século XVII, a Igreja de São José, em Pequim, é a segunda mais antiga da capital chinesa. E vi lá uma imagem da Virgem e dos três pastorinhos.

“Fátima”. E depois, em desespero, um “Our Lady of Fátima”. A senhora chinesa na lojinha num recanto da Igreja de São José bem se esforça por entender, mas nem mesmo o recurso ao inglês, a língua franca dos nossos tempos, resulta. Até que, atrevo-me, acontece um milagre: um “ah!” em chinês e um dedo a apontar para uma vitrina. Inconfundível, a imagem de Nossa Senhora de Fátima ali está, com os três pastorinhos.

Passados 101 anos sobre as Aparições, Fátima é global. Encontrei-a na Polónia, no Brasil ou na Coreia. Mas nesta China, que apesar de dez milhões de católicos nem sequer tem relações com o Vaticano, não deixa de surpreender. E acrescente-se que São José pertence à Igreja Patriótica, que obedece mais ao PC do que ao Papa. Por vezes, raras, não é preciso escolher, como é o caso do bispo de Pequim, Joseph Li Shan, que foi pároco aqui. É reconhecido por todos, antecipação do futuro se o diálogo promovido por Francisco resultar.

Diga-se que a igreja em Wangfujing não é a mais antiga de Pequim. Data de 1655, umas décadas depois da catedral de Xuanwumen. Foi já a dinastia Qing e não a Ming a autorizar que dois jesuítas construíssem o edifício, que não é o que hoje existe. Durante a revolta Boxer de 1900, reação chinesa a uma colonização ocidental mal disfarçada, São José foi atacada e o estilo neorromânico agora visível nasceu da reconstrução de 1904.

Ora, os dois jesuítas fundadores foram um italiano e um português. Abundam na net referências à Igreja de São José que só falam de Lodovico Buglio, mas uma placa no edifício refere com justiça este e Gabriel de Magalhães. Escreveu em chinês o padre português, mas sobretudo deixou uma descrição da China que se tornou popular com as traduções para francês e inglês. Magalhães morreu em Pequim em 1677, nas graças do imperador. Tinha nascido em 1610 em Pedrógão, a apenas 50 quilómetros de Fátima. Que pena não poder falar desta coincidência à chinesa da loja de santinhos.

Artigo originalmente publicado na edição do Diário de Notícias de 22 de julho de 2018.

 

A propósito deste tema, veja também este documentário sobre a Igreja Católica na China, feito pela revista jesuíta America Magazine, e legendado em português.

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.