É usual ouvir críticas à arte contemporânea. Entre risos e expressões de uma certa perplexidade não é difícil que uma visita a um museu tenha como música ambiente frases como estas: “Isto até uma criança de três anos o fazia” ou “Assim também eu posso ser artista”. Não é minha intenção discutir os dotes artísticos das crianças, nem sequer esboçar uma tentativa de crítica de arte. Mas devo confessar o meu fascínio pela arte contemporânea e pelas possibilidades que ela nos abre.
Desconfio que a experiência estética que nos é proporcionada pelo contacto com Instalações artísticas cheias de objectos estranhos e quotidianos e pela projecção de imagens aparentemente desconexas ou vazias de sentido, mais do que uma experiência de beleza capaz de nos transcender, nos oferece momentos de desconforto em que somos conduzidos a lugares incertos de areias movediças. Nesse sentido, a arte contemporânea parece ser uma arte comprometida com as zonas de risco habitadas por tantas pessoas. Francis Bacon assumia a desesperança como parte da sua obra associando-a ao seu ateísmo. Os corpos contorcidos e os rostos desfigurados que encontramos nos seus quadros confrontam-nos, sem possibilidade de escapatória, com essa desesperança. É esta impossibilidade de ilusão, vivida na carne por tantas pessoas, o que mais me incomoda e fascina na arte contemporânea. Se nos deixamos provocar por estas obras será difícil passar ao lado de tantos lugares incertos, que sobrevivem para lá das crises.
A pergunta que se pode fazer é se, chegados a esses lugares, podemos encontrar na mesma obra a seta que indica a saída, ou a luz que os possa iluminar tornando-os mais habitáveis. O horizonte parece ser o grande ausente de uma parte das novas expressões artísticas. Diante desta falta de horizonte, seria enganador pensar que o mapa para sair ou saber viver nesses lugares, se encontraria numa qualquer utopia. A esperança de que precisamos não é uma esperança da fuga que nos conduza a um lugar imaginado e distante. Como disse Karl Rahner, importante teólogo do século XX, precisamos de uma esperança “que ame a terra”. O nosso olhar tem tendência a cobrir-se de um certo cansaço que o impede de ver mais longe. É difícil libertar-nos destas escamas sem amar profundamente o chão inseguro que vamos pisando.
Nota: uma versão mais longa deste texto foi originalmente publicada em abril de 2009 no site essejota, entretanto encerrado.
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.