Em menos de um mês, o mundo parece que acordou para a necessária e urgente irradicação do plástico. Vídeos com imagens poderosas, dados, campanhas de sensibilização e outras de ação, ocuparam o espaço mediático numa ação conjunta, produzindo, globalmente, um enorme e eficaz impacto.
Foi dado destaque ao empreendedorismo criativo e inovador, capaz de transformar um mal num bem social. Mais impressionante ainda foi ver como este ataque determinado ao plástico se mostrou eficaz a calar populistas e as suas absurdas verdades alternativas.
Vimos cavalos-marinhos, tartarugas, baleias, mares… sucumbir, ou em perigo de sucumbir, nas malhas deste material aparentemente inofensivo. Vimos como a ação de salvar veio da vontade deliberada de mãos humanas. Vimos lixeiras flutuantes de inúmeras cores, cobrindo enormes extensões de mar e barcos equipados com gigantescos aspiradores num esforço desmedido e, no entanto, aparentemente irrisório para o limparem.
Vimos, então, o ridículo do esforço das nações e seus governantes e como todas as ações seriam destinadas ao fracasso se não atingissem e alterassem o comportamento e costumes do cidadão comum. Assim, de uma forma pouco usual, abrimo-nos com rara facilidade a uma alteração de comportamento e percebemos que banir o plástico era possível e estava ao alcance de todos!
Como cidadãos comuns, inventamos campanhas de mobilização para os nossos dias de praia e aderimos ao objetivo de retirar em cada dia três objetos de plástico da areia. Em Amesterdão, existem até programas turísticos em que, mediante o pagamento de um bilhete, qualquer cidadão pode usufruir da experiência de pescar plástico nas águas dos extensos canais… Na Noruega, recupera-se o valor do envase ao restituir a garrafa de plástico e as empresas que o promovem usufruem de benefícios fiscais… Em África, do plástico faz-se arte! Do gel regressamos ao sabonete, eliminamos do nosso dia a dia palhinhas e cotonetes, optamos pelos sacos de papel… E podíamos continuar.
Como cidadãos comuns, inventamos campanhas de mobilização para os nossos dias de praia e aderimos ao objetivo de retirar em cada dia três objetos de plástico da areia. Em Amesterdão, existem até programas turísticos em que, mediante o pagamento de um bilhete, qualquer cidadão pode usufruir da experiência de pescar plástico nas águas dos extensos canais…
A eficácia deste impacto em cada um de nós e no todo leva-me a acreditar que se juntaram todos os ingredientes para que esta seja uma batalha ganha a curto ou médio prazo. Fomos alertados para este inimigo silencioso que se infiltrou perigosamente na nossa vida e acolhemos esse alerta!
E, enquanto sinceramente me maravilho com a resposta massiva no combate ao plástico, pergunto-me se sou ingénua ao ponto de acreditar que a guerra contra a pobreza e a miséria seria ganha se lhe juntássemos o ingrediente fundamental ao seu combate – cada um de nós. Pergunto-me se sou ingénua ao ponto de acreditar que a carapaça da indiferença com que somos capazes de olhar para vídeos, dados e sensibilizações em relação à vida agredida, ameaçada e desprotegida, não só de animais, mas sobretudo de seres humanos, acabará por ser destruída. Pergunto-me se somos ingénuos ao ponto de acreditar que os nossos comportamentos e estilos de vida não têm relação direta com o sofrimento e a falta de dignidade das pessoas que padecem de pobreza, que não vivem, mas sobrevivem.
Pergunto-me se sou ingénua ao ponto de acreditar que a carapaça da indiferença com que somos capazes de olhar para vídeos, dados e sensibilizações em relação à vida agredida, ameaçada e desprotegida, não só de animais, mas sobretudo de seres humanos, acabará por ser destruída.
«Para se poder apoiar um estilo de vida que exclui os outros ou mesmo entusiasmar-se com este ideal egoísta, desenvolveu-se uma globalização da indiferença. Quase sem nos dar conta, tornamo-nos incapazes de nos compadecer ao ouvir os clamores alheios, já não choramos à vista do drama dos outros, nem nos interessamos por cuidar deles, como se tudo fosse uma responsabilidade de outrem, que não nos incumbe. A cultura do bem-estar anestesia-nos […]. Se alguém se sentir ofendido com as minhas palavras, saiba que as exprimo com estima e com a melhor das intenções, longe de qualquer interesse pessoal ou ideologia política. A minha palavra não é a de um inimigo nem a de um opositor. A mim interessa-me apenas procurar que, quantos vivem escravizados por uma mentalidade individualista, indiferente e egoísta, possam libertar-se dessas cadeias indignas e alcancem um estilo de vida e de pensamento mais humano, mais nobre, mais fecundo, que dignifique a sua passagem por esta terra», Papa Francisco, Evangelii Gaudium, nºs 54, 208.
Em estilo de metáfora, proponho o desafio “vidas por plástico” para que não sejam as nossas vidas de plástico. Vidas embaladas num material leve e enganador, aparentemente inofensivo, que tem a pretensão de salvaguardar o que se tem, mas que acaba por reduzir o que se é a embalagens poluentes e vazias.
É que «não me resigno a que quando eu morrer o mundo continue como se eu não tivesse vivido», Pedro Arrupe sj. Nem eu, e acredito que nem nenhum de nós.
(vídeo em inglês)
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.