“Tens de correr devagar!” – ações de pais e crianças nos parques infantis

O brincar ajuda a criança a conhecer as suas capacidades, ao mesmo tempo que interage com o outro e com o ambiente. O brincar pode ser, por exemplo, uma via de acesso às primeiras competências linguísticas.

Não podes subir o escorrega pela frente, tens de subir sempre por trás e descer pela frente!”, adverte um pai o seu filho de 4 anos.

Cuidado, corre devagar!”, avisa uma mãe o seu filho de 2 anos.

Já te disse para não pores as mãos no chão!”, alerta uma avó a neta de 2 anos.

 

Estas são algumas das advertências que ouço os familiares/cuidadores dizerem a crianças, normalmente até aos 5/6 anos, nos parques infantis. Parece haver uma enorme necessidade de direcionar as crianças nas suas brincadeiras, ou seja, os pais/cuidadores querem que elas brinquem da maneira que eles acham melhor e querem sugerir brincadeiras específicas que envolvem resultados esperados por eles. Mas será essa a melhor forma para as crianças brincarem? Será que faz mais sentido para elas?

Ressalvo que o objetivo deste texto não é, de todo, recriminar pais/cuidadores! Até porque parto do pressuposto que todos fazem o melhor que sabem… É, sim, refletir sobre a importância do brincar para crianças mais jovens.

Retomando o assunto, várias são as vezes que estou no parque infantil e ouço os pais/cuidadores a dizer aos filhos como devem brincar: que diversões devem escolher, em que direção devem ir, a que velocidade devem movimentar-se…

”Trago” para esta reflexão a Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança (UNICEF, 2019) que consagra nos seus direitos o formar e expressar opiniões livremente sobre todos os assuntos que lhe diga respeito, ressalvando que a sua opinião é dada de acordo com a sua idade e maturidade (Artigo 12.º).

”Trago” também para esta reflexão a importância do brincar. O que significa brincar? Brincar é uma forma da criança se familiarizar com o mundo, simultaneamente explorando e testando os seus limites.

Os benefícios do brincar vão muito para além do desenvolvimento de competências ou aprendizagem de conceitos, noções referidas com assiduidade pela maioria de nós. O brincar ajuda a criança a conhecer as suas capacidades, ao mesmo tempo que interage com o outro e com o ambiente. O brincar pode ser, por exemplo, uma via de acesso às primeiras competências linguísticas. É na brincadeira que muitos padrões linguísticos começam a formar-se. É, também, quando muita compreensão emergente é integrada, praticada e testada (Rosenkoetter, & Barton, 2002). Através do brincar, as crianças envolvem-se em explorações com finais abertos, não estando confinadas a regras, procedimentos e resultados. Devido à total absorção pela qual são tomadas durante a brincadeira, elas fazem descobertas que talvez jamais fariam de outra forma. Elas resolvem problemas, tomam decisões e, desta forma, descobrem os seus interesses.

Podem participar na brincadeira de forma descontraída, abertos ao que surgir, não colocando metas ou resultados específicos. Caso contrário, deixa de ser brincadeira para ser uma atividade gerida pelo adulto.

Se observarmos crianças a brincar, especialmente com menos de 3 anos, pode parecer que estão um pouco sem rumo, a vaguear com objetos na mão. No entanto, se prestarmos atenção, percebemos que elas estão muito envolvidas na atividade e não apenas a vaguear. Elas estão a movimentar-se, levando objetos com elas. Elas estão a fazer escolhas.

Elas podem aparentar ter curtos períodos de atenção e muita necessidade de se movimentarem, mas têm uma grande capacidade de se envolverem na resolução de problemas por longos períodos de tempo ou numa atividade sensorial escolhida por elas.

Se tiverem oportunidade de se movimentar livremente e sozinhas, as crianças mais jovens aprendem por si mesmas. É através do movimento, da coordenação dos músculos e da organização, que as crianças descobrem o mundo e passam a dar-lhe sentido.

Qual o papel do adulto? Deixá-las escolher as brincadeiras.

Os adultos querem controlar as brincadeiras das crianças porque não reconhecem as suas mais valias para estas. As crianças devem ter liberdade de movimento. Caso contrário, elas não conseguirão envolver-se por completo na brincadeira. Mas pais/cuidadores têm cada vez mais tendência em restringir as brincadeiras.

O modo como reagimos às crianças enquanto brincam, dando-lhes liberdade, ajudando-as a perseguir os seus interesses e proporcionando recursos, pode resultar em crianças que adquirem modelos de pensamento que durarão uma vida inteira.

Os adultos devem estar disponíveis enquanto as crianças brincam. Devem evitar interromper uma criança que esteja concentrada na sua brincadeira. Podem participar na brincadeira de forma descontraída, abertos ao que surgir, não colocando metas ou resultados específicos. Caso contrário, deixa de ser brincadeira para ser uma atividade gerida pelo adulto.

O brincar é a base para o estabelecimento de confiança, resiliência e interações positivas com os outros.

Os pais/cuidadores que brincam com os seus filhos criam um vínculo mais forte com eles. Mesmo jogos simples, como gincanas, podem tornar-se um momento de ligação especial para pais/cuidadores e filhos. Essas interações proporcionam experiências de vida positivas que estimulam o desenvolvimento cerebral das crianças.

Por último, mas não menos importante, momentos felizes e lúdicos são alguns dos presentes mais preciosos que podemos dar aos nossos filhos.

Fotografia de: Ana Klipper – Unsplash

Referências

Rosenkoetter, S., & Barton, L.R. (2002). Bridges to literacy: Early routines that promote later school success. Zero to Three, 22(4), 33-38.

UNICEF (2019). Convenção sobre os Direitos das Crianças. Acedido em https://www.unicef.pt/media/2766/unicef_convenc-a-o_dos_direitos_da_crianca.pdf a 4 de janeiro de 2022

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.