Começar. Este texto parte da leitura de recente relatório do Joint Research Centre (JRC), da Comissão Europeia com o título: Immigration and trust in the EU. A territorial analysis of voting behaviour and attitudes. Num tempo em que racismo, xenofobia e anti-imigração são palavras de uso comum, nada como refletir sobre a realidade vivida. Neste relatório a principal conclusão, de tão óbvia, provoca a nossa indignação. Afinal os baixos rendimentos, o baixo nível de escolaridade, a fraca densidade populacional ou a velhice são melhores preditores das intenções de voto em partidos que favorecem medidas restritivas da imigração do que a proporção de migrantes que realmente residem numa dada área. Dito de outra forma, são as diferentes desigualdades (de rendimento, de qualificações, ou demográficas) as responsáveis pela resistência à chegada ou à presença de imigrantes.
A desigualdade social é a razão da nossa inveja, da nossa xenofobia, dos racismos. Num momento em que o nacionalismo e a xenofobia voltam a vulgarizar-se, é preciso resistir, com saber e memória. Nunca, quem chega é culpado por ser pobre, nunca é o estrangeiro que chega o culpado de sermos quem somos. Onde alguns vêem raças, uma invasão de estrangeiros exploradores, para explicar conflitos sociais e uma perda de eficiência das economias, a ciência vê desigualdades sociais, diferenciais de poder e um conjunto de História(s) mal contadas. Este texto serve para lançar algumas sementes a um solo fértil onde, como sempre acontece na primavera, florescerão.
Indignação. O olhar discriminatório sobre o que é estranho e desconhecido é tão antigo que lhe não conhecemos a origem. É um ato de desconfiança que nos acompanha desde que começámos a percorrer o planeta. É essa a maior indignação. Num tempo a que chamamos de Sociedade de Informação estarmos tão pouco informados. Perceber que geração após geração, nesta pátria ou naquela pátria, continuamos agarrados a Narciso e ao espelho com que nos miramos no mundo em que o único cais seguro somos nós.
A acolhida do outro, com as suas virtudes e particularidades faz-se, agora como no passado, na certeza de sermos o umbigo do mundo. A origem e o centro somos nós: a nação. Os outros são, para nós, menos centrais, menos bonitos, menos espertos. Afinal, porém, relatório atrás de relatório, artigo após artigo, a ciência demonstra que a desigualdade é a raiz de todas as diferenças étnicas, raciais, sociais. Não há cores da pele credoras de mais ou menos inteligência, nem culturas dominantes e culturas dominadas. O que há, o que sempre houve, são poderes diferenciados de quem conta uma narrativa, uma estória ou faz a História. Aqui ou ali o culpado de rejeitarmos o outro, sem o ver, ouvir ou sentir, é o ato histórico e repetitivo de, em vez de confiarmos, desconfiarmos.
A desigualdade social é a razão da nossa inveja, da nossa xenofobia, dos racismos. Num momento em que o nacionalismo e a xenofobia voltam a vulgarizar-se, é preciso resistir, com saber e memória.
Esperança. A razão que constrói o racismo ou a xenofobia baseia-se no desconhecimento, na desigualdade social, na inveja, no preconceito imbecil. Quando o nosso olhar atravessa a distância que a ignorância criou, o espaço que nos separa esvanece-se e ficamos mais próximos de ser próximos. Daí a esperança que recomeça. Crer e Querer são palavras homófonas que viajam, em paralelos movimentos, na mesma direção. Quando se afastam são desilusão e desesperança. Quando se juntam são tão poderosas que nos trazem para o futuro. Crer e Querer, juntas, são como as magnólias no Jardim Botânico de Coimbra: vêm do passado, mas falam do Japão e do futuro. São as Magnólias que, em janeiro, nos dão esperança na Primavera que chegará. Estas Magnólias não nasceram neste jardim. Imigraram de um local longínquo, revelam a sua diferença na antecipação do seu florir, contagiam o mundo à sua volta com a certeza do futuro e fazem, hoje, parte do nosso jardim.
Recomeçar com confiança. Diagnóstico feito, procuremos soluções. Na verdade, nem precisamos de procurar muito longe. A solução para a maior parte das desigualdades existentes chama-se educação. Educação pela diversidade e para a diversidade. Educação pela diferença e para a diferença. Educação para a tolerância e pela tolerância. Educação para a confiança e pela confiança. Educação para a igualdade e pela igualdade. Há algum tempo encontrei (ou talvez tenha sido encontrado por) uma parábola (budista?), em que vários cegos examinam um elefante procurando identificá-lo através de uma parte diferente do animal. Assim, o que agarra a tromba acha que o elefante se parece com uma corda, o que pega na cauda julga que ele se assemelha a uma árvore, ao passo que o que afaga as orelhas o considera um abano e por aí adiante, donde se conclui que cada cego se convence ter compreendido a verdadeira natureza do animal, baseado apenas na parte em que tocou com as mãos, mas todos eles incapazes de o definir na sua totalidade. As parábolas somos nós, o elefante também.
Devemos refletir socialmente sobre as condições em que a desigualdade se alimenta e se estamos a conseguir avançar. Se a raiz da nossa indiferença é a desigualdade, corte-se o mal pela raiz.
A lição que me traz aqui tem a ver com a necessidade que sinto de dar um contributo para reconstruir a sociedade anómica (tanto a de Durkheim como a de Merton) em que vivemos. Uma sociedade de olhares múltiplos que se completam é uma sociedade solidária. Uma sociedade preenchida por indivíduos egoístas é uma sociedade doente. A sociedade de indivíduos, só agência e sem estrutura, só eus e sem nós, é uma coletividade de conflitos espúrios e sem racionalidade. Pelo contrário, uma sociedade baseada na tolerância, na escuta e no diálogo é uma sociedade com futuro. Ao advogar por uma sociedade menos desigual procuro encontrar no outro a capacidade de partilha que nos tem escapado. Uma sociedade menos desigual (e capaz de promover a inclusão como a raiz de todas as soluções) é a solução para que o planeta que deixamos aos nossos filhos seja menos intolerante do que aquele que recebemos dos nossos pais. Na raiz da intolerância está a desigualdade, no futuro da vida comum estará, seguramente, a educação.
Educação. Existe já uma disciplina de Educação para a Cidadania e, entre os seus conteúdos, uma área temática denominada educação intercultural, destinada a um conjunto vasto de alunos pré-universitários. Devemos pugnar para que o Ensino Superior passe também a dispor de ferramentas de construção do humanismo entre os conteúdos oferecidos. No futuro deveremos ser capazes de introduzir estes temas nos conteúdos dos media ou dos media sociais. Periodicamente devemos avaliar a eficácia desta disciplina, desta política pública. Devemos refletir socialmente sobre as condições em que a desigualdade se alimenta e se estamos a conseguir avançar. Se a raiz da nossa indiferença é a desigualdade, corte-se o mal pela raiz.
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.