Recentemente, celebramos 840 anos da nossa existência enquanto nação. Dez de junho é o dia em que, anualmente, queremos honrar Portugal e as Comunidades Portuguesas no estrangeiro. As fronteiras e o espírito luso deste pequeno país tornam-se enormes se considerarmos o mar e a presença de portugueses no mundo. Camões é o símbolo daquele tempo histórico em que, movidos pela curiosidade e pelo sonho, quisemos saber se existiria algo do outro lado daquele imenso mar que banha quase a totalidade da nossa costa. Queríamos saber se aquele oceano se unia a outra costa, a outras culturas, a outros saberes que necessária e automaticamente aumentariam e engrandeceriam os nossos, tornando-nos uma nação muitíssimo maior e mais culta.
Estou convencida de que, neste dia, ao celebrarmos e reconhecermos o espírito e a coragem dos “nossos” que foram levados a tornarem-se emigrantes, alargar-se-á necessariamente o horizonte de compreensão das circunstâncias que atravessam os imigrantes no nosso, ou em qualquer outro, país. Assim como reconhecer as dificuldades inquestionáveis de integração por que passam os que chegam, ou escolhem, a nossa terra, ajudar-nos-á a tocar o que significa uma vida de emigrante e a compreender porque é que tantos Pavilhões Atlântico são levados às lágrimas ao ouvirem artistas portugueses a cantarem o seu dia a dia.
O dia 10 de junho é um dia bom para nos orgulharmos do esforço e da valentia dos portugueses que vivem “lá fora”. É um dia bom para reconhecer o contributo positivo que representam nos países onde residem. É um dia bom para ouvir os relatos de logros e de dores vividos. “Quanto me custou ver dois dos meus irmãos a saírem do país aquando dos anos da crise nacional. Há os que partem, os que chegam e há as famílias que ficam: filhos, mulheres, pais… não foi nada fácil para um dos meus irmãos não ver as suas pequenitas a crescer… e para a minha mãe nem se fala!”, comentou-me uma amiga minha.
É um dia bom para nos maravilharmos com o visceral apego que mantêm a este Portugal à beira-mar plantado. É um dia bom para agradecermos continuarem a escolher o nosso país como recetor das suas poupanças. É um dia bom para nos emocionarmos com a saudade que sentem e que os faz ser categoricamente fiéis às nossas raízes e tradições, mantidas vivas com refeições típicas à volta da mesa e dias de festa nacionais celebrados fora daquilo a que chamamos fronteiras.
Estou convencida de que, neste dia, ao celebrarmos e reconhecermos o espírito e a coragem dos “nossos” que foram levados a tornarem-se emigrantes, alargar-se-á necessariamente o horizonte de compreensão das circunstâncias que atravessam os imigrantes no nosso, ou em qualquer outro, país.
Graças aos nossos emigrantes, o dia 10 de junho é um dia também bom para sermos reconhecidos. É um dia bom para alongar o nosso olhar e não deixar de ver o esforço e a valentia dos que precisaram (e precisam) de vir viver “cá dentro”. É um dia bom para acolher o contributo positivo que podem e querem dar ao nosso país. É um dia bom para escutar os relatos de logros e de dores por que têm passado no meio de nós. É um dia bom para reconhecer a sua participação na nossa economia e sistema fiscal. É um dia bom para simpatizar com o apego que mantêm aos seus países de origem e ter curiosidade em querer conhecer as suas raízes, tradições e comidas típicas.
São cerca de 2,3 milhões de emigrantes portugueses que vivem nesse mundo fora, alimentando e realizando o sonho que Portugal não foi capaz de lhes proporcionar. “De acordo com estimativas das Nações Unidas relativas a 2017, Portugal continua a ser, em termos acumulados, o país da União Europeia com mais emigrantes em proporção de população residente (considerando apenas os países com mais de um milhão de habitantes), com 2,3 milhões de emigrantes nascidos em Portugal, o que equivale a 22% da população a viver emigrada, sendo o 27º país do mundo com mais emigrantes”.
São menos de meio milhão de imigrantes desse mundo fora que vivem em Portugal, alimentando e querendo realizar o sonho que os seus países não foram capazes de lhes proporcionar. O número atual de imigrantes no mundo é de 258 milhões. Desses, apenas 420 mil estão em Portugal, representando cerca de 4% da população residente no país. No que respeita à idade ativa, 80% estão entre os 20 e os 39 anos (Relatório de Imigração, Fronteiras e Asilo 2017).
É um dia em que não nos podemos esquecer das atuais dificuldades pelas que passam os portugueses na Venezuela, ou noutros lugares, e que se podem ver forçados a regressar ao seus país de origem “com uma mão à frente e outra atrás”, depois de tantos anos de labuta e sofrimento a construir uma vida melhor.
É também um dia bom para nos questionarmos se continua a haver espaço para uma política e uma participação cívica tão ideológicas/demagógicas, que têm contribuído para a perda da capacidade de defender, livre e independentemente do grupo político ou religioso a que se pertence, os direitos humanos que salvaguardam a nossa qualidade de vida enquanto pessoas e comunidades.
É também um dia para definirmos muitíssimo melhor quem é que representa o nosso espírito e merece ser condecorado. O mérito não se procura no jet-set do poder ou da riqueza, mas na dignidade-tipo do ‘soldado desconhecido’ que todos automaticamente honram e condecoram pelo bem gratuita e ‘desconhecidamente’ feito ao serviço da nação.
O 10 de junho é, de facto, um dia bom para celebrar e honrar o “e” e o “i” de um Portugal sem muros. Ou não seria Portugal.
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.