Que futuro queremos para os nossos jovens? E como o podemos construir?

A Fundação Francisco Manuel dos Santos publicou um retrato aprofundado dos jovens portugueses, contando com uma amostra de quase 5000 jovens entre os 15 e os 34 anos. Este retrato é mais cinzento do que os arco-íris que nos dava esperança.

Nas primeiras semanas de pandemia Covid-19, o arco-íris e a expressão “vai ficar tudo bem” encheu-nos o coração de esperança. O esforço e a coragem dos profissionais de saúde mostrou-nos o melhor da humanidade. Depois, as notícias sobre a diminuição da poluição e o retorno de animais a certos locais mostrou-nos que o nosso mundo pode efetivamente ser diferente.

Mas, passado algum tempo, o desconfinamento trouxe uma vontade quase irresistível de recuperar liberdades e prazeres perdidos, de conviver, de viajar, de consumir. Num estudo no qual colaborei, desenvolvido pelo Centro Comum de Estudos da Comissão Europeia entre abril e junho de 2020, e que envolveu 14 países da União Europeia, foi perguntado a crianças e jovens até aos 18 anos e aos seus progenitores se havia aprendizagens que tivessem retirado do período de confinamento, e se havia novas práticas que gostariam de manter. A resposta foi um retumbante ‘não’. O que todos desejavam era que o seu quotidiano voltasse a ser exatamente como era antes da pandemia.

Após quase dois anos de “vida pandémica”, já se tornou evidente que as nossas vidas não vão voltar ao normal. Estamos a aprender a viver com um novo normal. Na verdade, somos chamados a construir esse novo normal, a passarmos de uma atitude reativa e adaptativa, a outra proativa e construtiva. Mas eventos como a COP-26 demonstram que é preciso muito mais de cada um de nós.

Após quase dois anos de “vida pandémica”, já se tornou evidente que as nossas vidas não vão voltar ao normal.

Recentemente, a Fundação Francisco Manuel dos Santos publicou um retrato aprofundado dos jovens portugueses, contando com uma amostra de quase 5000 jovens entre os 15 e os 34 anos. Este retrato é bem mais cinzento do que os arco-íris que nos davam esperança. Por exemplo, para estes jovens, uma das facetas da vida que mais influencia a sua felicidade é o seu aspeto físico e bem-estar, e sentem-se altamente pressionados para serem fisicamente atrativos. Este aspeto está relacionado com o consumo de internet, particularmente de redes sociais, que vai além das 5 horas diárias para cerca de um quarto dos jovens inquiridos, sendo que outro quarto passa entre três a cinco horas diárias online. Os jovens também se sentem pressionados a serem bem sucedidos nos estudos ou profissionalmente e temem desiludir as suas famílias. Os outros esperam que eles se mostrem sempre bem-dispostos, alimentando assim uma vida fake. Em termos profissionais, olham para o futuro com desânimo, perspetivando uma carreira mal paga, com excesso de trabalho e com poucas oportunidades de melhoria. Mais de um terço dos jovens que já têm rendimentos próprios declara que é difícil viver com o que auferem. Sentem-se desiludidos ou aborrecidos com as suas carreiras. No caso dos casais, as despesas são partilhadas, mas as tarefas domésticas e o cuidar dos filhos continua a recair mais sobre as mulheres do que os homens (embora haja melhorias relativamente a gerações anteriores), e, portanto, as mulheres sentem mais dificuldade em conciliar as suas vidas profissionais e familiares. Estas são as principais razões para terem apenas um filho ou nenhum, embora a maior parte dos casais gostasse de ter mais do que um filho. Os solteiros não sabem quando irão sair de casa dos pais, mas acreditam que só o poderão fazer mais tarde do que gostariam. Cerca de um terço já se sentiu descriminado pela sua aparência física, e 15% pela sua orientação sexual. Um terço das mulheres já se sentiu descriminada pelo seu género.

É urgente mudarmos os nossos hábitos e adotarmos um estilo de vida mais saudável e sustentável. Mais do que por nós, pelas nossas crianças e jovens.

O estudo identifica ainda fatores relevantes na diferenciação entre os perfis mais e menos favoráveis que encontram entre os jovens. Em geral, a educação está associada a percursos mais favoráveis, bem-sucedidos e felizes, bem como o grau de empoderamento, ou seja, até que ponto é que estes jovens acreditam que são capazes de, pela sua ação, construir o seu futuro e fazer a diferença. Entre os mais instruídos e empoderados, encontramos um estilo de vida saudável, com uma boa alimentação e exercício físico regular, ainda que se sintam cansados e lhes custe a acordar de manhã. Não consomem drogas nem fumam, mas tomam medicamentos para distúrbios do sono, ansiedade e depressão. Apenas 40% dos maiores de 18 anos já votaram, e os atos mais comuns de cidadania são assinarem petições online e boicotarem certos produtos ou marcas. Estão preocupados com as alterações climáticas, mas pouco mais fazem do que reciclar e preferir energias renováveis. Globalmente, são 38% os jovens que declaram que a sua vida fica aquém das suas expectativas e 36% os que se sentem pouco felizes. O que alguns vão fazendo não chega para pintar um panorama mais colorido para o futuro. Estes jovens precisam da nossa ajuda.

Não vai ficar tudo bem se não fizermos nada. É urgente mudarmos os nossos hábitos e adotarmos um estilo de vida mais saudável e sustentável. Mais do que por nós, pelas nossas crianças e jovens. Não chegam intenções, são necessárias ações. Que não passem por voltarmos à vida que tínhamos. Que construam uma nova vida, melhor. Também não se muda de um dia para o outro. Pode ser passo a passo. Um passo em direção a consumirmos e gastarmos menos. Outro passo em direção a sermos mais empáticos e a combatermos os preconceitos enraizados em nós. Outro passo em direção a pensarmos além dos modelos existentes de capitalismo e democracia, e a procurarmos soluções fora da caixa. Mas convém acelerarmos, porque o caminho é longo e o nosso mundo não tem o tempo todo.

Fontes:

Sagnier, L. & Morell, A. (2021). Os Jovens em Portugal: Quem são, que hábitos têm, o que pensam e o que sentem. Lisboa: Fundação Francisco Manuel dos Santos. https://bit.ly/3ll04Lj

Fotografia de João Ferrand.

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.