Por uma economia que não produza pobreza

‘Pobreza’ e a ‘exclusão social’ são termos sobre os quais ouvimos falar frequentemente, mas que nos pouco dizem, uma vez que abarcam uma multiplicidade de situações, dificultando assim a nossa capacidade humana de criarmos empatia.

Segundo o Inquérito às condições de Vida e Rendimento (2019), 17,2% da nossa população encontra-se em risco de pobreza. Como sociedade, precisamos parar e refletir sobre o sistema institucional que se mostra incapaz de cuidar de quase um quinto da população.

‘Pobreza’ e a ‘exclusão social’ são termos sobre os quais ouvimos falar frequentemente, mas que nos pouco dizem, uma vez que abarcam uma multiplicidade de situações, dificultando assim a nossa capacidade humana de os compreender e de criarmos empatia.

Estes termos escondem em si realidades concretas de pessoas e famílias que não tiveram as mesmas oportunidades que muitos, ou que encontraram dificuldades ao longo da vida, resultando em situações de privação, nas quais a liberdade de escolha é muitas vezes inexistente. Quando nos aproximamos de alguma dessas realidades, no meu caso particular das pessoas em situação de sem-abrigo, compreendemos que os termos e estatísticas pecam por não contar a história do Manuel, que atravessou enormes dificuldades associadas a uma doença neurológica e que não conseguiu arranjar emprego após o tratamento, estando há 14 anos a viver na rua; ou do Radu, que veio para Portugal depois de aprender intensivamente português, com a esperança de trabalhar e estudar fisioterapia e de deixar para trás a realidade de passar fome na Roménia, mas que encontrou cá um quebra cabeças entre a documentação de residência e de emprego, ficando na rua ao fim de um mês, com apenas 18 anos quando acabou o dinheiro que juntou para o hostel onde planeou iniciar a nova aventura; e a lista continua, longa, de enorme diversidade, mas, acima de tudo, repleta de pessoas com enorme potencial a quem deve ser devolvida a devida dignidade.

‘Pobreza’ e a ‘exclusão social’ são termos sobre os quais ouvimos falar frequentemente, mas que pouco nos dizem, uma vez que abarcam uma multiplicidade de situações.

A Rede Economia de Francisco Portugal, formada por jovens que responderam ao apelo do Papa para a construção de uma nova economia mais humanizada ao serviço das pessoas, começou a fazer caminho na temática da pobreza e exclusão social, através do convite da Rede Europeia Anti-Pobreza (EAPN) para a colaboração na dinamização de um workshop com o objetivo de aprofundar os conhecimentos sobre a realidade portuguesa e debater potenciais caminhos de futuro, e para a apresentação destes resultados num seminário posterior.

O workshop “Pobreza e exclusão social: contexto e caminhos a seguir” realizou-se dia 19 de abril e o seminário “Como abordar o tema da pobreza e das desigualdades sociais?” dia 12 de maio, contando com convidados e participantes de idades e contextos variados, porém com a sede comum de uma sociedade que promova a igualdade de oportunidades.

Os dois eventos seguiram alguns blocos comuns, nomeadamente de introdução ao conceito e retrato da realidade em Portugal, no workshop pela EAPN e no seminário pelo Professor economista e especialista em pobreza Carlos Farinha Rodrigues (ISEG), e um bloco de debate sobre as principais inquietações e possíveis caminhos para o presente e futuro. No workshop, os cerca de 50 participantes foram divididos em cinco grupos de discussão e, no seminário, o debate foi entre três jovens ligados à Rede da Economia de Francisco Portugal (Isabel Geraldes Barba), à APAC Portugal (Duarte Fonseca) e à Teach for Portugal (Susete Vaz Pedro), e moderado pela jornalista Graça Franco.

Existem sinais de esperança com os quais nos podemos alegrar e que dão força ao caminho de resolução desta problemática como a primeira Estratégia Nacional de Combate à Pobreza que está em fase de construção

Dos eventos realizados, guardo quatro principais aprendizagens:

1) A pobreza é um fenómeno multidimensional que vai muito para além da pobreza monetária, caracterizando-se pela privação das condições necessárias para uma vida digna e revelando causas diversas, desde a existência de trabalhos precários a baixos níveis de escolaridade;

2) Existem sinais de esperança com os quais nos podemos alegrar e que dão força ao caminho de resolução desta problemática como a primeira Estratégia Nacional de Combate à Pobreza que está em fase de construção, como a publicação de novos estudos sobre a temática que permitem o aprofundamento do conhecimento e sua disseminação, e como a ocorrência de eventos que promovem o envolvimento de todos na reflexão sobre abordagens e caminhos a adotar, como os organizados pela EAPN em colaboração com a rede da Economia de Francisco Portugal;

3) A resolução deste desafio societal complexo exige o combate à indiferença e estereótipos, no qual devemos ser agentes que dignificam a narrativa sobre a pobreza; exige a definição de políticas sociais com caráter estrutural capazes de criar oportunidades, para a qual podemos pressionar o poder político para acelerar a mudança; exige a aposta na educação, uma vez que constitui o principal instrumento de redução da pobreza de forma sustentada; e exige o reforço do setor social ao nível de recursos, competências e do reconhecimento da sua importância na sociedade.

4) A construção desta economia que não produza pobreza beneficiará da participação de todos, cabendo a cada um de nós compreender como se pode envolver, se através da política, de associações que trabalham realidades de pobreza e exclusão social ou de empreendedorismo social.

A construção desta economia que não produz pobreza beneficiará da participação de todos, cabendo a cada um de nós compreender como se pode envolver, se através da política, de associações que trabalham realidades de pobreza e exclusão social ou de empreendedorismo social.

Termino com uma citação da Exortação Apostólica do Papa Francisco A alegria do Evangelho que acompanhou este início de percurso da Rede EdF Portugal em torno da temática da pobreza:

“A necessidade de resolver as causas estruturais da pobreza não pode esperar; e não apenas por uma exigência pragmática de obter resultados e ordenar a sociedade, mas também para a curar de uma mazela que a torna frágil e indigna e que só poderá levá-la a novas crises. Os planos de assistência, que acorrem a determinadas emergências, deveriam considerar-se apenas como respostas provisórias. Enquanto não forem radicalmente solucionados os problemas dos pobres, renunciando à autonomia absoluta dos mercados e da especulação financeira e atacando as causas estruturais da desigualdade social, não se resolverão os problemas do mundo e, em definitivo, problema algum. A desigualdade é a raiz dos males sociais.” (EG §202)

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.