No nosso primeiro artigo, chamámos a atenção para o ritmo veloz deste nosso mundo que nos solicita incessantemente. Agora, chamamos a atenção para a nossa resposta a esse mesmo ritmo. Estando a trabalhar junto dos jovens, não só sublinho que “o tempo que vivemos é um tempo de ligações rápidas, de permanente troca de informação entre pessoas, comunidades e estruturas sociais”, como posso garantir que nós, jovens, respondemos a cada solicitação com uma intensidade que nos excede. Saltamos com facilidade de atividade em atividade, aplicando a máxima intensidade em cada uma. Corremos o risco de entrar numa ‘esquizofrenia’ emocional, pela qual alternamos rápida e imponderavelmente entre o êxtase e o desespero, a alegria e a depressão – no fundo, atitudes extremadas que nos tiram de nós mesmos. No mundo universitário, por exemplo, verifica-se uma correria entre o êxtase das festas académicas e o desespero dos exames, a alegria da Missão País e o peso das responsabilidades familiares, a loucura dos campos de férias e a bloqueadora sensação de incapacidade de estar em todo o lado ao mesmo tempo, e assim sucessivamente, sempre sob aparência do maior bem. A alternância desenfreada entre alegria e tristeza pode ser geradora de uma frustração e ansiedade estruturais que não ajudam a saborear a vida de forma integrada (uso o exemplo dos jovens universitários, mas não excluo ninguém deste problema). Nestes saltos de intensidades desmedidas, onde fica o equilíbrio de um centro integrador?
Segundo um estudo de novembro de 2024 (nota 1), a incidência mundial das perturbações de ansiedade na população com idade entre os 10 e os 24 anos aumentou em 52% entre 1990 e 2021. Neste estudo, Portugal aparece como sendo o país com maior taxa de incidência em 2021, de 1 900 novos casos por 100 000 habitantes, e com a maior prevalência (13,35% – o que representa aproximadamente 211 472 de portugueses entre os 10 e os 24 anos). As causas deste aumento prendem-se com vários motivos, desde o aumento do bullying escolar, à digitalização do mundo atual. Outra parte deve-se ao ritmo do mundo e à incapacidade de adequação da resposta pessoal ao ritmo acelerado a que somos convocados.
Segundo um estudo de novembro de 2024, a incidência mundial das perturbações de ansiedade na população com idade entre os 10 e os 24 anos aumentou em 52% entre 1990 e 2021.
No seu primeiro volume da Enciclopédia da Estória Universal – Recolha de Morel, Afonso Cruz, escritor português, narra uma pequena história que descreve esta sensação da divisão interior causada pelo desejo de estar a 200% em cada sítio. Nesta história, um rei quer ter uma árvore que cresça 36 cúbitos em menos de 40 dias. Um sábio apresenta-lhe um adubo capaz de induzir um crescimento de 8 cúbitos diários, o que faria com que o objetivo fosse cumprido em 5 dias. Contudo, no fim do primeiro dia, a árvore divide o seu tronco em 2 ramos, dividindo os 8 cúbitos de crescimento por ambos. No final do segundo dia, cada ramo divide-se novamente, pelo que o crescimento é dividido entre os 4 ramos. E assim sucessivamente, até ao fim dos tempos. Ora, esta árvore, dividida em milhares de ramos, totalmente investida no seu crescimento dividido, nunca chegará sequer aos 16 cúbitos de altura. Assim pode ser uma pessoa que, dividindo o seu investimento e atenção, alterna entre atividades nas quais se implica a 200%, tendo por consequência a frustração e a agitação interior que paralisam o seu próprio crescimento. Há que podar os ramos, há que focar as atenções, há que procurar tempo para digerir e recentrar o coração naquele centro que unifica e integra a pessoa humana.
No primeiro salmo da Bíblia, cantamos que feliz é o homem que “é como a árvore plantada / à beira da água corrente: / dá fruto na estação própria / e a sua folhagem não murcha” (Salmo 1, 3). Deus deseja-nos constantes, fiéis, e não extasiados, fora de nós mesmos. Constantes na permanência, no compromisso e na fidelidade. Para os discípulos, a constância foi uma aprendizagem lenta. Simão Pedro tão prontamente seguiu Jesus, ou garantiu estar pronto a ir com Jesus “até para a prisão e para a morte” (Lc 22, 33), como o negou por três vezes. Os discípulos tão intensamente rejubilaram ao afirmarem “Encontrámos o Messias!” (Jo 1, 41), quanto se fecharam em suas casas depois da morte de Jesus, “com medo das autoridades judaicas” (Jo 20, 19).
Foi apenas após a Ascensão de Jesus, estando reunidos os onze Apóstolos e mais cerca de 120 pessoas, que o critério da constância foi relembrado e tido em conta para eleger Matias como substituto de Judas. Não elegeram aquele que viveu mais intensamente o seguimento de Jesus, ou aquele que mais se alegrou nas Bodas de Canã, ou ainda aquele que mais chorou a morte de Jesus. O critério foi simples: “de entre os homens que nos acompanharam durante todo o tempo em que o Senhor Jesus viveu no meio de nós, (…) é indispensável que um deles se torne, connosco, testemunha da sua ressurreição.” (At 1, 21)
Por um lado, escolheram aquele que foi constante no seguimento, aquele que foi fiel durante todo o tempo. Por outro lado, Matias foi escolhido para se tornar testemunha da ressurreição. Também aqui temos uma novidade: a Ressurreição não é um evento do passado, mas sempre manifestação acompanhada de futuro. Expressa-se na vida de cada um, na forma ressuscitada através da qual cada pessoa é chamada a viver, e pressupõe uma atenção constante e fiel para perceber a ação do Espírito na história, mais que nos eventos pontuais isolados.
S. Inácio de Loyola propõe-nos, no início e no fim dos Exercícios Espirituais (EE), a consideração de como Deus trabalha continuamente na obra da sua criação, isto é, no ser humano. Inácio inicia os EE afirmando que “o homem é criado para louvar, reverenciar e servir a Deus nosso Senhor” [EE 23]. Não indica que o ser humano foi criado, ou será criado, mas que “é criado”, continuamente. Há um continuum na criação, perante a qual nos tornamos responsáveis. Por outro lado, na Contemplação para o Amor (ad amorem), que encerra os EE, Inácio propõe-nos que consideremos “como Deus habita nas criaturas” e, também, “como Deus trabalha e opera por mim em todas as coisas criadas sobre a face da terra” [EE 230-237].
No fundo, S. Inácio sublinha a constância de Deus, a sua fidelidade, como o elemento fundamental da fé católica e da espiritualidade. Ao ser humano reserva-se a responsabilidade de responder na medida desta constância. É este o mandamento de Jesus: “Amai-vos uns aos outros” (Jo 15, 12). “Permanecei no meu amor” (Jo 15, 9)
Quando exageramos na alegria ou na tristeza, quando absolutizamos algum evento, quando colocamos todas as energias nas coisas como fim em si mesmo, corremos o risco de negligenciar os processos a que somos chamados – processos de constância. Temos um Deus de processos, não de frutos! Os frutos são consequência natural de bons processos. Matias foi eleito para ser testemunha de um processo e não de uma manifestação com fim em si mesma.
Quando exageramos na alegria ou na tristeza, quando absolutizamos algum evento, quando colocamos todas as energias nas coisas como fim em si mesmo, corremos o risco de negligenciar os processos a que somos chamados – processos de constância. Temos um Deus de processos, não de frutos!
Se a nossa energia estiver concentrada nos frutos alcançados (ou por alcançar), acontece como com os discípulos de Emaús que “pararam entristecidos” pois “esperavam que fosse Ele…” (Jo 24, 17.21) Não entenderam nada, pois ficaram obcecados pelo que esperavam, a ponto de ficarem impedidos de acolher a boa realidade manifestada.
É por este motivo que somos chamados a viver de forma integrada, apostando no continuum dos processos, mais que na absolutização dos resultados. Para isto, muito ajudam os Exames de Consciência frequentes, de modo a cultivar a atenção que permite ir ao fundo das coisas e a procurar a manifestação de Deus nas pequenas coisas.
No fundo, a tradição da Companhia empurra-nos para um saborear lento e consciente das coisas, que implica precisamente o ser inteiro e íntegro na experiência, na qual aproveita mais aquele que escolhe a constância e não o êxtase, aquele que aprende que “não é o muito saber que sacia e satisfaz a alma, mas o sentir e gostar as coisas internamente” (EE 2).
Não proponho que nos deixemos de alegrar nas festas académicas, ou que deixemos de nos preocupar com o exame de amanhã. Proponho que não absolutizemos esses momentos, que arrisquemos a ler a história toda. Cultivemos a procura da fidelidade como critério de seguimento de Jesus e tracemos caminhos e processos de constância, de olhos postos no futuro. Sempre que algo nos deixe extasiados (fora de nós), desconfiemos e, nos altos e baixos da vida a acontecer, procuremos o centro que nos recentra e integra – Jesus Cristo.
Nota 1 – Bie F, Yan X, Xing J, Wang L, Xu Y, Wang G, Wang Q, Guo J, Qiao J, Rao Z. Rising global burden of anxiety disorders among adolescents and young adults: trends, risk factors, and the impact of socioeconomic disparities and COVID-19 from 1990 to 2021. Front Psychiatry. 2024 Nov 26;15:1489427. doi: 10.3389/fpsyt.2024.1489427. PMID: 39691785; PMCID: PMC11651023.
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.