Pai… tenho vergonha…

Quem se sente amado não tem (tanta) vergonha. A missão dele é amar. Um dia perderá a vergonha, não por mim, mas por todos os que amou.

Eu: É a tua vez, G!

G: Tenho vergonha… não quero ir…

Eu: Vergonha? Mas são os teus amigos e os papás deles a ver. E já treinaste este teatro com eles muitas vezes!

G: Mas tenho muita vergonha…

Eu: Porquê?

G: .. tenho medo que se riam, não quero ir, é muita gente a ver…

A questão

Certamente este discurso será familiar a quem tem filhos. A diferentes níveis, consoante a personalidade de cada filho, seja mais ou menos frequente, tende sempre a aparecer. Também a personalidade dos próprios pais é facilmente aceite, consoante eles próprios o sentem mais ou menos frequentemente. Eu, um racional por natureza, questionava-me como os poderia ajudar a reduzir a vergonha, tal como eu fiz. Não porque considere que todos têm que ser os “extrovertidos da festa”, mas sobretudo por motivos práticos do dia-a-dia, imaginando como a vergonha poderia ser um grande limitador na sua vida.

Comecei onde todas as reflexões começam: na minha própria experiência. Mas uma coisa era certa: tinha reduzido drasticamente a minha vergonha. Seja pelo passar dos anos, seja com algumas experiências, como os campos de férias… . Mas questionava-me porque é que ela tinha existido de início.

O que diz “a ciência”

A verdade é que, depois de estudar o tema, vejo que existem várias respostas interessantes:

  1. A vergonha é uma emoção reguladora do comportamento moral do Homem. Quando fazemos algo que consideramos errado, tendemos a ter vergonha, num reflexo pessoal de autoavaliação.
  2. A vergonha surge com especial força quando é um fenómeno social. Qual será o julgamento do outro sobre o que acabei de fazer? Queremos ser aceites pelo grupo. Somos um ser social e seria sem dúvida um instinto primordial útil: quem é aceite pelo grupo, tem mais hipóteses de sobrevivência.

Nas crianças, a vergonha tem alguns reflexos de regulação: “O que é que os pais vão pensar se eu fizer…?” E que lentamente se vai convertendo em autoavaliação, enquanto eles crescem e solidificam os seus valores morais. No entanto, pode levar à paralisação, pois deixamos de fazer algo, ou ser nós mesmos, pelo medo do julgamento. Por vezes, nos casos mais difíceis, o nosso próprio julgamento é que nos congela.

Então a minha pergunta, enquanto pai, passou a ser: “o que distingue alguém que lida ‘positivamente’ com a vergonha de alguém que a tem como limitadora? A resposta surgiu-me inesperadamente… o amor. Quanto mais (se tem a certeza de que) se é amado, menos vergonha se tem.

Então a minha pergunta, enquanto pai, passou a ser: “o que distingue alguém que lida ‘positivamente’ com a vergonha de alguém que a tem como limitadora? A resposta surgiu-me inesperadamente… o amor. Quanto mais (se tem a certeza de que) se é amado, menos vergonha se tem.

Por isso é que, enquanto crianças, começamos por mostrar as nossas “habilidades” à família mais próxima. Convivemos com eles diariamente, sabemos que não vão rejeitar-nos por dançarmos de forma pateta, ou lermos uma palavra errada. Pelo contrário, vão incentivar-nos.

Com os colegas que se vão tornando amigos essa certeza já não é tão forte. Nem sempre há a noção de que uma risada, quando um passo de dança falha e alguém cai, pode ser um murro muito real no estômago, que quebra a confiança que foi posta nas crianças para se exporem mais profundamente. O grupo de pessoas do qual queriam ter aprovação e admiração fica, sem que se apercebam, hostil.

À medida que as crianças crescem e as amizades se aprofundam, estas convergem no sentido do amor quase incondicional. É assim que, no “grupo de amigos” que nos acompanha desde pequenos, a vergonha desaparece, dissolvida nos laços de confiança, sendo estes fortalecidos pela certeza de que aquelas pessoas nos aceitam tal como somos. Haverá também amizades, talvez a maioria, sejam recentes ou antigas, que nunca se aprofundam e nessas mais dificilmente se manifestará esta confiança profunda.

O que concluí

Depois desta reflexão (muito resumida), precisava de uma conclusão. Afinal o que faço, se é que devo fazer algo, perante esta situação? Mais uma vez, a minha conclusão foi inesperada, até para mim.

Conclui que se quero que o meu filho tenha menos vergonha, devo continuar, o mais que puder, a fazê-lo sentir-se amado. Isso será um grande primeiro passo, mas não será de todo suficiente. Terei de ter um cuidado especial em educá-lo para apoiar os amigos, para que tenha sensibilidade para os ajudar quando sentirem vergonha, para não rir. E para dar a mão quando alguém cai. Não realçar a nódoa, mas a t-shirt incrível onde ela está.

No fundo, ajudá-lo a ser um verdadeiro amigo dos que o rodeiam, para que eles se sintam confiantes e amados. E esperando que isso lhe possa ser devolvido, com a mesma ou mais força.

Não é nele que me tenho que focar, mas no que ele pode fazer pelos outros. Quem se sente amado não tem (tanta) vergonha. A missão dele é amar. Um dia perderá a vergonha, não por mim, mas por todos os que amou.

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.