Bem sei que a solenidade de todos os Santos foi celebrada no início da semana passada. No entanto, foi a propósito desse dia que me detive com maior atenção na leitura de alguns excertos da exortação apostólica Alegrai-vos e exultai, do Papa Francisco. Tenho deixado ecoar algumas das suas palavras, que, ainda que não sejam uma novidade, me parece que podem sempre trazer uma nova luz.
A verdade é que continuamos a lembrar-nos sempre dos Santos que aparecem nos altares e esta festa da Igreja é sempre uma boa oportunidade para relembrar que há muitos outros que o são, pela forma como viveram e/ou vivem, ainda que no silêncio, sem algum tipo de “reconhecimento oficial”.
Durante a última semana, este lembrete fez com que entrasse na escola de maneira diferente. Isso aconteceu porque constatei que, (re)conhecidas ou não, a grande maioria destas pessoas também tiveram 10, 11 e 12 anos. E, como professora de alunos com essas idades, comecei a imaginar como seriam, se passassem hoje pela Escola. Imagino S. Pedro a acolher bem algum colega que aparecesse mais sozinho. Imagino S. Paulo a ser sempre dos primeiros a pôr o dedo no ar, para poder dar a sua opinião ou contar algo que tinha vivido (e, claro, a perguntar sempre se era para escrever a lápis ou a caneta). Imagino Sto. Inácio de Loyola a ser o primeiro a correr para o recreio para dar início ao jogo de futebol, podendo assim defender a sua camisola.
Até imagino que todos eles tenham tido um dia em que se esqueceram de trazer alguma coisa importante; que tenham realizado um trabalho menos completo por não terem lido alguma instrução até ao fim; ou que tenham entrado num conflito com algum colega (mas que também tenham aprendido rápido a pedir desculpa). Isso seria possível, não só porque a santidade não pressupõe perfeição, mas também porque, aos 10, 11 ou 12 anos, isso acontece – é natural, estamos a aprender. Se dedicarmos algum tempo a este exercício, facilmente entramos na onda e conseguimos ter uma ideia deste cenário, que pode muito bem não coincidir com a minha.
Independentemente disso, e apesar de como os imaginei dentro ou fora da sala, a verdade é que me apercebi de que o estava a fazer apenas com Santos que já foram reconhecidos como tal. Ainda que isso nada tenha de errado (até é divertido, experimentem!), tal como referi acima, no dia 1 de novembro a Igreja escolhe lembrar-nos de que há muitos outros, que, naturalmente, também tiveram estas idades e andaram (ou poderiam ter andado) na escola. Este aspeto marcou-me de forma especial.
Ainda que isso possa parecer um bocadinho estranho, apercebi-me de que, todos os dias, tenho diante de mim aqueles que serão Santos (ou, se calhar, até já o são…), independentemente de saberem o que isso significa ou de a Igreja o vir a dizer.
Ainda que isso possa parecer um bocadinho estranho, apercebi-me de que, todos os dias, tenho diante de mim aqueles que serão Santos (ou, se calhar, até já o são…), independentemente de saberem o que isso significa ou de a Igreja o vir a dizer. Não me tocou como um motivo de orgulho ou de algum tipo de mérito por ser agora professora deles. Tocou-me por me lembrar de forma muito evidente que não conheço tanto do que lhes vai passando pelo coração. Tocou-me, porque me chamou mais uma vez à atenção a importância de ter um olhar que vá para além do desempenho: do que sabem, do que dizem e do que escrevem.
Por um lado, porque acredito que todos eles já têm em si aquilo que precisam para poder responder a esta chamada de santidade e que a escola também pode ser um espaço que os ajude a descobrir isso e a “pô-lo cá para fora” (mesmo que nunca o formulem desta forma). Por outro lado, porque me lembrou de que, quando penso que esta chamada é para todos, é mesmo para todos. Mesmo para aqueles que interrompem demasiadas vezes; para aqueles que nunca trazem o que é preciso; para aqueles que ousam desafiar de vez em quando; para aqueles que parecem especialistas em entrar em conflito; e para aqueles que ainda não sabem seguir as instruções que lhes são dadas.
Apercebi-me de que sou chamada a ter este olhar diferente perante todos, mesmo perante aqueles com quem possa ser mais exigente ter uma perspetiva renovada no início de cada dia.
Não o digo com asteriscos, na esperança de uma enorme conversão. Até porque não acho que estes sejam fatores que os impeçam de responder a esta chamada. (Acham que S. Pedro não interromperia os seus professores?…)
Logo no início da exortação apostólica, o Papa Francisco fala dos “santos ao pé da porta”, «daqueles que vivem perto de nós e que são um reflexo da presença de Deus.» Durante a última semana, fui tomando consciência da diferença que faz ter um olhar que permita reconhecê-los: estejam eles sentados ao pé da porta ou da janela, ou até em pé, quando deviam estar sentados. Apercebi-me de que sou convidada a lembrar-me de que os Santos também vão à Escola. Apercebi-me de que sou chamada a ter este olhar diferente perante todos, mesmo perante aqueles com quem possa ser mais exigente ter uma perspetiva renovada no início de cada dia.
Tudo isto me faz pensar novamente sobre o papel e a missão da Escola. Sei que me repito e parece que volto ao mesmo (ou pelo menos, volto ao assunto sobre o qual tantas vezes escrevo). Mas, independentemente de a santidade ser um caminho que nos faça ou não sentido (e que gostemos da palavra ou que nos faça confusão), acredito que a Escola tem um caminho a percorrer para poder ser um espaço que acompanhe verdadeiramente os alunos a porem o melhor que já têm em si ao serviço dos outros e do mundo.
Fotografia: João Ferrand
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.