“Crescei e multiplicai-vos.” Sim Senhor – a ver pela demografa mundial, não temos falhado. Mas aquilo que Jesus não nos disse foi quem fica a mandar nos miúdos. “Crescei e multiplicai-vos, mas quem decide as mesadas são as mães”, por exemplo. Nada, nem uma palavra sobre estes temas mundanos que tanto nos transtornam. Os casais multiplicam-se, mas as complicações também: com os filhos vêm os sarilhos, principalmente para a vida dos casais. Se há fatores que agitam a vida matrimonial, conjugal, em casal ou como lhe quiserem chamar, são os filhos. E sim, não há como fugir disto: quantos mais pior.
Começa logo à nascença. Levanta-se um para aquecer o biberão, mas o outro já se levantou para mudar a fralda, sendo que o primeiro amua porque ele é que se levanta cedo para ir trabalhar e ainda por cima não consegue dormir porque o outro ressona e o bebé é insuportável e tem cólicas. Sim, é cansativo. E é num abrir e fechar de olhos que o casal se vê à beira de um ataque de nervos e a questionar a indissolubilidade do casamento, perante uma diarreia às 4 da manhã. Nunca percebi aqueles casais que em plena crise resolvem ter mais um filho para se unirem. Nada mais errado: os filhos desunem.
Os anos passam e a situação não melhora. O menino só quer a mãe e o pai fica com ciúmes – ou vice versa – , ou então, o pai fica com ciúmes porque a mãe só liga aos filhos e não liga ao pai – ou vice versa.
Os anos passam e a situação não melhora. O menino só quer a mãe e o pai fica com ciúmes – ou vice versa – , ou então, o pai fica com ciúmes porque a mãe só liga aos filhos e não liga ao pai – ou vice versa. E em vez do cocó e do sono são agora as inseguranças que intoxicam a dita indissolubilidade e as dores de cabeça voltam por mais uns tempos. Quando começa a fase da educação propriamente dita, a crispação tende a aumentar. Regras. Ora, cada um tem as suas preferidas (definição de casal é cada um ter as suas regras e ideias feitas). “Ele não pode ir para a nossa cama!” Mas não. “Ele não pode é ter medo, coitadinho”. Por outro lado. “Ele tem de começar a nadar”. Se calhar é muito cedo. “E faz mal aos ouvidos”. E as clássicas: “Este miúdo faz o que quer!”. Resposta: “Só se for contigo!”. Mais dores de cabeça. O almoço, o jantar, as horas de deitar, as horas de televisão, o tipo de brinquedos, o médico, as atividades, tudo pode ser tema de uma potencial discussão. Nunca se sabe. E as sogras: há sempre sogras por trás de regras e, por definição, todos os membros do casal desconfiam de sogras.
Vem a escola e com ela os professores, as notas e outros clássicos. “Deixa o miúdo, coitado… Eu também nunca tive boas notas e não foi o fim do mundo”. Nenhuma mãe aguenta ouvir isto: uma mãe vê os resultados do seu trabalho maternal no desempenho escolar dos filhos (não perguntem porquê que eu também não sei). Seja como for, os temas escolares raramente são consensuais o que dão azo a 12 anos letivos de alguma tensão no casal por causa dos filhos. Com a autonomia das crias – se nesta altura ainda ninguém deixou as crianças em casa da sogra – é todo o casamento que é posto à prova. Se estabelecer regras para crianças a dois pode ser difícil, estabelecer regras para adolescentes e jovens a dois pode ser um autêntico pesadelo. “Pai, posso?” Quem nunca: “Vai perguntar à mãe”, e depois a mãe diz: “Vai perguntar ao pai”. Mas ninguém se atravessa porque ambos sabem que vai dar confusão deixar e ninguém se quer comprometer. Andamos a discutir desde as diarreias às 4 da manhã, lembram-se?
A verdade é que quanto mais crescem, mais coisas se têm que decidir a dois, que decidir, que proibir e que discutir. Não há como fugir. E quanto mais filhos pior. Mais se tem de convergir, ceder e respeitar a opinião um do outro – e tudo isto sem arrancar olhos; mais se tem que respirar fundo e tomar consciência de que os filhos não são só de um para cuidar e educar, são dos dois. Quanto mais eles crescem, mais desafiam, mais opiniões têm, mais espaço ocupam, mais determinantes são as decisões, menos autoridade temos e maiores são as tensões. Mais os casais têm que conversar e conversar sobre temas cada vez mais difíceis, dizer que sim mesmo que achem que não.
“Crescei e multiplicai-vos, mas mandam as mães” e tudo seria mais simples.
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.