Ao sábado à noite, desde o final de outubro, passou na SIC um programa chamado “A Árvore dos Desejos”. Este programa percorreu escolas de todo o país – com uma árvore atrás – para realizar desejos de alunos.
Não o acompanhei de forma assídua, confesso. Não escrevo para me debruçar sobre o programa em si, mas por aquilo que despertou em mim. Bastou um episódio para ver muitos e diferentes desejos (alguns concretizados e outros não). Bastou um episódio para me dar muito sobre que pensar. Principalmente, enquanto professora.
Num primeiro momento, deixou-me a pensar nos desejos que os meus alunos formulariam e naquilo que lhes desejo a eles. Foi isto que serviu de mote para olhar o que verdadeiramente significa desejar – pensando em alunos, em professores e, por isso, na Escola (e, aqui, a letra maiúscula não é inocente).
Em primeiro lugar, senti a necessidade de esclarecer o que significa a palavra. Quando falamos de desejo, podemos referir-nos a coisas diferentes. E, de facto, se formos ao dicionário, encontramos esta distinção. Afinal, desejar tanto pode significar apetecer como querer verdadeiramente, que são coisas bastante diferentes.
À medida que vou conhecendo os meus alunos, conheço, também, o que desejam. Tenho oportunidade de conhecer aquilo que lhes apetece no imediato – o que, no caso de se tratarem de alunos de 10 anos, surpreende sempre! Mas, acima de tudo, tenho oportunidade de conhecer aquilo que querem verdadeiramente, ainda que nem sempre sejam capazes de o pôr em palavras. Para além de me ser dada a oportunidade de conhecer aquilo que desejam, sinto que, enquanto professora, a missão que recebo me torna responsável por isso. Esta responsabilidade vem, acredito eu, da convicção de que a Escola tem um papel nisto – na forma como os alunos desejam.
Que papel? Para o conseguir formular, tive de procurar um pouco mais. Ir ao dicionário ajudou a esclarecer o que significa desejar. Conhecer a origem da palavra ajuda a ir mais fundo. A sua etimologia remete-nos para a palavra “desiderare”, que significa: fixar as estrelas. Existindo tantas estrelas, isto poderia sugerir um conceito mais disperso, mas acredito que não é o caso.
Lembrei-me dos navegadores portugueses, que se orientavam a partir das estrelas. Mais do que um olhar para cima, era-lhes pedido que fixassem as estrelas para que pudessem ter um olhar em frente.
Afinal, a Escola é lugar onde se aprende a desejar. É lugar onde se aprende a olhar em frente, de pés na terra e de coração centrado
Afinal, desejar exige saber ter este olhar diferente. Exige olhar em frente de forma consciente e responsável – com, diria eu, os pés na terra. Exige olhar em frente de forma apaixonada e animada – com, diria eu, o coração centrado no essencial, naquilo que verdadeiramente importa. Então, sim, olhar em frente tem muito que se lhe diga.
É aqui que encontro a responsabilidade (que é também um enorme privilégio) de que falava antes. Sou chamada a criar oportunidades reais de treinar este olhar em frente, de pés na terra e de coração centrado. Sou chamada a propor-lhes desafios que, todos os dias, os ajudem efetivamente a crescer, com sentido, nos e para os desejos que formulam. Sou chamada a contribuir para que tudo o que aprendem, que envolve tanta coisa e tão diferente, e a forma como aprendem os leve a crescer para serem a pessoa que desejam ser para o mundo. Sou ainda chamada a acompanhá-los de perto para que tomem consciência de tudo isto.
Como é que isto se faz? Não sei se há uma receita, mas sei que é uma tarefa exigente. O mundo anda rápido. Pedro Arrupe dizia, até, que o mundo anda sem nós e que de nós depende que ande connosco. Então, também depende da Escola que o mundo ande com ela.
Para a Escola ser lugar onde se treina este olhar – entre tantas outras coisas que lhe são pedidas – há, de certeza, um primeiro passo a dar: o de mudar. Isto significa que alunos trabalharão de forma diferente: para que a sua aprendizagem possa efetivamente estar ao serviço dos desejos que têm. E os professores? Também. Poderíamos desafiá-los a tanto e não sermos desafiados também? Acho que é por isso que a Escola também é o lugar onde se aprende a ser professor.
Este programa entrou em cada escola, realizou desejos e saiu. Pode parecer que a Escola não tinha nada a dizer. E, de facto, a mudança de que falo – e que já acontece em algumas escolas – não fará com que passe a ser capaz de conceder desejos: não passará a fazer o que a Árvore dos Desejos fez. Mas fará, certamente, com que tenha algo a dizer antes. Fará com que tenha algo a dizer sobre a forma como os alunos fixam as estrelas.
Afinal, a Escola é lugar onde se aprende a desejar. É lugar onde se aprende a olhar em frente, de pés na terra e de coração centrado. Educando para este olhar, os desejos formulados serão a expressão daquilo que se quer verdadeiramente e não daquilo que apetece no imediato; e os meios para os concretizar terão como partida aquilo e a forma como que se aprendeu. Então, aprendendo a ter este olhar diferente – e parafraseando Quem melhor conhece aquilo e aqueles que são do coração – o resto virá por acréscimo.
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.