O melhor e pior do desporto em 2018 – Um olhar sobre a floresta

Que não restem dúvidas sobre a importância do desporto como meio educativo por excelência e como ferramenta muito eficaz na construção de uma cultura de inclusão e de respeito pela dignidade da pessoa humana.

É bem certo que o tempo é a única coisa verdadeiramente nossa, mas jamais o conseguimos controlar efetivamente de acordo com as nossas necessidades. Eu, pelo menos, não tenho essa capacidade. O exemplo mais acabado desta evidência é o facto do tempo que dediquei ao Ponto SJ ter passado literalmente a voar. Neste frenesim do tempo SJ (deixem-me chamar assim a este ano de partilha de palco no Ponto SJ) o pior é reconhecer que por certo não fui capaz de entusiasmar todos os leitores e de abordar todos os temas sobre cultura desportiva que tinha em mente tratar; o melhor é saber que afinal a sensação de que o tempo passa depressa acontece quando fazemos algo que nos dá prazer.

Refletir no Ponto SJ sobre desporto foi, sem dúvida, um enorme prazer e um interessantíssimo desafio intelectual. Por outro, lado sinto-me um privilegiado por ter sido convidado a partilhar a minha experiência e ter tido a possibilidade de repartir este palco com os companheiros que me calharam em sorte. No arranque desta tarefa o que mais desejei foi ser capaz de tratar os temas escolhidos com simplicidade e competência. Terei conseguido? Para já tenho recebido de quem me lê bastantes silêncios e alguns (poucos) incentivos, o que não é mau. Certo é que ficaram por tratar outros assuntos que gostaria de ter tido oportunidade de abordar, pois considero determinantes para o futuro do desporto. Destaco especialmente a importância dos fenómenos migratórios na transformação da excelência desportiva dos países/nações de acolhimento, a relação entre a prática desportiva e o desempenho académico, ou mesmo a maior motivação das populações pelos desportos aventura e pelos ditos desportos extremos relativamente aos desportos tradicionais e o aumento exponencial do consumo de desporto feminino nas próximas décadas. Temas que espero poder tratar futuramente nos meus planos de ação académica.

Refletir no Ponto SJ sobre desporto foi, sem dúvida, um enorme prazer e um interessantíssimo desafio intelectual.

Ao longo deste ciclo de participação no Ponto SJ evitei refletir sobre temas e figuras mediáticas e sobre assuntos e peripécias que deram que falar e fizeram correr muita tinta. Acho que foi uma boa opção até porque não me consigo imaginar a discutir esses tópicos de uma forma independente, sem puxar a brasa para a minha sardinha. Contudo, nesta etapa final, coincidente com o arrancar de um novo ano, gostaria de expor o que, em minha opinião, aconteceu de melhor e de pior no desporto em Portugal e quais os atletas nacionais que em 2018 deixaram uma marca para a história do desporto mundial. E gostava também de neste texto final deixar algumas anotações sobre o que mais me preocupa no desporto dos mais jovens e que justifica a importância de uma reforma desportiva urgente.

Talvez os melhores de Portugal em 2018 tenham sido a Inês Henriques, campeã da Europa de 50 Km Marcha, o Fernando Pimenta, campeão mundial em duas disciplinas da canoagem (K1 5000 e K1 1000) e o Nélson Évora, campeão da Europa de triplo salto (sem esquecer claro os feitos do Miguel Oliveira na moto2, do João Sousa no Ténis – Open do Estoril – e dos gémeos Ivo e Rui Oliveira no Ciclismo de Pista). Destaco também as vitórias das Seleções Portuguesas (e dos seus atletas) no campeonato europeu de futsal e de futebol sub-19, bem como os feitos notáveis de uma equipa de Oliveira de Azeméis – a U.D. Oliveirense – ao ter conquistado pela primeira na sua história a Liga Portuguesa de Basquetebol e outra da Vila das Aves – o C.D. das Aves – por ter vencido também pela primeira vez na sua história a Taça de Portugal em futebol. Concluo esta lista do melhor desporto português em 2018 assinalando com entusiasmo e comoção as vitórias da Seleção de Portugal no campeonato europeu de futsal para atletas com síndrome de Down e no campeonato europeu de andebol para atletas em cadeira de rodas.

Pelo contrário, o lado mais sombrio do desporto português neste ano de 2018 foi, sem qualquer dúvida, o ataque à Academia de Alcochete. De resto, não tenho memória de alguma vez ter ocorrido algo de tão grave e tão hediondo no panorama desporto nacional. Segue-se neste elenco de desgraças sombrias, de muita escuridão mesmo, o caso E-Toupeira e o caso dos Emails, dois processos manifestamente complexos e de óbvia corrupção desportiva.

O meu desejo é que estes êxitos e mesmo os muitos insucessos de outros atletas e de outras equipas nacionais sejam um sinal claro da importância do Desporto na nossa sociedade, uma inspiração para todos e um modelo de vida a seguir. Que não restem dúvidas sobre a importância do desporto como meio educativo por excelência e como ferramenta de enorme eficácia para a construção de uma cultura de inclusão e de respeito pela dignidade da pessoa humana. Sobre as sombras que apontei espero que se dissipem rápido e seja feita justiça.

Por fim, um caso repugnante e que a todos envergonha ligado ao tráfego de seres humanos e de imigração irregular no futebol revelado já no início deste novo ano pelo Observatório do Tráfico de Seres Humanos, o órgão do governo que supervisiona esta triste realidade. As vítimas são na sua maioria cidadãos brasileiros, alguns menores de idade. Gente sem escrúpulos alicia-os com contratos chorudos que nunca se concretizam e que redundam no abandono destes jovens nas ruas das nossas cidades. É mesmo verdade, isto passa-se em Portugal!

É bem elevada a quantidade de jovens atletas que hoje em dia recorre à ingestão de esteróides anabolizantes sem controlo médico. Os efeitos colaterais da sua utilização continuada são muito alarmantes.

Esta triste realidade é uma vergonha e uma enorme frustração para quem, como eu, acredita ser o desporto uma fonte inesgotável de valores e de virtudes. Claro que esta questão de imigração irregular, sobretudo com jovens atletas, é extremamente preocupante, mas outros males parecem contaminar o desporto dos mais novos. Por exemplo, é bem elevada a quantidade de jovens atletas que hoje em dia recorre à ingestão de esteróides anabolizantes sem controlo médico. Os efeitos colaterais da sua utilização continuada são muito alarmantes. Também a especialização precoce é promovida em praticamente todos os desportos com o consequente aumento do número de lesões por efeito de cargas desajustadas e excessivas. Para além disso, o desporto nas escolas e colégios e também nos clubes privados e academias é um mega negócio que prolifera em todo o mundo. Se juntarmos a tudo isto a corrupção já identificada em algumas realidades (dinheiros desviados, competições viciadas…) percebemos a necessidade de se promover uma reforma urgente no desporto dos mais jovens. Mesmo em Portugal!

Volto à questão do tempo para encerrar este texto, lembrando como passa depressa sempre que nos envolvemos com a realização de algo que nos dá prazer. De facto, escrever no Ponto SJ foi um tempo de prazer e uma prática muito gratificante. Procurei acima de tudo partilhar com os leitores a minha experiência desportiva e académica. Ao encerrar este ciclo de participação no Ponto SJ formulo um voto repleto de esperança no futuro e o desejo que o desporto seja SEMPRE uma experiência capaz de dar sentido e valor à vida das pessoas.

Um abraço a todos e até sempre.

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.