Estudava eu em Roma, quando, em outubro de 2001, decorreu a X Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos, cujo tema era a missão dos Bispos na Igreja. Recordo o meu espanto ao escutar, certa tarde, o então Patriarca de Lisboa, Cardeal D. José Policarpo, a comentar, em tom algo irritado, o modo como o Sínodo tratava as questões em discussão: “é como querer derrubar uma parede de betão com uma bolinha de borracha”.
D. José estava a ser entrevistado pela secção de língua portuguesa da Rádio Vaticano e reagia contra o facto de a Secretaria Geral do Sínodo controlar de tal modo o decurso dos trabalhos que pouco espaço ficava para um discernimento sério e uma intervenção mais ativa por parte dos Padres sinodais. Por outras palavras, lamentava o défice de participação dos próprios Bispos no caminho sinodal mesmo no seu momento culminante, a Assembleia Geral.
Vinte anos depois, sob a inspiração do Papa Francisco, a Igreja percorre o caminho que vai conduzir à XVI Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos que tem como tema, como bem sabemos, “Por uma Igreja sinodal: comunhão, participação e missão”. Não me interessa neste artigo refletir sobre o grau de envolvimento ativo das comunidades cristãs, com a variedade dos seus membros e carismas, no atual caminho sinodal na Igreja em Portugal; a avaliar pelo que me foi dado verificar na comunidade paroquial que frequento, que tem por sinal um ambiente bem saudável, e naquelas suas vizinhas, foi demasiado baixo. Minha culpa também, portanto! Gostaria apenas de relembrar a que tipo de participação se alude no próprio site da Secretaria Geral do Sínodo: “A participação baseia-se no facto de todos os fiéis serem qualificados e chamados a colocarem-se ao serviço uns dos outros através dos dons que cada um recebeu do Espírito Santo no batismo. Numa Igreja sinodal, toda a comunidade é chamada a rezar, escutar, analisar, dialogar, discernir e aconselhar, a fim de tomar decisões pastorais que correspondam o mais possível à vontade de Deus”. A escuta mútua e o diálogo são, por isso, atitudes fundamentais para que o discernimento e a tomada de decisões possam ser verdadeiramente sinodais.
“A participação baseia-se no facto de todos os fiéis serem qualificados e chamados a colocarem-se ao serviço uns dos outros através dos dons que cada um recebeu do Espírito Santo no batismo. Numa Igreja sinodal, toda a comunidade é chamada a rezar, escutar, analisar, dialogar, discernir e aconselhar, a fim de tomar decisões pastorais que correspondam o mais possível à vontade de Deus”. A escuta mútua e o diálogo são, por isso, atitudes fundamentais para que o discernimento e a tomada de decisões possam ser verdadeiramente sinodais.
O ponto central desta reflexão é antes apresentar um simples exemplo, a partir do departamento eclesial em que fui chamado a colaborar – o Dicastério para o Serviço do Desenvolvimento Humano Integral (DSDHI) – de como a Igreja está a ser chamada pelo Papa Francisco a uma conversão sinodal e de como essa transformação pode ser posta em prática – até mesmo na própria Cúria vaticana. O que Francisco desejou para o DSDHI, e o que os seus Superiores e colaboradores têm procurado implementar – o caminho que temos pela frente é ainda longo! -, não é uma mera soma dos antigos Pontifícios Conselhos que lhe deram origem – Justiça e Paz, Saúde, Migrantes e Itinerantes e Cor Unum. É sim uma nova forma de trabalhar e de a Igreja se fazer presente nas diversas áreas da existência pública e social e no cuidado pela casa comum confiada à família humana.
Em que consiste esta nova metodologia? O DSDHI não se considera como o ponto de partida de iniciativas dirigidas às Igrejas locais, nem tão pouco o seu papel é o de dar diretivas em todas as áreas que dizem respeito ao desenvolvimento humano integral: direitos humanos, justiça e paz, saúde, migrações, ecologia, trabalho, economia, etc. “A nossa tarefa diária é de ouvir, dialogar e refletir de uma forma sinodal; discernir, propor e apoiar respostas eficazes que se esforcem por alcançar e servir o desenvolvimento humano integral; e restituir os resultados às Igrejas particulares, com uma abrangente estratégia de comunicação” (apresentação da nova organização do DSDHI).
O nosso trabalho organiza-se, assim, em três secções programáticas de acordo com o esquema que segue:
A Secção Escuta-Diálogo, de que faço parte, procura estabelecer uma ponte nos dois sentidos com as Igrejas locais e os seus vários ministérios de promoção do desenvolvimento humano integral.
A Secção Investigação-Reflexão procura aplicar as diversas disciplinas que se afigurem necessárias e os ensinamentos da doutrina social católica aos desafios que nos são apresentados na fase de escuta e diálogo, em busca de possíveis respostas.
A Secção Comunicação-Restituição intervém na fase em que os possíveis resultados concretos são formulados e depois partilhados num dinâmico esforço de comunicação.
Se eu quisesse sintetizar num verbo o modo como o DSDHI, nesta nova forma sinodal de intervir, considera o essencial da sua missão e do mandato recebido do Santo Padre, esse seria ACOMPANHAR. Escutar e dialogar, refletir e investigar, comunicar e restituir, todo este processo tem como objetivo colocar-se à disposição para acompanhar.
Escutar e dialogar, refletir e investigar, comunicar e restituir, todo este processo tem como objetivo colocar-se à disposição para acompanhar.
Os atores principais de todo o processo residem nas Igrejas locais: os Bispos, suas dioceses e conferências nacionais e regionais, as comissões que tratam das questões do desenvolvimento humano integral, as congregações religiosas, os movimentos eclesiais, os centros sociais, as organizações sociais, as instituições de ensino… A todos nos disponibilizamos para escutar e acompanhar, e para escutar a Deus que em todos nos fala. Nas palavras do Papa Francisco: “Uma Igreja sinodal é uma Igreja da escuta, ciente de que escutar «é mais do que ouvir». É uma escuta recíproca, onde cada um tem algo a aprender. Povo fiel, Colégio episcopal, Bispo de Roma: cada um à escuta dos outros; e todos à escuta do Espírito Santo, o «Espírito da verdade» (Jo 14, 17), para conhecer aquilo que Ele «diz às Igrejas» (Ap 2, 7)” (Discurso na comemoração do cinquentenário da instituição do Sínodo dos Bispos, 17/X/2015). Esperemos que os passos que estamos a dar nesta direção possam ajudar todo o povo de Deus a agir mais evangelicamente em todos os desafios e situações difíceis do tempo presente, para que de facto se vá paulatinamente cumprindo aquela palavra de Jesus que constitui o moto do nosso Dicastério: “Eu vim para que tenham vida e a tenham em abundância”.
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.