No final de agosto o país foi surpreendido com o anúncio de que no Orçamento do Estado para 2019 o governo poderia (concretizando algo que estava no seu Programa eleitoral, é certo) propôr um incentivo fiscal ao regresso de um certo tipo de emigrantes. Ainda por definir concreta e definitivamente, o que para já foi anunciado seria a dedução fiscal de despesas com a reinstalação e um desconto de 50 por cento no imposto sobre o rendimento singular (IRS) devido relativamente a 2019 e 2020, para residentes qualificados que tenham emigrado em algum momento do quinquénio que termina em 2015, e voltassem a ser residentes em 2019 ou 2020.
Vou assumir que este seria um benefício adicional ao que já existe – o “regime fiscal de residentes não habituais”, que prevê desde 2009 que a taxa de IRS de quaisquer emigrantes que voltem a ser residentes após pelo menos 5 anos no exterior será não superior a 20 por cento durante 10 anos, desde que exerçam uma atividade considerada de elevado valor e qualificada. De outra forma, estaríamos perante o absurdo de se pretender beneficiar um certo tipo de emigrantes podendo na prática agravar a sua carga fiscal (um desconto em 2 anos poderia ser menor do que um desconto, ainda que menor, em 10 anos), e de se estar a prejudicar os restantes emigrantes (pois quem não tivesse emigrado nesta recente crise deixaria de ter incentivos ao regresso). Seja como for, a forma vaga como esta proposta foi anunciada sugere que o governo não pensou ainda bem na sua implementação e implicações.
Justifica-se este benefício fiscal adicional: é necessário? Seria eficaz? Seria justo?
Cada emigrante leva consigo um capital humano que é o resultado de muitos recursos nele investidos pela sociedade, muito frequentemente de forma directa pelos contribuintes – por exemplo, se beneficiou de propinas reduzidas numa escola pública; e leva consigo uma capacidade de criação de riqueza que vai ser posta ao serviço de outra economia, reduzindo a capacidade da nossa economia crescer. Entre 2008 e 2016 cerca de 340.000 pessoas deixaram de residir em Portugal e cerca de 220.000 tornaram-se residentes, ocorrendo portanto uma perda líquida de cerca de 120.000 pessoas. Considerando apenas cidadãos portugueses, cerca de 320.000 emigraram e cerca de 120.000 regressaram, pelo que a saída líquida foi ainda mais pronunciada: 200.000 cidadãos, cerca de 4 por cento do número de empregados em Portugal em 2016. Em 1999-2007, pelo contrário, tinha-se registado uma entrada líquida de 313.000 pessoas na economia portuguesa. A saída de 2008-2016 foi sobretudo de profissionais qualificados, enquanto a entrada de 1999-2007 foi sobretudo de profissionais menos qualificados. Em 2008-2016 houve, portanto, uma enorme perda de capital humano, empobrecedora da nossa sociedade e economia. Poder-se-ia argumentar que é necessário combater esta perda de recursos. Mas é evidente que qualquer medida de atracção dos emigrantes de 2011-2015 é parcelar e portanto muito injusta: bem antes de 2011 (e 2008 é uma data de início conservadora, pois Portugal não cresce, na prática, desde 2000) a economia portuguesa estava sem capacidade de dar emprego a muitos dos profissionais qualificados que foi formando, pelo menos com níveis remuneratórios compatíveis com as suas aspirações.
A minha resposta à primeira questão é, portanto, que são necessárias medidas que atraiam de volta os portugueses qualificados que emigraram pelo menos nos últimos 10 anos, senão nos últimos 18 anos – não os que o fizeram à volta de 2015.
A minha resposta à primeira questão é, portanto, que são necessárias medidas que atraiam de volta os portugueses qualificados que emigraram pelo menos nos últimos 10 anos, senão nos últimos 18 anos – não os que o fizeram à volta de 2015.
Emigrar é uma das decisões económicas com determinantes mais vastas e complexas, e certamente uma das mais custosas. A generalidade das pessoas hesita muito antes de emigrar, pois percebe o sofrimento individual e familiar dessa decisão. Daí os estudos serem unânimes: só emigra quem não consegue de todo um emprego ou apenas consegue com um salário que considera muito abaixo do limiar que corresponde às suas qualificações e ao nível de vida a que a sua família está habituada. Que empregos e salários tem Portugal para oferecer aos portugueses qualificados que emigraram desde 2008 (ou desde 2000)? Seguramente não os suficientes para atrair de volta a esmagadora maioria desses emigrantes, porque a economia portuguesa não está assim tão estruturalmente diferente do que era quando aquelas decisões de emigrar foram tomadas. Há sectores mais dinâmicos, sim, mas são relativamente marginais e a maior parte não consegue oferecer salários concorrentes com os salários (reais e líquidos de impostos) que os nossos jovens qualificados obtêm nos países em que residem. De que adianta baixar a taxa de imposto se não se oferece emprego e rendimento, ou pelo menos rendimento tributável comparável? As contas dependem de cada caso concreto, mas conheço muitos casos em que não haveria redução de IRS que justificasse o regresso, por muito generosa e prolongada que fosse.
Daí os estudos serem unânimes: só emigra quem não consegue de todo um emprego ou apenas consegue com um salário que considera muito abaixo do limiar que corresponde às suas qualificações e ao nível de vida a que a sua família está habituada.
A minha resposta à segunda questão é, assim, que medidas fiscais parciais, temporárias e dirigidas à população emigrante não seriam eficazes. Eficaz seria, em termos fiscais, reduzir drasticamente o imposto sobre as empresas (IRC) para dinamizar o empreendedorismo e a criação de empregos; e em termos não fiscais, reduzir os custos de contexto da atividade empresarial: diminuir a burocracia, aumentar a eficácia do sistema judicial, diminuir o preço final da energia, telecomunicações e transportes… Eficaz seria reduzir o IRS para todos os cidadãos residentes (sem prejuízo de manter o regime fiscal de residentes não habituais) de forma a incentivar a oferta de trabalho para patamares de salários brutos mais baixos, mais compatíveis com a competitividade global da nossa economia.
O que é necessário, eficaz e justo – e portanto se justifica – é atuar sobre as causas do problema: promover medidas estruturais que dinamizem a economia no seu todo e assim induzam a fixação dos ativos no país e, talvez, façam regressar alguns emigrantes.
Finalmente a terceira questão: seria justo? Penso que não. Primeiro, qualquer medida que incida sobre tipos muito particulares de agentes – neste caso, quem tivesse emigrado num período muito restrito e regressado noutro ainda mais; e quem tenha profissões classificáveis como de elevado valor e qualificadas – são fortemente discriminatórias: o que dizer a quem fica na margem, a quem por pouco não cumpre os critérios? Segundo, qualquer medida de intervenção estatal dá poder decisório a burocratas e nunca é inteiramente blindável à corrupção e fraude – por exemplo, na definição da elegibilidade em cada caso. Terceiro, o que dizer aos cidadãos portugueses que não emigraram e, em muitos casos, aceitaram ver o seu poder de compra diminuído? O que dizer a quem contribuiu para o ajustamento económico-financeiro do país, suportando a enorme carga fiscal que nos anos recentes tem sido exigida à população portuguesa (a mais elevada da democracia, convém não esquecer)?
O que é necessário, eficaz e justo – e portanto se justifica – é atuar sobre as causas do problema: promover medidas estruturais que dinamizem a economia no seu todo e assim induzam a fixação dos ativos no país e, talvez, façam regressar alguns emigrantes.
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.