Justiça e paz vs. terror

Quando um ataque terrorista ceifa vidas inocentes e é preciso fazer justiça, coloca-se a questão: que justiça? A justiça da vingança ou a justiça da paz?

Recentemente, no dia 11 de março, foi assinalado o Dia Europeu das Vítimas de Terrorismo, em memória dos atentados bombistas cometidos em Madrid, a 11 de março de 2004, nos quais perderam a vida 193 pessoas e milhares ficaram feridas. Poucos dias depois, recebemos a triste notícia do atentado em duas mesquitas, na pacata Christchurch na Nova Zelândia, em que 49 pessoas morreram e 48 ficaram feridas. E sempre que se dá mais um ataque e faz as suas vítimas, uma nova ferida se abre no coração de uma comunidade que, como sabemos, cada vez mais é global. É preciso fazer justiça, mas coloca-se a questão: que justiça? A justiça da vingança ou a justiça da paz?

Na Nova Zelândia, os ataques foram perpetrados por um supremacista branco que referiu ter decidido atacar neste país para mostrar que também nas áreas mais remotas do mundo existem imigrações em massa.  Referiu ainda que pretendia vingar os atentados terroristas na Europa. Mas a Lei de Talião, “olho por olho, dente por dente”,  apenas perpetua o ciclo da violência. A justiça da vingança faz novas vítimas, alimenta o ódio e o desejo de mais vingança.

Se procuramos justiça para todas as vítimas de terrorismo, o caminho terá que ser muito diferente do horror por que passaram. Na Europa tem-se feito um trabalho notável, ainda desconhecido por muitos europeus, de combate e prevenção do terrorismo e de educação para a paz. Atualmente, a UE tem um enquadramento jurídico sólido para combater o terrorismo e para apoiar e proteger as suas vítimas. O apoio e direitos que lhes assistem encontram-se igualmente no cerne dos esforços envidados pela Rede de Sensibilização para a Radicalização. Esta rede tem feito também uma forte aposta na Prevenção.

Tive o privilégio de escutar, no passado dia 11 de março, o testemunho incrível de Dominique Bons, mãe francesa que perdeu o filho e o enteado na guerra da Síria, após ambos terem sido radicalizados e combatido pelo Estado Islâmico. A dor da perda não se converteu em ódio, mas antes na determinação de que é necessário combater o ódio e educar para a paz, prevenindo o extremismo violento. Agora Dominique desenvolve diversas ações nas escolas, falando com crianças e jovens no sentido de sensibilizar e alertar para os riscos do ódio e da radicalização.

Nestes discursos, com narrativas de ódio, é frequente a associação entre migrantes e terrorismo. Tendo os migrantes um direito de participação política quase nulo são o bode expiatório perfeito de todos os males da sociedade.

Também um casal britânico Colin e Wendy Parry, que perdeu o filho de doze anos de idade num atentado terrorista do IRA, no qual morreu ainda um menino de três anos, fundou uma organização com o nome das crianças, a “Tim Parry – Johnathan Ball Peace Foundation”, onde desenvolve um trabalho ativo na promoção da paz e no combate à radicalização. Trata-se de um trabalho complexo, a diferentes níveis: cuidar das vítimas dos ataques terroristas, transformando vítimas traumatizadas em sobreviventes resilientes; aceitar que o conflito é inevitável mas a violência não, para resolver conflitos não é necessária a violência; educação para a paz nas escolas e em comunidades, advocacy para a paz; testemunhos de terroristas levados à justiça e condenados, posteriormente arrependidos, que se tornam eles próprios em promotores da paz. Quebrar o ciclo da violência é possível. Há muito trabalho que está a ser feito, mas muito mais ainda por fazer.

Neste combate, a religião e a espiritualidade têm um papel fundamental. No recente documento sobre a fraternidade humana, assinado há pouco mais de um mês nos Emirados Árabes Unidos pelo Papa e o Grande Imã de Al-Azhar, destaca-se a importância “do despertar do sentido religioso” especialmente nos jovens “a fim de enfrentar as tendências individualistas, egoístas e conflituosas, o radicalismo e fundamentalismo em todas as suas formas e manifestações”. Os dois líderes religiosos evidenciam também que “a proteção dos lugares de culto, templos, igrejas e mesquitas, é um dever garantido pelas religiões, pelos valores humanos, pelas leis e convenções internacionais”.

Aproximam-se a passos largos as eleições europeias, que neste ano são particularmente importantes. Na Europa temos assistido a um expressivo avanço de partidos populistas, com discursos racistas e xenófobos.

Nestes discursos, com narrativas de ódio, é frequente a associação entre migrantes e terrorismo. Tendo os migrantes um direito de participação política quase nulo são o bode expiatório perfeito de todos os males da sociedade. No caso dos refugiados – que fogem eles próprios da violência e também frequentemente do terrorismo -, é particularmente absurda esta associação, confundindo a vítima com o agressor. Também em relação aos imigrantes, que constituem um importante factor de desenvolvimento económico numa Europa envelhecida, este discurso não faz qualquer sentido.

Considerando a ameaça que as narrativas de ódio constituem, diversas organizações que defendem os direitos humanos, incluindo o Jesuit Refugee Service (JRS), estão a apoiar campanhas no sentido de incentivar o voto. Em primeiro lugar é importante votar, dado as elevadas taxas de abstenção na Europa (os extremistas não se irão abster).  Em segundo lugar, é importante um voto informado e consciente, um voto pelos nossos valores europeus, no compromisso com a defesa dos Direitos Humanos, fazendo jus ao lema da UE “Unidade na Diversidade”.

Os extremismos de todos os quadrantes estão muito ativos nas redes sociais, onde promovem notícias falsas e recrutam seguidores. As feridas abertas com ataques terroristas e o apelo a uma justiça de vingança são um risco real à paz que todos desejamos.

 

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.