Sempre gostei de janelas. Ajudam a focar o olhar, devolvem-nos uma finalidade enquanto vagueamos. Deixam entrar a luz, permitem o arejar. Ajudam a parar, a ganhar perspetiva e distância, a ver antes de agir. Ajudam-nos a situar no lugar certo, a ver mais longe, a reparar e admirar tudo o que nos rodeia, levando-nos a um espanto agradecido que nos faz sentir pequenos, sentir parte, maravilhados e por isso abertos e disponíveis – a acolher, a receber, a fazer, em gratuidade. As janelas alimentam a esperança na vida e o desejo de agir, de tomar parte, cuidar, partilhar. Também nos tornam mais expostos e vulneráveis. Este verão tive a oportunidade de estar à janela de um outro lado desta nossa Casa Comum, experiência que me levou ao que escrevo. Explorando o significado da expressão “janela de oportunidade”, encontro período favorável para a concretização ou para a realização de algo. Talvez esta reflexão possa ajudar a abrir janelas de realização neste Mês em que o Papa Francisco, em conjunto com outras Igrejas, nos desafia à oração e ação pelo cuidado da Criação.
Cheguei recentemente do sul das Filipinas, onde passei 10 dias em Bendum, uma aldeia da comunidade indígena Pulangiyen na ilha de Mindanao, a 50 km da cidade de Malabalay. Depois de uma viagem de vinte e quatro horas com escala em Amesterdão e Cantão, cheguei a Manila, partindo na madrugada para Mindanao. Depois de uma hora de voo, seguiram-se mais três de carro atravessando águas, vales e montes, por trilhos que garantem a passagem onde acabam as estradas (e acabaram cedo…). Chegámos finalmente a Bendum. A imponência e diversidade das árvores, a beleza, a força e ao mesmo tempo a fragilidade do Lugar, a integração que se sente entre a Terra e as Pessoas, puseram-me desde logo à janela.
Anualmente, em média, 20 tufões e tempestades atingem as Filipinas, fazendo com que o arquipélago, regularmente atingido por sismos, seja um dos países mais exposto a desastres naturais (como aconteceu há poucos dias). Os mais pobres e vulneráveis são os que menos contribuem para os desequilíbrios ambientais e, no entanto, são os que mais sofrem com estes desastres naturais. Na região da Ásia Pacífico há 85 milhões de jovens em situação de extrema pobreza, pelo que a liderança dos jovens nos processos de conversão ecológica é apontada como crucial no contexto dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. Em Bendum, cerca de 200 crianças e jovens frequentam o Apu Palamguwan Cultural Education Center, com um modelo educativo que tem na base a cultura. Foi marcante testemunhar a forma orgulhosa como conhecem e cuidam da terra, a partir da sua cultura, ao mesmo tempo que se mobilizam para a greve climática, em ligação com o mundo.
As janelas de Bendum ajudaram-me a ajustar o olhar, a entrar nesta relação que é suporte da fraternidade e da justiça. Levaram-me a regressar com desejo de amar e cuidar a minha realidade
Nunca tinha estado na Ásia. Foi muito bom e importante conhecer este desconhecido lá longe, de paisagens tão diferentes, de grandeza imponente. Foi muito bom poder olhar para o mapa mundo na revista do avião e ter a Europa na periferia. Foi muito bom ter de simplificar linguagem, não apenas pelos meus escassos recursos no inglês, mas pela diversidade religiosa que exige a simplicidade espiritual purificadora. Vim de muito longe e de contexto muito diferente, mas desde o primeiro momento me senti em casa, não apenas porque, como na Casa Velha, a casa tem uma varanda reparadora com vista para os montes; não apenas por causa do acolhimento fraterno e atento; não apenas por causa das simples janelas “recortadas” nas paredes de madeira, que me faziam alargar o olhar e agradecer estar ali, não apenas… mas também. As 8 horas de diferença com Portugal fizeram-me sentir a Casa Comum como uma grande nora a girar, puxando e transportando água, fonte de vida, sempre a circular, ligando Ocidente e Oriente.
O que me levou a Bendum foi a colaboração na terceira edição do workshop “Espiritualidade para a Ação”, promovido pela Conferência dos Jesuítas da Ásia Pacífico (JCAP) no contexto da Encíclica Laudato Si. Este intercâmbio surge a partir da visita de Pedro Walpole sj ao nosso país em fevereiro passado, logo após a apresentação das preferências apostólicas universais (PA) assumidas pela Companhia de Jesus para os próximos 10 anos. Este mapa comum estreitou a consciência do valor da relação entre estas duas casas, com missões que se tocam.
O tema do workshop era “Discernimento, Profundidade, Ação e Missão”, tendo então como enquadramento duas grandes janelas de concretização de mudanças e transformação: as PA e os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas. A casa Balai Laudato Si acolheu os 27 participantes, a maioria jovens, de diferentes contextos e áreas na Ásia-Pacífico. Alguns deles vinham de organizações da sociedade civil, em busca de poder dar um outro horizonte ao seu trabalho. O contexto indígena de Bendum garantiu a composição do lugar, permitindo que a oportunidade de estar juntos se desencadeasse não como um tempo sôfrego de eficiência, de procura de respostas, de planeamento, mas como um processo progressivo de contemplação, escuta, tomada de consciência sobre a realidade que nos acolhia, em constante relação com a realidade de cada um, assente em diferentes ciclos de discernimento. Mais do que fazer outras coisas, a grande questão foi: porque fazemos o que fazemos e como? O mapa espiritual que seguimos, permitiu enraizar a missão de cada um e o que já faz, na conversão pessoal e na consciência agradecida de ser parte de uma História maior, parte da Criação.
Voltando à pergunta inicial, sim, apesar de todo o esforço ambiental e financeiro, vale a pena ponderar o valor do encontro e encontrarmo-nos quando possível, porque só assim pode haver uma relação, para lá da comunicação, das redes. Só assim descobrimos cada vez mais quem somos e a que somos chamados neste mundo, pessoal e coletivamente. Já não perdemos tanto tempo em argumentações. Pelo contrário, vamos crescendo num entendimento e convicção cósmicas da realidade, enraizadas na relação e comunhão, que estão para lá da comunicação. Hoje em dia comunicamos muito, muitas vezes até de mais, mas relacionamo-nos pouco.
As janelas de Bendum ajudaram-me a ajustar o olhar, a entrar nesta relação que é suporte da fraternidade e da justiça. Levaram-me a regressar com desejo de amar e cuidar a minha realidade, integralmente, até as partes que não gosto ou de que não me sinto capaz, o que se torna possível se nos ajustarmos no projeto base do Amor de Deus. Muitas vezes perdemo-nos a querer salvar o mundo com os “nossos projetos” e acabamos por nos frustrar, desistir. Somos um humilde e precioso contributo para este maravilhoso plano. O projeto não é nosso. Serei portador de justiça e paz na medida em que, com este sentido de pertença, colaboro neste projeto de Amor, para o qual fomos criados, cuidando bem da realidade que me toca.
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.