Emergência climática e migrações – Que futuro?

Começa hoje uma nova cimeira do clima, a COP25, em Madrid. É preciso fazer mais e melhor.

No último sábado, 30, após mais uma greve climática que levou milhares de pessoas às ruas em todo o mundo, ironicamente no mesmo dia do Black Friday, e a dois dias da COP 25, realizou-se na Fundação Calouste Gulbenkian a Conferência Internacional “Refugiados Climáticos – Que Futuro?”. Este fórum, foi realizado no âmbito do Projeto No Border, dedicado à inclusão de refugiados na cidade de Lisboa e reuniu cientistas e especialista em migrações, organizações não governamentais e decisores políticos. O Diretor-Geral da Organização Internacional das Migrações, António Vitorino, gravou uma mensagem vídeo para este evento onde valorizou os avanços que têm sido alcançados, em particular desde o ano passado com a assinatura do Pacto Global para as Migrações, mas encorajou os países a fazer mais e melhor.

A Conferência lançou aos participantes uma pergunta, que é também uma inquietação: Que futuro? Que desafios enfrentamos e como os podemos ultrapassar num mundo onde a emergência climática é já uma realidade com implicações críticas na mobilidade humana. Fenómenos de evolução lenta, tais como a erosão costeira relacionada com a elevação do nível do mar e secas prolongadas, intervaladas com chuvas intensas, a par de fenómenos naturais com um elevado poder de devastação (como os ciclones Idai e Kenneth em Moçambique), atingem cada vez mais frequentemente países e territórios. Mas a ameaça é global e afeta-nos a todos, colocando também muitos ecossistemas e a biodiversidade em risco.

Mas, porque falamos afinal em emergência climática? De acordo com os dados apresentados pelo Professor Carlos Antunes da Faculdade de Ciências de Lisboa:

  • Porque o CO2 na atmosfera está a aumentar 500 vezes mais rápido do que no ciclo interglacial (25 ppm/década em vez de 5 ppm/milénio);
  • Porque a temperatura média global está a aumentar 40 vezes mais rápido do que no ciclo interglacial (0.25ªC/década em vez de 0.5ºC/milénio);
  • Porque a subida do nível médio do mar está a acelerar e poderá atingir a taxa de 2-3 metros em 2100, devido à aceleração do degelo na Antártida e na Gronelândia, continuando a subir nos séculos seguintes.

Apesar da situação de emergência, ainda é possível agir em conjunto para reduzir o impacto da ação humana. Mas, de acordo com o Programa das Nações Unidas para o Ambiente, para se conseguir atingir o objetivo de manter o aumento de temperatura abaixo dos 1,5 graus Celsius, teremos que ser muito ambiciosos. Até 2030 o mundo tem de reduzir anualmente 7,6% das suas emissões de gases de estufa.

Enquanto isso, as alterações climáticas já atingem milhões de pessoas, forçando-as a sair das suas casas, sendo o número de deslocados por razões climáticas superior ao número de deslocados por perseguição ou conflitos armados. Apesar de as alterações do clima afetarem essencialmente pessoas em países mais pobres e menos resilientes, na Ásia e em África, têm impacto a nível global.

Em Portugal, há muitas regiões costeiras que estão em risco, prevendo-se a inundação de diversas localidades ao longo da costa, para mais breve do que poderíamos esperar, afetando as populações que aí residem. A este respeito, alguns especialistas aconselham a retirada das pessoas das áreas costeiras afetadas ou invés de as manter e proteger, o que é mais arriscado e dispendioso.

Este combate pressupõe coragem, determinação e mudanças no estilo de vida, que muitos não estão ainda preparados a adotar.

Na verdade, a maioria das pessoas desloca-se internamente para outras regiões no seu próprio país. Mas, em situações mais graves, atravessam as fronteiras para os países vizinhos. De entre aqueles que fogem de países pobres apenas uma pequenas percentagem chega aos países ocidentais. Estas pessoas forçadas a deslocar-se têm necessidades de proteção semelhantes às dos refugiados protegidos pelo direito internacional (os refugiados individualmente perseguidos e os refugiados de guerra), tais como acesso a bens essenciais, saúde, educação, trabalho, reagrupamento familiar. Porém, a proteção destes deslocados continua ainda a depender (demasiadamente) da ética e boa vontade dos países vizinhos ou de acolhimento, deixando-os expostas a todo o tipo de riscos e exploração (sexual, laboral, trafico). O desaparecimento de países que estão a submergir no pacífico (Maldivas, Kiribati e Tuvalu) poderá gerar no futuro um número incalculável de apátridas. Que proteção e estatuto terão? Estas e outras questões merecem reflexão aprofundada. Já existem ferramentas que podem e estão a ser usadas por alguns países a nível nacional  e regional enquanto se vai fazendo caminho, a nível global, sobre esta problemática. Embora as negociações sejam lentas e difíceis, particularmente no contexto político atual com a emergência de partidos com um discurso xenófobo em vários países.

Mas não nos podemos esquecer que qualquer pessoa pode tornar-se subitamente num deslocado interno ou refugiado. Pelo que todos os avanços na proteção destas pessoas não apenas são desejáveis como muito necessários. Assim, na sequência da realização da Conferência deste sábado, serão elaboradas recomendações a decisores políticos com contributos de diversas partes interessadas. O trabalho em rede e em parceria é fundamental para que haja avanços, sem esquecer as causas.

Em 2018, os desastres naturais representaram prejuízos para a economia mundial de mais de 300 mil milhões de dólares, para além da perda de vidas humanas. Mas face à inação de muitos países ricos perante a atual emergência (os membros do G20 coletivamente são responsáveis por 78% da emissão de gases de efeito estufa) fica a percepção de que se está antes a optar por ir atrás do prejuízo ao invés de apostar na mitigação e combate às causas do problema. Este combate pressupõe coragem, determinação e mudanças no estilo de vida, que muitos não estão ainda preparados a adotar. Mas não é possível continuar nesta estratégia de negação, de medo e de muros, pensando em construir diques para conter a água do mar e fortalezas para conter os migrantes. É urgente também quebrar o dogma de que não existem alternativas ao modelo económico vigente. Pois “esta economia mata”, o planeta e os seus habitantes.

Sempre atento aos sinais dos tempos, o Papa Francisco convocou para março do próximo ano um encontro mundial com jovens economistas de boa vontade, sob o tema “A economia de Francisco”. Este encontro é inspirado em S. Francisco de Assis e procura um novo modelo de desenvolvimento, mais justo e sustentável, focando no bem comum e sem deixar ninguém de fora.

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.