Na minha terra é frequente ouvir expressões como “pesar a febre”, “pesar a tensão”, uma forma de aferir desequilíbrios e medir os seus impactos. Tenho andado às voltas com o Tempo, tempos de relação, os ritmos, os espaços criativos e transformadores que se geram se lhes dermos tempo, algo tão simples e no entanto tão difícil de conseguir. Isto levou-me à questão do clima, em relevo neste mês. Dezembro é um mês em que “pesamos o tempo e o clima”. Tempo mais pesado de dias curtos e frios, tempo em que a natureza abranda o seu ritmo. Para quem trabalha a terra, é tempo de recolhimento, de espera, de conservação de ferramentas, madeiras, de tudo o que no resto do ano não há tempo para cuidar. É também tempo de balanços e de planear novas sementeiras e tempo de simplesmente estar à lareira, a partilhar o silêncio entrecortado pelo barulho suave de alguma manualidade e conversas, que normalmente avivam memórias.
Este ritmo profundo sustenta e amortece outros ritmos, mais acelerados e desligados, numa realidade onde fomos ampliando a natureza e potenciando tudo o que nos dá. Esta ampliação trouxe e traz muitas coisas boas, mas comporta cada vez mais o grande desafio do bom uso que damos a este poder (cientifico, tecnológico). As acentuadas e crescentes desigualdades sociais revelam que em vez de ampliar a Casa, a estamos esticar e, de muitas formas, a quebrar. Para alimentar uma produção e consumo crescentes, estica-se a capacidade da própria natureza, os tempos de trabalho e os equilíbrios trabalho–família, com todas as consequências pessoais, sociais e ambientais que daí advêm. Seja qual for o tempo, tudo parece ser possível, numa relação frágil entre o bom e o ir para lá dos limites. Vivemos por isso no tempo da adaptação e mitigação das alterações climáticas. Viveremos este tempo como adaptação dos nossos estilos de vida individuais e coletivos, como um tempo de nos ajustarmos como Humanidade?
As acentuadas e crescentes desigualdades sociais revelam que em vez de ampliar a Casa, a estamos esticar e, de muitas formas, a quebrar.
Dezembro é o mês onde normalmente “pesamos o Clima”, com a Cimeira do Clima das Nações Unidas. Inicialmente planeada para o Chile, a COP25 está a decorrer em Madrid entre 2 e 13 de dezembro. A instabilidade social e política naquele país assim o ditou. Uma instabilidade que marca diferentes pontos do planeta. “Exorto todas as partes a ultrapassarem as suas atuais divisões e a encontrarem um entendimento comum sobre a questão da luta contra as alterações climáticas.” O brado de António Guterres, Secretário Geral das Nações Unidas na sessão de abertura da Cimeira faz ressoar a voz do profeta Isaías, ao enfrentar as tensões políticas e militares em Israel no século VII antes de Cristo. Isaías está efetivamente presente no complexo da sede das Nações Unidas em Nova Iorque. Nos jardins do edifício deparamo-nos com o “Muro de Isaías”, no qual se encontra a seguinte passagem: “Ele julgará as nações e dará as suas leis a muitos povos, os quais transformarão as suas espadas em relhas de arados, e as suas lanças, em foices. Uma nação não levantará a espada contra outra, e não se adestrarão mais para a guerra.” (Is 2, 4)
Voltamos de novo à Terra, casa para todos, que nos sustenta, que somos convidados a trabalhar, a cuidar juntos, com justiça e fidelidade. Se formos ao Borda d’água, antigo almanaque agrícola português ainda hoje publicado, poderemos ver que trabalhos devemos fazer lá fora, nas hortas, jardins, acompanhando as fases da lua, as marés, as romarias. Neste tempo marcado pelo encontro das nações e também pela espera de Jesus que vem silenciosamente ao nosso encontro, pensava no justo equilíbrio das nossas ações. Sabemos que é tempo de agir e que não há tempo a perder, e no entanto, ao mesmo tempo, temos de aprender a parar para acompanhar, estar, ouvir…e depois tentar caminhar uns com os outros.
Ficam então quatro trabalhos mais interiores que podem ajudar a pesar o valor da vida partilhada e a lavrar esta terra para a colheita da Paz e da Justiça, em jeito de compassos de espera que nos mantêm fielmente ligados e interdependentes.
Silenciar – que os dias curtos e invernosos nos inspirem a viver e reservar no nosso dia a dia tempos de maior recolhimento, que permitem uma maior atenção ao que nos rodeia e ao que se passa em nós mesmos. O silêncio concentra o coração e permite uma abertura e disponibilidade enraizadas na memória e na leitura mais discernida da realidade. Permite o deixarmo-nos tocar pelas brisas suaves, pelo canto dos pássaros, pelos que passam despercebidos, permite-nos ouvir os silenciados.
Esperar – Vivemos tempos em que não há tempo para nada, numa tensão constante em gerar resultados rapidamente, matando os processos de maturação e de colaboração. A espera, vista muitas vezes como algo negativo, pode ser a janela para escavar mais fundo a missão a que somos chamados, crescendo juntos. Bem diz o provérbio africano: Se queres ir rápido vai sozinho, se queres ir longe vai acompanhado. E o ir acompanhado pressupõe compassos de espera, de escuta, de partilha, de discernimento. Pressupõe o gozo de cada passo do caminho, mesmo sem saber onde nos leva. Pressupõe ter já semeado algo, já ter arriscado e lançado a semente à terra. O que sinto a maturar de acerto comigo mesmo e com o mundo?
Agradecer – Agradecer as pequenas coisas de cada dia, as pessoas, as relações. Agradecer o tempo presente como um presente. Agradecer põe-nos no lugar certo, como recetores do Bem e da Bondade. Faz-nos olhar pela positiva para a vida, acontecimentos, imprevistos, abertos ao que venha. O que agradeço neste tempo, na minha vida, no mundo?
Encontrar – Ao longo do ano as nossas agendas estão sobrecarregadas de reuniões, mas serão poucos os momentos de verdadeiro encontro uns com os outros. Que neste tempo possamos dar tempo aos nossos encontros, tempo para escutar, para reagir, para maturar, para procurar e encontrar juntos equilíbrios, ajustes, mudanças necessárias. Tempo para celebrar.
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.