Em busca da excelência humana

A proposta pedagógica inaciana, que nasce da Fé, é profundamente humana e, por isso, é universal, permitindo aos alunos ir construindo o seu caminho e o seu sentido de vida.

Sem pessimismos catastrofistas, pensar a educação implica reconhecer que a sociedade atual é consumista, materialista, competitiva, valoriza a eficiência, a produtividade, a rapidez e a capacidade de desdobramento na realização de múltiplas atividades. Para responder a estas exigências, as escolas procuram formar alunos competentes, capazes de obter sucesso em provas de acesso ao ensino superior, a partir das quais os alunos são seriados, assim como são seriadas as escolas, nos já habituais rankings. Este sistema propicia, muitas vezes, uma aprendizagem em que a competência é entendida pelos jovens como uma forma de se servirem a si mesmos, servindo-se dos outros e não servindo os outros. Esta escola formará excelentes alunos, do ponto de vista académico, mas não conduz à excelência humana. O cardeal D. Tolentino Mendonça, numa reflexão sobre o que confere grandeza à nossa vida, deixa-nos algumas questões: «[…] numa época que nos obriga a viver em vertigem e cada vez com menos tempo, não parecemos todos uma população de liliputianos à maneira das personagens de Gulliver? Sem disponibilidade para o gratuito, sem a valorização da contemplação, sem oportunidade para o assombro que escancara a vida ou para o deslumbre que é o seu deleite, que altura real podemos medir?» [1].

Este sistema propicia, muitas vezes, uma aprendizagem em que a competência é entendida pelos jovens como uma forma de se servirem a si mesmos, servindo-se dos outros e não servindo os outros.

A limitação que decorre da primazia dos números e das médias, que promove o utilitarismo e reduz o nosso olhar, apequenando a dimensão da vida e esvaziando-a de sentido, poderá ser contrariada através da oferta de projetos educativos, por parte das escolas, que potenciem o crescimento integral dos alunos, tornando-os pessoas com capacidade de construir um projeto de vida para os outros e com os outros. A educação jesuíta concebe a formação dos jovens a partir do modelo de Cristo, procurando o desenvolvimento de cada um nas dimensões pessoal, social e religiosa. Os colégios da Companhia de Jesus propõem projetos educativos que visam atingir a excelência humana, complementando a competência – que é, sobretudo, objeto de trabalho específico nas diversas áreas curriculares – com a necessidade de formar alunos conscientes, compassivos e comprometidos. Numa escola que tem uma orientação evangelizadora, estas dimensões da pessoa humana são uma preocupação de todos os educadores, mas tornam-se o objetivo primordial do trabalho realizado com os alunos na disciplina de Formação Humana. No Colégio de São João de Brito, os alunos encontram nesta disciplina um tempo semanal de interação com o professor titular ou responsável de turma (diretor de turma), em que é implementado um programa que acompanha os alunos desde o Jardim de Infância (três anos) até ao 12.º ano. Tendo por base as virtudes cristãs – Fé, Esperança, Caridade, Prudência, Justiça, Força e Temperança – e a espiritualidade inaciana, definiu-se como estruturante deste programa o modelo das vinte e quatro forças humanas do carácter [2] criado por Christopher Peterson e Martin Seligman [3], no âmbito da Psicologia Positiva. Em cada ano de escolaridade, são aprofundadas de entre três a sete forças humanas do carácter através de atividades que seguem o Paradigma Pedagógico Inaciano, proporcionando aos alunos uma experiência que conduz à reflexão e à ação. As aulas de Formação Humana integram conteúdos do Programa de Cidadania e Desenvolvimento (visando a promoção do Perfil do Aluno à Saída da Escolaridade Obrigatória), atividades de Educação na Interioridade e de Orientação Vocacional, assim como contributos da Pastoral e projetos de intervenção social implementados em colaboração com o Serviço Social e de Voluntariado. Pretende-se ajudar os alunos a aprofundar o conhecimento de si mesmos e da sociedade, filtrando a realidade com o olhar de Cristo, para reconhecerem a bondade e a beleza da criação e das pessoas, mas igualmente a existência de dor e injustiça. Tornando-se, deste modo, mais conscientes, os jovens são mais capazes de discernir sobre as implicações éticas das suas decisões. Além disso, para que a consciência dos alunos se converta em ações comprometidas com uma mudança efetiva da realidade, os educadores que lecionam a disciplina de Formação Humana criam oportunidades que favorecem a abertura ao sofrimento dos outros, gerando pessoas mais compassivas e solidárias, capazes de se empenharem, com integridade e sentido de compromisso, na construção de um projeto de vida em que ponham em ação as suas forças, intervindo no âmbito da ecologia e da justiça social [4].

A limitação que decorre da primazia dos números e das médias, que promove o utilitarismo e reduz o nosso olhar, apequenando a dimensão da vida e esvaziando-a de sentido, poderá ser contrariada através da oferta de projetos educativos, por parte das escolas, que potenciem o crescimento integral dos alunos, tornando-os pessoas com capacidade de construir um projeto de vida para os outros e com os outros. A educação jesuíta concebe a formação dos jovens a partir do modelo de Cristo, procurando o desenvolvimento de cada um nas dimensões pessoal, social e religiosa.

Por ter como meta um propósito contrário ao que predomina na sociedade egocêntrica em que vivemos, não basta a perceção dos educadores para validar o trabalho que tem sido concretizado no Colégio de São João de Brito. Tornou-se necessário ouvir os alunos, auscultar a sua perceção sobre o modo como a Formação Humana tem influenciado o seu crescimento pessoal, as suas atitudes e os seus comportamentos. Assim, num estudo realizado com uma amostra de 300 alunos, com idades compreendidas entre os 12 e os 18 anos, em dois anos letivos consecutivos (2022-23 e 2023-24), os resultados revelaram que, segundo a perceção da maioria dos jovens (mais de 50% dos inquiridos), as atividades de Formação Humana têm um impacto de médio a elevado no desenvolvimento da excelência humana. O questionário é constituído por 28 itens, sendo cada uma das dimensões avaliada por sete itens [5]. Correspondendo às expectativas, a dimensão relativa à competência é avaliada como aquela em que a Formação Humana tem um menor impacto, o que poderá decorrer de os alunos associarem mais diretamente alguns dos indicadores expressos nos itens a outras disciplinas do currículo, enquanto a disciplina de Formação Humana privilegiará as dimensões da consciência, da compaixão e do compromisso. No entanto, os alunos consideraram que esta disciplina contribuía para incrementar as suas competências de cooperação, colaboração e liderança (integradas no domínio da “competência”), o que será justificado pela transversalidade do trabalho em grupo e ainda pela relevância da força humana do carácter “Trabalho de equipa” no programa de Formação Humana. Os alunos destacam, portanto, o impacto positivo desta disciplina na aquisição de soft skills imprescindíveis nas relações interpessoais, permitindo-lhes ter comportamentos ajustados a contextos de partilha, com interações responsáveis e empáticas, colocando as suas competências ao serviço de um objetivo comum.

Assim, num estudo realizado com uma amostra de 300 alunos, com idades compreendidas entre os 12 e os 18 anos, em dois anos letivos consecutivos (2022-23 e 2023-24), os resultados revelaram que, segundo a perceção da maioria dos jovens (mais de 50% dos inquiridos), as atividades de Formação Humana têm um impacto de médio a elevado no desenvolvimento da excelência humana.

No que concerne à dimensão relativa à consciência, os alunos tornaram evidente sentir a necessidade de uma intervenção mais significativa quanto à sua capacidade de gerir as próprias emoções e ações e de controlar a impulsividade. Esta perceção resultará, por um lado, das profundas transformações inerentes à etapa de crescimento dos alunos inquiridos, de que os mesmos têm consciência, o que é reforçado pelo feedback que lhes é dado por aqueles com quem interagem, especialmente os adultos. Por outro lado, a sociedade digital, rápida e competitiva em que vivemos sujeita os nossos jovens a uma hiperestimulação que dificulta o desenvolvimento de mecanismos internos de autorregulação que lhes permitiriam agir de forma mais coerente com os seus valores e crenças. Os resultados do inquérito mostram que os alunos não só identificam esta dificuldade como a reconhecem como necessidade e, portanto, como uma área que carece de uma maior intervenção por parte dos educadores. Os nossos jovens precisam de ser ajudados a encontrar um caminho de reconciliação pessoal, que pressupõe a identificação de emoções, pensamentos e afetos geradores de tensões e de conflitos interiores, a partir da aceitação da fragilidade, das incertezas e das dores de cada um.

Por outro lado, a sociedade digital, rápida e competitiva em que vivemos sujeita os nossos jovens a uma hiperestimulação que dificulta o desenvolvimento de mecanismos internos de autorregulação que lhes permitiriam agir de forma mais coerente com os seus valores e crenças.

Neste mundo globalizado e “hiperconectado”, a divulgação da informação é massificada, serve a lógica do consumo e do descartável, propiciando a ansiedade face a imagens de infalibilidade e de perfeição ou, pelo contrário, favorecendo a indiferença perante o sofrimento dos outros. Por isso, urge acompanhar os jovens no fortalecimento de um olhar empático em relação a si mesmos, em relação aos outros e ao planeta Terra, num mundo ferido pelas desigualdades e pela injustiça. Os resultados do questionário passado aos alunos do Colégio de S. João de Brito indicam que estes sentem que as aulas de Formação Humana os ajudam a ser mais empáticos, ou seja, capazes de se colocarem no lugar do outro, de sentirem com o outro que sofre, e de o compreender a partir da perceção da partilha de uma condição humana comum a todas as pessoas. Verifica-se, porém, que os alunos avaliaram como sendo menos expressivo o impacto das aulas de Formação Humana em alguns itens do questionário mais diretamente relacionados com uma visão compassiva em relação a si mesmos, o que indicia a necessidade de serem mais ajudados a cultivar uma atitude de aceitação humilde e corajosa das suas inseguranças. Assim, torna-se claro que a dimensão relativa à compaixão pode ser trabalhada na escola pelos educadores, quer com atividades de reflexão individual e de grupo quer com projetos construídos com o propósito de intervenção social e de voluntariado, levando os alunos a saírem do seu lugar e de si mesmos. Para que a compaixão não se extinga numa sensibilidade estéril, nas aulas de Formação Humana, os educadores criam condições para os alunos, progressivamente, assumirem um compromisso interior, nos seus pensamentos e decisões, que se repercuta, com coerência, nas suas ações, num nível pessoal e/ou comunitário.

Neste mundo globalizado e “hiperconectado”, a divulgação da informação é massificada, serve a lógica do consumo e do descartável, propiciando a ansiedade face a imagens de infalibilidade e de perfeição ou, pelo contrário, favorecendo a indiferença perante o sofrimento dos outros. Por isso, urge acompanhar os jovens no fortalecimento de um olhar empático em relação a si mesmos, em relação aos outros e ao planeta Terra, num mundo ferido pelas desigualdades e pela injustiça.

A proposta pedagógica inaciana, que nasce da Fé, é profundamente humana e, por isso, é universal, permitindo aos alunos ir construindo o seu caminho e o seu sentido de vida.  Nas aulas de Formação Humana, no Colégio de S. João de Brito, os jovens são acompanhados no seu crescimento para serem pessoas capazes de acolher e de promover o que é verdadeiramente humano – a liberdade e a dignidade de todos –, são educados na gratidão, para que se sintam também chamados a assumir um compromisso como agentes de mudança e reconciliação no mundo. Com todas as limitações e constrangimentos que a sociedade vigente apresenta, é na educação que reside a possibilidade de transformação. A educação dos jovens enquanto imagem da esperança num futuro mais humano é habitualmente vista como um “lugar-comum”, é certo, mas, na realidade das escolas, atropeladas pelas exigências do útil, pode ser um “lugar” menos comum que o desejável. Porém, é de educadores com esperança que precisamos, capazes de a fazer florescer nos seus alunos, orientando-os para o serviço ao outro.

 

Referências:

[1] José Tolentino Mendonça, O pequeno caminho das grandes perguntas, Lisboa, Quetzal, 2017, p. 30.
[2] Vinte e quatro forças humanas do carácter: criatividade, curiosidade, discernimento, amor do saber, tomada de perspetiva, bravura, perseverança, honestidade, entusiasmo, amor, bondade, inteligência social, trabalho de equipa, liderança, equidade, perdão, humildade, prudência, autorregulação, apreciação da beleza e da excelência, gratidão, esperança, humor e espiritualidade.
[3] Christopher Peterson e Martin Seligman. Character Strengths and Virtues. A Handbook and Classification (2004).
[4] Excelência Humana: Homens e mulheres conscientes, competentes, compassivos e comprometidos”. Secretariado de Educação da Companhia de Jesus, Roma, fevereiro 2015
[5] Por exemplo, a dimensão “competentes” foi avaliada por itens como “Ser rigoroso no que faço”; a dimensão “conscientes” foi avaliada por itens como “Saber agir de forma ponderada e equilibrada na relação com os outros”; a dimensão compassivos foi avaliada por itens como “Demonstrar sensibilidade, compreensão e empatia com aqueles que sofrem” e a dimensão comprometidos foi avaliada por itens como “Apoiar/ajudar colegas, professores (amigo/familiar) com dificuldades”.

 

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.