Ela só quer jogar e não quer falar connosco!

Muitas vezes, é o que ouvimos os pais ou familiares dizerem-nos, no que se refere ao uso de tecnologias digitais por crianças. No entanto, isto não corresponde totalmente à verdade...

Muitas vezes é o que ouvimos os pais ou familiares dizerem-nos, no que se refere ao uso de tecnologias digitais por crianças. No entanto, isto não corresponde totalmente à verdade…O que podemos, de facto, observar, de um modo geral, no que se refere à utilização de tecnologias digitais por crianças e jovens?

Muitas vezes observamos crianças que estão no supermercado, num restaurante ou noutro local público, com os pais. Estão aborrecidas porque ninguém fala com elas, e os adultos esquecem-se (inocentemente!) de que elas estão ali e de que gostam de ser incluídas. É como se estivessem sozinhas! Quando chamam a atenção dos pais para esse facto, puxando uma manga da camisola, é para dizerem “Eu estou aqui! Por favor, dá-me atenção!”. E qual é muitas vezes a resposta dos pais? Dar-lhes um telemóvel para as mãos para estarem entretidas.

Na semana passada, estive num parque público e observei uma família a caminhar lado a lado (pai, mãe e dois filhos). Todos eles iam de pescoço para baixo, a fazer alguma atividade no telemóvel. Quando as crianças são mais velhas, a situação tende a evoluir para outros patamares: as crianças isolam-se dos seus familiares, normalmente no quarto, procurando conforto nos amigos virtuais. Por sua vez, os pais estão noutro local da casa, igualmente a usar tecnologias digitais, como a televisão ou o telemóvel. Como os filhos estão sossegados, os pais esquecem-se deles, não lhes dando outra opção de entretenimento, como conversar ou dar um simples passeio na rua. Podemos ir mais longe nas consequências de deixar os adolescentes sozinhos com as tecnologias: podem assim surgir contactos com estranhos, sexting ou grooming.

Quando as crianças são mais velhas, a situação tende a evoluir para outros patamares: as crianças isolam-se dos seus familiares, normalmente no quarto, procurando conforto nos amigos virtuais.

Mas quando perguntamos aos pais a sua opinião sobre as tecnologias, a resposta mais pronta é “os miúdos não falam com ninguém, a culpa é do telemóvel!”. Atenção, pais! As tecnologias não têm culpa! Elas são apenas a ferramenta, o meio para atingirmos algo, seja uma pesquisa, seja entretenimento… e é isso que as crianças procuram: uma companhia, alguém com quem falar. Por isso, se acharem que alguma criança está a dedicar demasiado tempo à utilização digital, é porque alguma coisa não está bem.

Há pais que, ao contrário, por receio do desconhecido, normalmente da internet, proíbem a utilização de tecnologias digitais pelos filhos, pensando que os estão a proteger de contactos com estranhos, de visualização de conteúdos ou linguagem imprópria. No entanto, eles vão sempre aceder a qualquer tipo de tecnologia, por exemplo, em casa de amigos ou de outros familiares. Por isso, o ideal é estarem preparados para se defenderem e que saibam escolher os conteúdos tendo em conta a sua idade.

A investigadora britânica Sonia Livingstone tem liderado um grupo de académicos na discussão de como os Direitos das Crianças consagrados na convenção da ONU, de 1989, devem ser adaptados à era digital. Para dar resposta a este problema, a comunidade científica propõe 3 Ps: proteção, participação e provisão. As crianças têm direito a ser protegidas dos riscos existentes no mundo digital. No entanto, a proibição do acesso a esse mundo não é solução, pois entra em contradição com o direito que as crianças também têm a participar neste mundo e a beneficiar das oportunidades que ele lhes pode proporcionar. O direito à provisão soluciona este dilema, pois a melhor forma de proteger as crianças é transmitir-lhes os conhecimentos necessários e ajudá-las a desenvolver as competências precisas para tomarem boas decisões online, para saberem usar as tecnologias digitais de modo informado, consciente, responsável e crítico. Mas como é que essa provisão pode ser feita?

As crianças têm direito a ser protegidas dos riscos existentes no mundo digital. No entanto, a proibição do acesso a esse mundo não é solução, pois entra em contradição com o direito que as crianças também têm a participar neste mundo e a beneficiar das oportunidades que ele lhes pode proporcionar.

A investigação científica sobre este tema refere que as crianças mais jovens não devem usar as tecnologias sozinhas. O acompanhamento parental é crucial para, acima de tudo, poderem aprender a fazer uma utilização segura dos dispositivos. Para além disso, a co-utilização pode promover conversas entre família, como a visualização de um vídeo de uma receita, uma pesquisa sobre uma curiosidade ou uma estratégia conjunta para passar um nível de um jogo.

Outra questão que a investigação também revela é que esta utilização digital pode ser positiva para as crianças, mesmo que não tenha como objetivo a aprendizagem. Os adultos também gostam de estar nas redes sociais ou simplesmente a “navegar” na internet para entretenimento, e isso faz-nos sentir bem! As crianças também desfrutam desta utilização digital. Mas cabe ao adulto, principalmente ao que acompanha as crianças mais jovens, ajudá-las a regular esta utilização, quer em termos de tempo, quer em termos de qualidade de conteúdos e de segurança, ao invés de proibir.

Há tempo para tudo! Há tempo para brincar e tempo para usar as tecnologias. Deste modo, alertamos os pais que é muito importante uma utilização saudável das tecnologias.

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.