“As pessoas já não têm esperança nas vias migratórias legais. É crucial fazer com que voltem a acreditar.”
Em 2022, o Governo português acrescentou à Lei de Estrangeiros dois novos vistos cujo conteúdo já foi várias vezes discutido e, em nosso entender, por vezes de forma imprecisa. Falamos do visto para procura de trabalho e do visto CPLP (Comunidade dos Países de Língua Portuguesa).
Visto para procura de trabalho
Começamos pelo “visto para procura de trabalho”, uma reivindicação de longa data do JRS Portugal, prevista no programa do Governo desde 2019.
O objetivo deste visto é corrigir a inacessibilidade do visto de trabalho já existente, que se manifesta tanto através da burocracia associada, como da falta de adequação às necessidades de contratação do mercado de trabalho português. Esta desadequação, por sua vez, levava as pessoas interessadas em procurar trabalho no nosso país a recorrer a vias alternativas, que não correspondiam às suas verdadeiras motivações migratórias, como os vistos de turismo ou a isenção de visto. Essa situação, lamentavelmente, acabava por incentivar o recurso a esquemas ilegais, tendo como consequência o aumento de detenções administrativas por questões documentais, como o trágico caso do cidadão ucraniano Ihor Homeniuk.
Olhando para o visto de trabalho (e não ainda o visto para procura de trabalho), em termos práticos, o empregador devia respeitar as quotas definidas para cada área laboral e colocar a respetiva vaga no site do IEFP, I.P. durante um tempo mínimo de 1 mês, podendo apenas contratar um cidadão estrangeiro à distância caso nenhum cidadão português, da União Europeia, ou estrangeiro com residência legal em Portugal se candidatasse a essa vaga. Um mar de burocracia sem fim que levava muitos empregadores a desistirem da contratação e levava a que as pessoas imigrantes recorressem a um mecanismo que deveria ser uma exceção (sendo hoje usado quase como regime regra): a regularização pelo trabalho sem entrada legal, mediante a apresentação de 12 meses de descontos para a Segurança Social.
A criação do visto para procura de trabalho permite a entrada em Portugal por um período de 120 dias, prorrogável por 60 dias, com o objetivo de procurar trabalho. O visto integra um agendamento no SEF, 120 dias após a sua concessão, conferindo o direito a requerer Autorização de Residência (AR) mediante apresentação de contrato de trabalho. O requerente deve também “inscrever-se” na plataforma do IEFP, I.P, apresentar prova de alojamento e meios de subsistência equivalentes a 3 salários mínimos nacionais, ou um Termo de Responsabilidade (TR) assinado por um cidadão português ou residente legal em Portugal.
Muitos acreditam que a apresentação do TR é um convite à corrupção, nomeadamente através da venda deste documento por cidadãos que cá residissem legalmente. Conscientes que existirão sempre situações de corrupção, não vamos conseguir extinguir a precariedade social por via do combate aos TR. Ademais, a prova de meios de subsistência sem recurso ao TR também não é infalível: alguns imigrantes pedem a familiares e amigos para transferirem dinheiro para a sua conta bancária, transferindo-o de volta após o agendamento no consulado. Impõe-se, sim, uma maior fiscalização e não uma abolição deste instrumento.
Impõe-se, sim, uma maior fiscalização e não uma abolição deste instrumento.
Por fim, na data do agendamento do SEF, se o detentor do visto para procura de trabalho não apresentar um contrato formal, deve regressar ao país de origem. Porém, se provar que continua a ter meios de subsistência, pode prorrogar até 60 dias a sua estadia, com o objetivo de procurar ativamente emprego.
Resultados expectáveis com a criação do visto para procura de trabalho
Em nosso entender, assistiremos a uma diminuição do número de pessoas “forçadas” a recorrer a redes de auxílio à imigração ilegal, que se apresentam, tantas vezes, como a única alternativa para a imigração.
Este visto poderá ainda evitar situações desnecessárias de detenção administrativa de migrantes, considerando que, em 2022, 80% das recusas de entrada em Portugal foram motivadas pela falta de visto [1].
As pessoas já não têm esperança nas vias migratórias legais. É crucial fazer com que voltem a acreditar.
Visto CPLP
O visto CPLP vem facilitar a mobilidade dos cidadãos nacionais da CPLP que desejem entrar e permanecer em Portugal. Antes, para cada motivo migratório, havia um visto correspondente (ex: estudar = visto de estudo). Agora, existe um visto (CPLP) para vários motivos (estudar, trabalhar, reagrupamento familiar).
Antes, para cada motivo migratório, havia um visto correspondente (ex: estudar = visto de estudo). Agora, existe um visto (CPLP) para vários motivos (estudar, trabalhar, reagrupamento familiar).
O regime vem permitir que os beneficiários possam apresentar os seus pedidos de forma simplificada, nomeadamente através da substituição do comprovativo de meios de subsistência e seguro de viagem pela apresentação de um TR de cidadão português ou residente legal em Portugal. O visto CPLP dá acesso imediato a um link de agendamento para pedido de AR.
Se um cidadão da CPLP quiser estudar em Portugal, a única razão para pedir AR CPLP e não AR de estudo é a celeridade do processo: a AR CPLP demora duas semanas em média, sendo o processo online. Será, portanto, a opção ideal para quem não pode esperar anos por uma AR.
De sublinhar que, uma vez que é um acordo dos países da CPLP e não dos europeus, este visto e respetiva AR não permitem viajar no Espaço Schengen, ao contrário de outras AR.
Porém, o maior problema é que este processo depende da eficiência dos consulados portugueses: muitos não funcionam corretamente, apenas podendo usufruir deste visto cidadãos de países onde os consulados funcionam bem, como São Tomé e Príncipe, mas não de outros em que funcionam mal, como Guiné-Bissau.
Porém, o maior problema é que este processo depende da eficiência dos consulados portugueses: muitos não funcionam corretamente, apenas podendo usufruir deste visto cidadãos de países onde os consulados funcionam bem, como São Tomé e Príncipe, mas não de outros em que funcionam mal, como Guiné-Bissau.
Muitos críticos apontam estas alterações como inviáveis. Julgamos que, quem assim o diz, está a conformar-se com a atual ineficiência dos nossos serviços consulares. A Lei é coerente com os programas de Governo e com os compromissos europeus e internacionais. O problema reside no desinvestimento e na má gestão da rede consular.
Conforme explanado no Livro Branco 2022, o funcionamento dos consulados poderia ser melhorado, por exemplo, através da implementação de um sistema de vistos online, da redistribuição da rede consular com base nas tendências migratórias (abrir consulados também nos principais países de origem dos imigrantes), ou ainda, com a promoção do atendimento sem necessidade de marcação prévia.
Acreditamos, por isso, que as alterações representam um sinal de esperança para todas as pessoas que pretendam migrar para Portugal. Contribuirão, também, para evitar o lucro que as redes ilegais obtêm ao explorarem as fragilidades do nosso sistema consular, obrigando o Governo português a torná-lo mais eficiente.
É, portanto, fundamental que as pessoas não se deixem enganar por quem pretende instrumentalizar estas alterações legislativas. O potencial destas alterações deve ser reconhecido como positivo para pessoas migrantes, tentando claramente corrigir situações desadequadas à realidade migratória das mesmas.
[1] SEF, “Relatório de Imigração, Fronteiras e Asilo”, 2022, p. 42.
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.