Três meses fechados em casa com as famílias até que chegam as férias. Férias em família. A piada faz-se sozinha. Em 2020, não queremos férias em família: queremos férias da família. Todos tivemos saudades dos amigos e percebemos com sofrimento que nem o dinheiro nem o amor trazem a felicidade: a felicidade está em ir beber um café. Descobrimos que os cafés existem para sairmos de casa, o café em si é um extra dos cafés. Apesar de tudo, as férias chegaram na mesma. E ninguém sabe bem para onde ir por todas as razões e dúvidas: se apanho covid na véspera, lá se vai o dinheiro da reserva e se apanho covid no restaurante da praia lá se vão as férias, a praia e o dinheiro. O melhor teria sido continuar em confinamento, concluímos pensativamente na fila da ponte a caminho da Caparica. E depois temos os filhos, esses seres anti-férias.
Sabem o que é que eu fiz? Mandei os meus filhos de férias e fiquei em casa. Isso mesmo. As minhas amigas olham para mim com um misto de fascínio e horror. Mulheres… Já eles, os filhos, acham-me novamente a melhor mãe do mundo. Desde os 7 anos que não me fitavam com aqueles olhos apaixonados. Mas eu partilho com todos os seres de boa vontade como eu, que querem ter verdadeiras férias, as várias opções que nos levam a experimentar um bocadinho de céu.
Ora bem, uma das opções que eles abraçam radiantes é “descer a costa”. É o delírio de 2020. A costa alentejana (leia-se) deve ser uma espécie de IC 19 entupida por miúdos dos 17 aos 27 anos, todos iguais, vestidos com fatos de banho DCK, camisas de flores com pranchas de surf tendo como desafio intelectual conseguir comprar cerveja. Mas lá vão eles. Sei de miúdos que já foram descer a costa três vezes. Três. E uns foram a pé. Fiquei a pensar se não teria valido mais a pena irem pela costa até ao sul de França em vez de andarem neste sobe e desce desgastante. Mas incentivei. Vão, vão.. é giro.
A terceira melhor opção é alugar uma casa só para eles. Reparem: uma casa só para eles pode ser barata, pequena, mal localizada e quanto mais velha melhor. São as férias mais baratinhas de todas.
Outra opção é o trabalho. Querem ir de férias? Vão trabalhar. Um dos meus irmãos tinha como princípio que o dinheiro que os pais lhe davam não devia ser gasto em cervejas. Adotei este princípio à revelia dos meus filhos. E assim eles trabalham e nós poupamos. Entre colar etiquetas, pintar fachadas de casas, lavar carros, carregar móveis, ajudar nas obras ou servir cafés, é vê-los todos suadinhos a fazer currículo. Tenho amigas que abanam a cabeça em reprovação quando me perguntam na praia: “E os teus filhos, onde estão?” E eu respondo triunfante: “A trabalhar”. Mulheres…
A terceira melhor opção é alugar uma casa só para eles. Reparem: uma casa só para eles pode ser barata, pequena, mal localizada e quanto mais velha melhor. São as férias mais baratinhas de todas. Com a vantagem de não termos de arrumar, dobrar roupa, limpar, estender roupa e todas essas coisas que nos estragam as férias. Há, no entanto, uma condição: ameaçar. “Vocês portem-se bem: eu vou aparecer várias vezes e a qualquer hora e em qualquer dia… Eu sei onde vocês vivem”. Sei que devem estar a pensa ”Ai, Inês, que má”. Mas, acreditem, é a única maneira de eles puxarem o autoclismo. Tenho amigas e amigos que me consideram irresponsável. Não nego.
Depois há a melhor opção de todas: as casas de amigos (deles e nossos). E daqui vai um abraço apertado e um beijo de agradecimento a todos os nossos amigos e amigas, aos pais de amigas e de amigos dos meus filhos, aos irmãos e cunhados e a outras pessoas de quem possa ter-me esquecido de mencionar, que acolheram e certamente irão ainda acolher os meus filhos durante estas férias. Sem vocês nada disto teria sido possível. Sim, eu sei: “eles não dão trabalho nenhum, são muito queridos e bem educados”, mas todos também sabemos que grande parte dessa areia que ficou na banheira veio com eles da praia e que a quantidade de comida que desapareceu não volta. Por tudo isso, obrigada! Mas cuidado, pais mais desatentos: esta opção traz alguns riscos e um deles é distrairmo-nos e acolher mais pessoas em casa do que aquelas que saem. Aconteceu-me ter apenas um filho em casa e ter 5 filhos alheios. Mas ainda assim o saldo é positivo. Os filhos dos outros são todos bem educados, ajudam, falam baixo, arrumam e são tudo aquilo que estranhamente dizem dos nossos filhos quando eles dormem fora. Aconselho a troca e incentivo a exploração de mão de obra alheia. Eles não reviram os olhos para pôr a loiça na máquina, fazem a cama e limpam casas de banho, há uns que até cozinham e se tiverem sorte conseguem babysitters a custo zero.
Férias, caros amigos, é conseguir ler ao final do dia até adormecer, ficar numa praia até o sol se pôr sabendo que não se vai cozinhar quando se chega a casa, nem dar banho a crianças, é poder conversar com pessoas da nossa idade sem ser interrompido e dizer assim às 19h: “E se fossemos não sei onde?”. E ir.
“Então, e vocês os dois, não se importam de ficar em casa?”, perguntam-me vocês. Ora, há um conceito de férias muito pouco explorado que passa pelo seguinte: não fazer nada entre as 18 e as 22 horas. Férias, caros amigos, é conseguir ler ao final do dia até adormecer, ficar numa praia até o sol se pôr sabendo que não se vai cozinhar quando se chega a casa, nem dar banho a crianças, é poder conversar com pessoas da nossa idade sem ser interrompido e dizer assim às 19h: “E se fossemos não sei onde?”. E ir. E tudo isto entre as 18 e as 23 horas. O destino, não interessa. É este o conceito de férias pós-confinamento: férias de filhos. Pelo bem deles, pela sanidade de todos e pelo nosso descanso.
Coragem, despachem a filharada e não liguem à censura social.
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.