Nos dias 31 de agosto e 1 de setembro, reuniram-se no antigo Museu dos Coches, em Lisboa, vários profissionais da área do livro a convite da Associação Portuguesa de Editores (APEL). Desde editores e autores, a professores e gestores, juntos criaram um espaço de discussão sobre o futuro do livro. A partir de três capítulos – “O Futuro da Edição na Era Digital”, “Da Pegada Ecológica à Diversidade” e “A Educação como um Portal para o Potencial Humano” – o futuro da leitura e do livro foi questionado, confirmado e prometido. Para introduzir os mais de 60 oradores, o presidente da APEL, Pedro Sobral, divulgou um estudo da empresa responsável pelo registo das vendas de livros em Portugal – a GfK – que revelou números muito promissores sobre o mercado livreiro de 2022: 62% de portugueses comprou livros o ano passado, dos quais 82% para consumo próprio; houve um aumento de 25 milhões de euros de 2021 para 2022, e, o dado mais relevante – tanto para este texto como para o mercado –, a faixa etária dos 15-34 anos foi a que comprou mais (28%), e que 23% comprou mais que o ano anterior, ou seja, mais do que em 2021.
A partir de três capítulos – “O Futuro da Edição na Era Digital”, “Da Pegada Ecológica à Diversidade” e “A Educação como um Portal para o Potencial Humano” – o futuro da leitura e do livro foi questionado, confirmado e prometido.
Este dado, por um lado, reconfortante e esperançoso para todos os que estavam na sala e que trabalham no mercado editorial, deu o mote para as duas grandes questões do Book 2.0: Como continuar a atrair as pessoas depois dos 34 anos e como começar o hábito de leitura mais cedo? Ou, como se pode garantir que no futuro a leitura não é uma atividade esquecida e escassa, mas presente e fundamental?
Como muitos oradores sugeriram, a leitura em casa e a leitura na escola são as práticas fundamentais para salvaguardar este futuro. Logo na primeira sessão, entre o psicólogo Daniel Sampaio e o autor João Tordo, o primeiro salientou que a leitura tem de ser fomentada o mais cedo possível, reforçando que a leitura começa muito antes de alguém saber ler. Esta ideia envolve a família direta, pois é no meio familiar que um bebé poderá começar a desenvolver um gosto pelos livros, e a escola, numa fase mais “tardia” do crescimento.
A leitura nos primeiros anos não é uma leitura como nós adultos a fazemos; e passa mais pelas sensações físicas, nomeadamente o toque – virar as páginas –, e o olhar – ver as imagens e as palavras. Esta curiosidade não deve ser deixada de parte, os livros devem estar ao acesso de um bebé e de uma criança que quando queira possa abri-los e ver a história. A partir do momento em que a criança já sabe ler, a obrigação de ler com ela ou para ela extingue-se. As autoras da colecção Uma Aventura, Ana Maria Magalhães e Isabel Alçada, foram peremptórias na criação de “Tempos de Leitura” em cada seio familiar, um espaço e tempo dedicado à leitura em voz alta para todos os elementos da família. Esta experiência comunitária, com um intervalo regular, pode ter um efeito extraordinário nos hábitos de leitura, não só das crianças, mas até dos próprios adultos.
A leitura nos primeiros anos não é uma leitura como nós adultos a fazemos; e passa mais pelas sensações físicas, nomeadamente o toque – virar as páginas –, e o olhar – ver as imagens e as palavras.
Durante todo o primeiro dia, a leitura e o livro foram badalados não só como ponto de partida e origem da empatia e do bom senso, “como o antídoto para a fragmentação pessoal” e como “pedra angular para o pensamento estruturado e uma sociedade civil e funcional” (Joachim Kauffman e Michael Tamblyn), mas também como “espaço e momento de resistência perante a voragem da vida” (Dulce Maria Cardoso, Isabela Figueiredo e Tânia Ganho).
O segundo dia centrou-se na educação e a discussão desenvolveu-se à volta, entre outros, da digitalização dos manuais, de novos modelos escolares e a importância da literacia.
Iniciando o ciclo de conferências, Tim Oates (Diretor do Grupo de Avaliação, Investigação e Desenvolvimento em Cambridge) afirmou que em países como a Suécia, há estudos que revelam que os manuais físicos são uma das razões principais para a melhoria da qualidade das aulas e do ensino e, no final, do desempenho dos alunos. Também se percebeu que a equidade do ensino piorou durante a pandemia de Covid, quando passou a ser 100% digital. Assim, é obvio denotar que os manuais físicos têm um papel central na educação dos jovens e que é uma ligação com os livros, e que devem continuar a ser usados, e que uma educação tecnológica não é a resposta para as próximas gerações.
Assim, é obvio denotar que os manuais físicos têm um papel central na educação dos jovens e que é uma ligação com os livros, e que devem continuar a ser usados, e que uma educação tecnológica não é a resposta para as próximas gerações.
Face aos programas escolares de Língua Portuguesa, o Professor Daniel Sampaio afirmou que “a obrigatoriedade de leitura é uma forma de violência”, defendendo a criação de jovens leitores a partir de uma possível escolha de leituras por parte dos próprios e uma posterior discussão das obras, o que pede uma reformulação do sistema educativo português, ou pelo menos, um questionar dos modelos correntes. É, de facto, necessário um conhecimento das obras literárias portuguesas, e talvez a obrigatoriedade seja a única forma para alguns alunos, no entanto, não devia ser a regra. A criação de leitores – que segundo Ana Maria Magalhães e Isabel Alçada é alguém que saber ler, gosta de ler, e lê regularmente por escolha e não por imposição – é mais essencial, a nosso ver, que criar alunos que decorem textos de Eça de Queirós e que se esquecem deles quando a campainha toca. A Educação só será um portal para o potencial humano se permitir a liberdade e a personalização de cada um dos alunos e não estender uma manta que os normaliza a todos, como defenderam Tim Vieira e Pedro Santa Clara. E a leitura é uma das principais ferramentas para que cada um consiga alcançar o seu verdadeiro e real potencial.
O Book 2.0 foi muito mais do que uma prova da vitalidade do mercado do livro e mais do que uma oportunidade para os profissionais deste mundo, foi uma chamada de atenção para a importância da leitura e como pode influenciar a nossa sociedade – agora e a futura – particularmente se for vivida de maneira livre, mas sempre acompanhada – “No final do Verão, havia um jantar de família em que discutíamos o que cada um tinha lido” (Paulo Portas). Este acompanhamento não deve ser apenas pedido ao seio familiar mas às escolas e aos professores. Espaços de discussão de leituras, novos modelos de interpretação e uma escolha mais alargada deve, na nossa opinião, ser implementada. Na luta pela atenção de cada um, o livro abre portas para mundos completamente novos, que nos ensinam a olhar para este com olhos renovados e atentos.
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.