Bom clima para a mudança

Dois grandes eventos de grande projeção internacional, um evento nacional e um campo de férias para crianças e adolescentes e crianças do concelho de Ourém: bom clima para alavancar e avaliar por onde estão a ir as nossas mudanças!

O Vaticano promoveu a 5 e 6 de julho a conferência internacional “Saving our Common Home and the Future of Life on Earth” (na qual participou a FEC – Fundação Fé e Cooperação). Ao mesmo tempo, decorria na Casa Velha (de 2 a 6 de julho) mais uma colónia de férias aTerra para 80 crianças e adolescentes do concelho de Ourém, este ano com o lema Guard’aTerra. Também a 6 de julho, aterrava no Porto Barack Obama, para uma participação relâmpago no “Climate Change Leadership Porto Summit”. De registar ainda o Seminário “Cuidar dos Bens Comuns para o Bem Comum” promovido pela FGS – Fundação Gonçalo da Silveira e a Casa Velha a 12 de julho no ISEG, em Lisboa. Todas estas “coincidências” e cruzamentos provocaram em mim uma sensação de encaixe e alegria interior. Bom clima para alavancar e avaliar por onde estão a ir as nossas mudanças!

Estes processos de liderança climática tão distintos (em natureza, em abrangência, em visibilidade) e ao mesmo tempo tão articulados, confirmam o caminho a percorrer para alcançar a transformação social e ambiental que procuramos como sociedade. Em linguagem futebolística (em tempo de rescaldo do Mundial), senti o valor do trabalho em equipa, cada um com o seu papel (de ponta de lança, de estrela, de defesa, de lateral criativo), para concretizar a jogada, neste caso de uma mudança de paradigma assente no Bem Comum e na Justiça, num desejo da Humanidade de fidelidade ao seu próprio destino e identidade.

Emergem%20com%20cada%20vez%20mais%20for%C3%A7a%20movimentos%20de%20sensibiliza%C3%A7%C3%A3o%20e%20mobiliza%C3%A7%C3%A3o%20em%20resposta%20%C3%A0%20crise%20ambiental.%20
Emergem com cada vez mais força movimentos de sensibilização e mobilização em resposta à crise ambiental.

No contexto global da implementação do Acordo de Paris e numa altura em que por todo o mundo emergem com cada vez mais força movimentos de sensibilização e mobilização em resposta à crise ambiental e social que atravessamos, continuam as travessias à deriva de barcos rumo a uma Europa confusa e fechada, que precisa de se (re)descobrir, muito para lá dos estilos de vida e das respostas eficientes às alterações climáticas. No meio do nevoeiro, vão despontando faróis que nos podem guiar. No meio dos dilúvios, incêndios, secas, guerras, cresce a consciência da urgência de não podermos adiar mais uma mudança de rumo, que mais do que externa, é interior. Não podemos perder a oportunidade de uma nova aliança entre a Humanidade e o Planeta.

No meio do nevoeiro, vão despontando faróis que nos podem guiar. No meio dos dilúvios, incêndios, secas, guerras, cresce a consciência da urgência de não podermos adiar mais uma mudança de rumo.

Margarida Alvim

Temos assim, por um lado, a certeza de que algo temos de fazer e com urgência e, por outro, bons exemplos que precisamos de articular. É verdade que a consciência da necessidade de estilos de vida mais sustentáveis parece estar cada vez mais enraizada, mobilizando cidadãos e decisores políticos na Europa. No entanto, a nossa resposta está a ser lenta, fragmentada e pode surgir de motivações enviesadas, que condicionam desde logo a sua ação transformadora. Vejo três razões para que isto aconteça.

Fazer as questões certas

As palavras do Papa Francisco no número 160 da Encíclica Laudato Si’, ajustam-nos o ponto de partida e deveriam estar na base dos nossos modelos educativos, económicos, sociais. Para lá das respostas tecnológicas adequadas (nas quais Portugal se destaca, nomeadamente pela expressão das energias renováveis), é muito importante trabalhar as questões certas por detrás destas respostas, sob o perigo de falharmos o alvo:

Que tipo de mundo queremos deixar a quem vai suceder-nos, às crianças que estão a crescer? Esta pergunta não toca apenas o meio ambiente de maneira isolada, porque não se pode pôr a questão de forma fragmentária. Quando nos interrogamos acerca do mundo que queremos deixar, referimo-nos sobretudo à sua orientação geral, ao seu sentido, aos seus valores. Se não pulsa nelas esta pergunta de fundo, não creio que as nossas preocupações ecológicas possam alcançar efeitos importantes. Mas, se esta pergunta é posta com coragem, leva-nos inexoravelmente a outras questões muito diretas: Com que finalidade passamos por este mundo? Para que viemos a esta vida? Para que trabalhamos e lutamos? Que necessidade tem de nós esta terra? Por isso, já não basta dizer que devemos preocupar-nos com as gerações futuras; exige-se ter consciência de que é a nossa própria dignidade que está em jogo. Somos nós os primeiros interessados em deixar um planeta habitável para a humanidade que nos vai suceder. Trata-se de um drama para nós mesmos, porque isto interpela o sentido da nossa passagem por esta terra.

Que tipo de mundo queremos deixar a quem vai suceder-nos, às crianças que estão a crescer?

Margarida Alvim

As motivações da nossa ação

As comunidades das pequenas ilhas do Pacífico, que sentem já hoje na pele o impacto das tempestades agravado pelo aquecimento dos oceanos, enfrentam o risco de ser engolidas pela prevista subida do nível médio da água do mar. Neste contexto, têm testemunhado uma resiliência, responsabilidade e criatividade (bem demonstrados neste poema de uma mãe a sua filha, apresentado em 2014 na Nações Unidas) que a todos nos deve inspirar, quer como sociedade civil organizada, quer como Estado. Não é por acaso que a conferência “Saving our Common Home and the Future of Life on Earth” lhes deu especial destaque, no meio da grande diversidade de participantes (cientistas, políticos, religiosos, organizações da sociedade civil).

Parece ser difícil e muito lenta a mesma mobilização em contextos e realidades mais favoráveis, em que não há dependência “direta” da natureza, onde as alterações climáticas parecem traduzir-se em variações de estado do tempo que nos atrapalham um bocado a vida. De facto, muitas vezes na vida, apenas mudamos comportamentos e atitudes depois de grandes sustos ou alertas vermelhos. Isso acontece quer na nossa vida pessoal (como o deixar de fumar, o decidir ter uma alimentação mais saudável, o acompanhar mais o estudo dos filhos, o estudar mais  e tantos e tantos exemplos que cada um terá), quer na esfera social e política, nacional (economizar meios, integrar melhor políticas e sectores), e global (os impactos ambientais dos nossos modelos de produção e padrões de consumo insustentáveis, que vão dando origem a políticas “verdes”).

Ser guardião é estar de vigia, é uma atitude muito positiva, de estar atento, de cuidar do outro. O Papa Francisco, desde o início do seu pontificado, desafia-nos a isso mesmo, a sermos cuidadores uns dos outros e da Criação.

Margarida Alvim

A vocação de guardiões

Ser guardião é estar de vigia, é uma atitude muito positiva, de estar atento, de cuidar do outro. O Papa Francisco, desde o início do seu pontificado, desafia-nos a isso mesmo, a sermos cuidadores uns dos outros e da Criação. Somos chamados a ser guardiões: estar em permanente estado de atenção aos outros, o que implica uma atitude estrutural de discernimento, com relações fraternas intrinsecamente e essencialmente guiadas pelo Amor. Amor, Justiça, Verdade – três bons critérios para ir aferindo, no dia-a-dia de casa, família, trabalho, sociedade, política, o meu/ nosso Estado de Vigia pelos irmãos e por mim próprio. Este afinar do meu estado de alerta (que passa a não ser vermelho, mas verde – de estado “on”, sempre ligado à realidade e ao princípio e fim da nossa Vida – um alerta ecológico), é a política mais verde que poderemos adotar, garantia segura de uma ação transformadora.

Col%C3%B3nia%20de%20f%C3%A9rias%20aTerra%20decorreu%20na%20Casa%20Velha%20em%20Our%C3%A9m
Colónia de férias aTerra decorreu na Casa Velha em Ourém

Chego de manhã, chego depressa, sei para onde vou. Vou pro campo, vou guardar a Terra, descobrir quem sou. Navegando entre estrelas, aqui vou eu. Descobrir novos caminhos, até ao céu! Na Casa Velha aterrei, aprendi a ser um guardião. Sou tratado como um rei e vou descobrir qual a minha missão…”.

Este foi o hino que ao longo da semana foi sendo cantado com cada vez mais força na colónia Guard’aTerra. Beleza, Cuidado, Partilha, Valentia e Alegria foram os valores de cada dia deste percurso com a marca “Casa Comum”. Esta foi uma semana que fez crescer em 80 crianças e 18 animadores as respostas às questões desafiadoras do Papa Francisco. Acredito que estes gritos têm eco nas vozes que se levantam no Pacífico, na Amazónia e em todo o Planeta. Só podemos cuidar das ilhas Marshall, na medida em que cada um cuidar da sua vida e guardar a sua terra, com este sentido de cuidar toda a Casa. Vamos chegando, esperamos que cada vez mais depressa, sabendo para onde vamos, descobrindo quem somos ao guardar a Terra.

Não estamos sozinhos. Várias redes nos podem enquadrar neste caminho, garantindo o cruzamento entre diferentes realidades e contextos. Deixo alguns exemplos:  em Portugal a Rede Cuidar da Casa Comum; a nível internacional a rede CIDSE (representada em Portugal pela FEC – Fundação Fé e Cooperação), o Global Catholic Climate Movement e a plataforma EcoJesuit.

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.