Nos últimos tempos, tenho sido levado, por diversos estímulos (da crise ambiental às discussões acerca da intervenção do Estado na resposta à pandemia) a refletir sobre as regras que regem a gestão da casa comum (em grego oiko-nomia); reflexão que se tem concentrado em torno de uma espécie de triângulo conceptual: preço-custo-valor. Prevenindo desde logo os meus leitores acerca do carácter rudimentar dos meus conhecimentos de economia, atrevo-me a partilhar algumas considerações que me parecem básicas, não só pela sua simplicidade, mas sobretudo pela sua potencialidade para suscitar mais reflexão, debate e, quem sabe, ação.
Preço. Este primeiro conceito descreve o montante, em regra pecuniário, pelo qual um bem é transacionado. Em termos teóricos, o preço pode ser determinado principalmente de duas formas. Em primeiro lugar, pode ser fixado unilateralmente por uma autoridade externa à troca, como o Estado. Este modelo levanta muitas questões pelo potencial de arbitrariedade na escolha dos critérios que devam presidir a essa determinação. Por outro lado, o preço pode surgir do encontro entre a disponibilidade de quem oferece um determinado bem e a de quem o procura. Em função das unidades disponíveis e do quanto estão prontos a pagar aqueles que desejam adquirir o bem, surge um valor de mercado. Este é o princípio de base do nosso sistema económico tendencialmente liberal e capitalista.
Custo. O que o preço de mercado não diz é a sua relação com o esforço necessário para a elaboração ou obtenção de um bem. Naturalmente, este esforço, ou custo, para o produtor determinará “à partida” a oferta (ninguém se lança – ou mantém – na produção de um bem a custo 50 que ninguém quer adquirir a mais de 20). Mas os recursos empenhados para colocar um bem à disposição podem não compreender a totalidade dos custos, da mesma forma que o preço pago pelo adquirente não encerra, muitas vezes, a totalidade dos custos que tem de assumir (pense-se na gasolina para ir para o supermercado). Surge assim uma pergunta pelos custos escondidos, não só para as partes envolvidas no negócio, mas também para a comunidade. Um custo em particular fica muitas vezes de fora da consideração é aquele que tem que ver com o que sucede aos bens uma vez que deixam de ter utilidade (um dos elementos chave da “cultura do descarte” denunciada pelo Papa Francisco é a tendencial invisibilidade de quanto custa ao planeta e à sociedade em geral deitar fora tantas coisas…) Para mais, nem todos os custos são suscetíveis de ser quantificados e monetarizados, como é o caso do impacto ambiental da produção, transporte e consumo, ou das repercussões sociais e até ao nível de direitos humanos envolvidas em todo o processo (dos conflitos em torno de matérias primas às consequências sociais e psicológicas da precariedade laboral, passando pelo drama do trabalho infantil).
Valor. Englobando as ideias de preço e de custo, mas sem se limitar a elas, encontra-se a ideia de valor, ou seja, a utilidade (poderíamos dizer a “quantidade de bondade”) que determinado bem possui. No momento da transação, o valor atribuído ao bem por parte de quem o adquire é por definição superior ao custo que ele lhe associa. No entanto, parece-me redutor limitar o valor a uma tal perceção individual, desistindo de procurar avaliar os bens de acordo com as suas qualidades intrínsecas. Sem entrar em elaborações filosóficas em torno da bondade (ou ausência dela) ontológica das coisas, basta pensar no valor como a mais-valia que um determinado bem traz à sociedade em geral (direta ou indiretamente).
Estes três elementos, aqui descritos de forma provocativamente simplificada, permitem desenhar um quadro para olhar, ajuizar e decidir tanto em relação aos grandes problemas da economia (e da política), como à gestão do dia-a-dia. Assim, ao olharmos para o preço que surge numa determinada etiqueta, somos convidados a interrogar-nos acerca dos custos envolvidos em todo o percurso do bem em causa (e se não estão no preço, quem os estará a suportar?), para finalmente discernir qual o valor ”real” que ele possui, antes de decidir adquiri-lo. As distorções que facilmente encontraremos poderão levar-nos a pensar os limites e possibilidades de um sistema (económico, social, político) que, por muitos lados, grita por uma reforma urgente.
Fotografia de: Ph B – Unsplash
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.