As marcas da esperança n’O Principezinho

O Principezinho não é só um dos livros mais lidos em todo o mundo, mas é, também, um dos livros que melhor toca na verdade da nossa humanidade.

De cada vez que o lemos abre-se um mundo novo: “Por favor… desenha-me uma ovelha…” E foi assim que travei conhecimento com o principezinho.

O Principezinho não é só um dos livros mais lidos em todo o mundo, mas é, também, um dos livros que melhor toca na verdade da nossa humanidade. A humanidade que nos foi oferecida por Deus e que todos os dias nos permite ser tocados por Ele. A humanidade é este caminho de Esperança que se revela em Cristo.

“- Gosto muito de pores do Sol. Vamos ver o pôr do Sol…
– Mas primeiro temos de esperar…
– Esperar o quê?
– Esperar que o Sol se ponha.”

Fui à procura de algumas das marcas da Espera n’O Principezinho. Li novamente o livro em busca destes murmúrios da Esperança. Onde nos é pedido que vivamos, que saboreemos o encontro, que permaneçamos firmes e fiéis na espera. Não será, talvez, arriscado afirmar que o autor deste livro terá, verdadeiramente, ousado na espera, tais são as marcas e os desafios à humanidade que deixou ao longo de toda a história. Um olhar atento sobre a narrativa permitir-nos-á identificar com clareza um belíssimo esboço da esperança. Chamo-lhe esboço, porque está em permanente construção e caminho, um contínuo de luz e sombra que alimenta a vida e que brota da relação com Jesus.

Saber esperar, que ousadia, que coragem. Não é fácil. Será que já não sabemos esperar? Será que à medida que vamos ficando pessoas grandes perdemos a capacidade de viver a espera com alegria? Também esperámos o nascimento do Salvador em Belém, também, depois da morte na cruz, foi preciso esperar a Ressurreição do Senhor. A espera é a nossa esperança. É a nossa fé.

Saber esperar, que ousadia, que coragem. Não é fácil. Será que já não sabemos esperar? Será que à medida que vamos ficando pessoas grandes perdemos a capacidade de viver a espera com alegria?

“- Por favor… prende-me a ti! – acabou por finalmente dizer a raposa.
(…)
– E o que é que é preciso fazer? – perguntou o principezinho.
– É preciso ter muita paciência. Primeiro, sentas-te um bocadinho afastado de mim, assim, em cima da relva. Eu olho para ti pelo canto do olho e tu não dizes nada. A linguagem é uma fonte de mal-entendidos.
Mas todos os dias te podes sentar um bocadinho mais perto …”

Todos os dias um bocadinho mais perto, todos os dias a desejar um bocadinho mais esta proximidade e este abraço. É preciso ter muita paciência, explica a raposa. Mas é a espera e a fidelidade que sela o amor e que o eterniza. Não me acredito num amor que não espera pela eternidade e pela busca permanente do céu. Prende-me a ti! Que é como quem diz: vamos permanecer juntos. Fomos criados para a vida em relação e para a esperança na eternidade.

Foi Antoine de Saint-Exupéry que escreveu esta história. Nasceu em 1900, em França. Precisamente na altura em que o avião estava a ser inventado. Estudou no colégio jesuíta Notre Dame de Saint Croix e no colégio dos Marianistas, em Friburgo, na Suíça, e, em 1921, ingressou no serviço militar. Já mais velho, fez-se piloto e as suas aventuras começaram. Foi dos céus que viu montanhas, desertos, cidades. Ultrapassou momentos difíceis de ventos fortes e tempestades que pareciam invencíveis e também se despenhou algumas vezes, claro. Em 1944 estava numa missão em África e a partir daí nunca mais foi visto. Os restos do avião foram encontrados em 2004, mas o seu corpo nunca apareceu. No belíssimo livro ilustrado “O Piloto e o Principezinho” – A vida de Antoine de Saint-Exupéry, de Peter Lís, podemos ler que, para nunca mais ter voltado, então é porque o piloto e escritor “talvez tenha encontrado o seu próprio planeta brilhante perto das estrelas.” Os livros que nos deixou, e em particular o Principezinho, são um relato de esperança viva que não podemos ignorar. Nele encontramos sussurros do Evangelho. Tão discretamente e simplesmente, ouvimos Jesus a falar.

Os livros que nos deixou, e em particular o Principezinho, são um relato de esperança viva que não podemos ignorar. Nele encontramos sussurros do Evangelho. Tão discretamente e simplesmente, ouvimos Jesus a falar.

“Foi o tempo que tu perdeste com a tua rosa que tornou a tua rosa tão importante.”

Se o tempo que o Principezinho perdeu com a sua rosa foi o que a tornou tão importante na sua vida, o tempo que entregamos à vida também é o que faz dela uma vida de imensa vitória, que não se mede por narrativas de sucesso, conquistas e outras distrações. O tempo que dedicamos à vida dita a nossa capacidade de amar e de vivermos em plenitude a humanidade que nos é oferecida todos os dias. É curiosa a expressão perder tempo. Usamo-la com frequência e, com muita frequência também, há quem corrija o perder pelo investir tempo. Continuo a preferir o perder tempo. Só quem é capaz de perder o seu tempo por algo ou alguém é capaz de oferecer gratuitamente a sua vida.

É curiosa a expressão perder tempo. Usamo-la com frequência e, com muita frequência também, há quem corrija o perder pelo investir tempo. Continuo a preferir o perder tempo. Só quem é capaz de perder o seu tempo por algo ou alguém é capaz de oferecer gratuitamente a sua vida.

“Sempre gostei do deserto. Uma pessoa senta-se numa duna. Não vê nada. Não ouve nada. E, no entanto, há qualquer coisa a brilhar em silêncio.”

Confidenciou o aviador, depois do Principezinho ter dito que o deserto é bonito. É bonito, porque há algures um poço que nos dá de beber. Mesmo que não o vejamos ou que seja difícil de o reconhecer. Mas o poço está lá. Mesmo no deserto, neste lugar de passagem, não há solidão ou tristeza que vença a alegria de um poço de vida. Antoine de Saint-Exupéry, também ele aviador como a personagem do livro, dá corpo à esperança. Ao longo da história, não se cansa de persistir na importância da espera, do tempo, do invisível, do essencial.

Viajar pelas marcas da esperança n’O Principezinho é um exercício de encontro e reconhecimento. Abre-se mesmo um mundo novo de cada vez que o leio. Já não é igual. Já não é como o li da última vez. Talvez seja isto o sinal de uma vida nova que surge a cada dia e que se confirma e justifica na Ressurreição. A esperança não é o inalcançável, não é o interminável, o impossível, o inatingível. A esperança é o amor a permanecer.

A esperança não é o inalcançável, não é o interminável, o impossível, o inatingível. A esperança é o amor a permanecer.

“Não tenham pressa, fiquem um bocadinho à espera mesmo por baixo da estrela.”

Este excerto faz parte da nota final do autor que começa com “Para mim, esta é a mais bela e mais triste paisagem do mundo. Foi neste mesmo local que o Principezinho fez a sua aparição na Terra e, depois, desapareceu.” Um lugar, por isso, que faz memória da chegada e da partida, do aparecimento e do desaparecimento, da existência e da ausência. Ou se quisermos: da vida e da esperança que a faz eternamente viva. Não tenhamos pressa. Fiquemos um bocadinho à espera.

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.