Em Agosto, o filho de Mariam (nome fictício), jovem mãe síria, refugiada em Portugal, faz mais um ano. É o segundo aniversário da criança, no nosso país, longe do pai, de quem se separou com apenas poucos meses de vida. Nasceu já num campo de refugiados, noutro país árabe próximo da Síria, para onde o casal fugiu procurando proteger-se da guerra. É aqui que o marido de Mariam ainda hoje se encontra, numa situação muito vulnerável, sem trabalho e a passar por enormes dificuldades, ansiando pelo reencontro com a família, em terras lusas.
Não há férias de verão para Mariam. O trabalho ajuda a equilibrar o orçamento, a consolidar a sua integração no nosso país e a ocupar a mente. Nas suas palavras: “sem o trabalho enlouquecia, não ia conseguir. Estou sempre a pensar na mesma coisa… não consigo dormir
Não há férias de verão para Mariam. O trabalho ajuda a equilibrar o orçamento, a consolidar a sua integração no nosso país e a ocupar a mente. Nas suas palavras: “sem o trabalho enlouquecia, não ia conseguir. Estou sempre a pensar na mesma coisa… não consigo dormir”. As lágrimas têm-na acompanhado sempre, desde a separação do marido, noutros países de trânsito, e agora em Portugal. É uma ferida que sangra continuamente, também com o medo que o casamento se desmorone, cedendo ao peso do tempo e à distância. O tempo é bem mais pesado quando se espera. E os processos com vista ao reagrupamento familiar, em Portugal, são demasiado longos e complexos, desesperam. Arrastam-se meses, só podendo ser iniciados após uma decisão final no âmbito do pedido de asilo. No caso de Mariam, quase dois anos decorridos, de papelada e burocracia, a espera continua. E existe ainda um grande desafio pela frente, quando a decisão favorável chegar. O marido terá que viajar até à Embaixada de Portugal mais próxima, situada noutro país vizinho (o que é muito difícil de fazer, em segurança), a fim de lhe ser emitido o visto para o nosso país.
A 19 de abril uma notícia publicada no Jornal Público dava conta de que apenas um refugiado, acolhido no âmbito do programa de recolocação da UE em Portugal, tinha conseguido reunir a família no nosso país.
A 19 de abril uma notícia publicada no Jornal Público dava conta de que apenas um refugiado, acolhido no âmbito do programa de recolocação da UE em Portugal, tinha conseguido reunir a família no nosso país. Isto, apesar de o reagrupamento familiar constituir um dos mais importantes instrumentos de integração dos migrantes no país de acolhimento e de o legislador português considerar o reagrupamento um corolário do direito fundamental de qualquer pessoa a viver em família. É urgente rever a lei e os procedimentos que criam constrangimentos à concretização deste direito, considerando as especificidades próprias da condição de refugiado.
Quando vivi fora de Portugal, e era eu a estrangeira, nunca me separei do meu marido e filhos e sei como foi importante tê-los sempre junto a mim, para enfrentar os muitos desafios da emigração. Ainda assim, ansiava por este tempo de férias, de regresso às origens, para matar saudades, perder o olhar no horizonte atlântico e inspirar a maresia do nosso mar. Sobretudo, ansiava pelo calor do abraço dos meus pais, familiares e amigos. Sabia que, a existir capacidade para pagar as viagens de avião (e para muitos migrantes o factor económico, pode ser uma limitação crítica), nenhum entrave legal impedia de me reunir com a minha família. Nem consigo imaginar o sofrimento de quem enfrenta essa provação. Particularmente os refugiados, no exílio. Eles que praticamente perderam tudo: os bens, o país onde não podem regressar para matar saudades, restando-lhes o tesouro dos laços afetivos, a fé e a esperança.
Sim, em agosto, as cores vivas e as temperaturas cálidas do verão remetem-nos para o descanso e o encontro com aqueles que amamos. Mesmo quando o descanso e o encontro não são possíveis.
No nosso imaginário coletivo, agosto continua a ser o mês das férias de verão por excelência e da mobilidade. Nesta época, muitos portugueses emigrados pelo mundo regressam. Aldeias despovoadas rejuvenescem e animam-se com romarias, de norte a sul, como tão bem retrata o filme “Aquele querido mês de Agosto”, de Miguel Gomes. Outros portugueses viajam, partem para diferentes destinos, culturas e novos encontros.
Cada forasteiro é ocasião de encontro
Por todas estas e outras razões, o mês de agosto é também o mês escolhido para acolher a 46.ª Semana Nacional das Migrações, promovida pela Obra Católica Portuguesa das Migrações, da Conferência Episcopal Portuguesa, e que desafia ao envolvimento de todos nós.
Neste ano, a Semana decorre entre 12 e 19 de agosto, subordinada ao tema: “Cada forasteiro é ocasião de encontro – Migrantes e refugiados no caminho para Cristo”. Pretende-se sensibilizar para a presença em Portugal de migrantes estrangeiros de diferentes etnias, culturas e religiões. A participação e acompanhamento das atividades desta semana é uma boa forma de abrir o coração, caminhando com muitos migrantes estrangeiros e refugiados, como Mariam.
O reagrupamento familiar é justamente uma das preocupações expressas na mensagem para a Semana Nacional das Migrações 2018, que reforça a necessidade, em Portugal, de “leis justas de reunificação familiar”, bem como de “rever a le
gislação sobre as migrações”, facilitando o acolhimento, a proteção, a promoção e integração dos migrantes e refugiados.
A mensagem do Papa Francisco para o Dia Mundial do Migrante e Refugiado, no início deste ano, a 14 de janeiro 2018, realça a importância da família e respetiva unidade, referindo que, “em 2006, Bento XVI sublinhava como a família, no contexto migratório, é «lugar e recurso da cultura da vida e fator de integração de valores. A sua integridade deve ser sempre promovida, favorecendo a reunificação familiar – incluindo avós, irmãos e netos – sem nunca o fazer depender de requisitos económicos»”.
O Programa da Semana Nacional das Migrações, inicia-se a 12 e 13, com a peregrinação do migrante e do refugiado a Fátima e termina no domingo, 19 de agosto, com uma Jornada de Solidariedade nas paróquias portuguesas, que inclui uma proposta de oração pelos migrantes e refugiados e a recolha de donativos.
O Programa da Semana Nacional das Migrações, inicia-se a 12 e 13, com a peregrinação do migrante e do refugiado a Fátima e termina no domingo, 19 de agosto, com uma Jornada de Solidariedade nas paróquias portuguesas, que inclui uma proposta de oração pelos migrantes e refugiados e a recolha de donativos.
A peregrinação a Fátima é sempre um momento emocionante e festivo, com a presença de milhares de migrantes, oriundos de dezenas de países. As Eucaristias celebram-se respetivamente às 22h30, no dia 12 e às 10h00, no dia 13, no recinto de oração do Santuário. Para quem tiver oportunidade, vale mesmo a pena participar! (Mensagem para a Semana das Migrações, D. António Vitalino)
Mais do que um mês de férias, gosto de pensar no mês de agosto, como o mês do encontro.
O encontro connosco próprios e com os outros, em particular com “o estrangeiro”, que se aprende a amar como a nós mesmos. O estrangeiro que tantas vezes anseia, ele próprio, por um (re)encontro familiar que tarda em acontecer. Mas não somos nós afinal também a família que possuem? Não defenderemos nós o direito a todos serem acolhidos fraternalmente, como parte da grande família humana a que todos pertencemos?
O encontro remete para o abraço. E quem abraça, acolhe. E quem acolhe, ama.
Foto de capa: Fotografia de Luke Porter – Unsplash
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.