Os gregos encontravam-se nas praças para saber das notícias trazidas de outros portos, juntamente com mercadorias e produtos finos. Como os florentinos no adro de Santa Maria del Fiore ou o meu avô à porta do café. Da minha adolescência, lembro-me que estudávamos os livros e apontamentos até ao último segundo da viagem de autocarro até à escola. E de ver os adolescentes de hoje, dei-me conta que as notícias vêm em forma de pic, tiktok ou, se forem muito íntimas, de DM.
Também evoluiu a forma de ensinar e de aprender: os mestres clássicos deram lugar às classes magistrais, que por sua vez evoluíram para turmas, que se foram burocratizando e fazendo com que os Professores inventassem constantemente novos modelos para não perder a atenção dos seus Alunos. Dos que andam agora pelos corredores das escolas, ninguém sabe o que é um slide e nunca tiveram a experiência de ver um acetato projetado; ninguém perdeu horas a fotocopiar páginas da Larousse, porque a Wikipedia está à distância de um click; e, mesmo mantendo a adrenalina de não ser apanhado, o papelinho perdeu terreno para a mensagem enviada secretamente por baixo da mesa!
Mas nada desafiou tanto a criatividade, a perseverança e o trabalho de equipa de Professores e Alunos como as últimas semanas. Quando o Governo anunciou o encerramento das escolas a partir do dia 16 de março e a continuação das atividades escolares através de meios online, vimo-nos forçados a encontrar novas ágoras, recreios e salas de aula onde pudéssemos encontrar-nos, ensinar, aprender e brincar.
Skype, Zoom, Classroom, Houseparty ou qualquer WebEx app tornaram-se esses lugares de notícias e encontros, que superam qualquer whatsapp ou DM no Snap. Mas por serem lugares de encontro entre pessoas é que precisam de regras e normas sociais de convivência, que temos de aprender se não queremos ser olhados como o professor que não se adapta ou a professora que raramente vem à sala dos professores. As regras de convivência são naturais, orgânicas e intuitivas; aprendem-se por imitação e sentido comum; são transmitidas numa cadeia de aceitação e normalização de comportamentos.
Porque temos andado todos demasiado atarefados a tentar conciliar o teletrabalho com os filhos, a adaptar as aulas a novas plataformas e a viver a incerteza dos dias na normalidade da vida, ficam 9 dicas para sobreviver online, inspiradas nos Exercícios Espirituais de S. Inácio.
1. Pôr diante de mim aonde vou e a quê.
Na pluralidade de apps e social media disponibilizados, todos têm as suas opiniões sobre a melhor a ser usada. Por isso mesmo, é preciso familiarizar-se com a rede em que nos vamos encontrar. Se for eu o anfitrião, então o melhor é escolher o canal em que me sinto mais cómodo. Mas se for convidado, devo organizar-me com tempo para conhecer a app, instalá-la e “dar uma volta” para que não seja totalmente desconhecida quando chegar o momento de reunir.
Importante: testar o material – áudio e vídeo – antes da reunião!
2. Ânimo e liberalidade.
Também online faz falta preparar-me sobre a matéria de que vou falar. Se vou ter uma reunião para a qual me convocaram, devo preparar a ordem de trabalhos e ter presente a agenda. Se vou dar uma aula, além da planificação, terei tido tempo para pensar em como adaptar o conteúdo à nova sala virtual.
Claro que isto pede criatividade: para pensar fora da caixa e para atrair os alunos para o novo modo de trabalhar. E pede paciência: para aprender e adaptar-se, para lidar com os problemas técnicos e os processos de aprendizagem dos outros.
3. Estar pronto a salvar a proposição do próximo.
Nesta nova escola, há muitos ritmos e muitos tempos de aprendizagem e adaptação. É preciso fazer o exercício constante de me colocar no lugar do outro. Não nos podemos esquecer que muitos alunos e outros professores partilham os dispositivos com outros membros da família, também em teletrabalho ou aulas online e, por isso, podem demorar a alcançar os objetivos ou mesmo chegar atrasados ao encontro marcado.
4. Preparar-me para melhor achar o que desejo.
Que trabalhe a partir de casa não significa que me possa atrasar ou, mesmo, estar em dois sítios ao mesmo tempo. Devo organizar a minha rotina e o meu plano diário para chegar a horas e não fazer esperar quem me espera. Sobretudo se sou eu quem convoca o encontro, então devo estar pronto para receber quem vai chegando.
5. Mudar-se da casa onde morava e tomando outra casa ou quarto, para aí habitar o mais secretamente que puder.
Esta anotação dos Exercícios Espirituais não pode ser tomada literalmente, sobretudo nestes tempos de isolamento social. Contudo, é preciso não esquecer que a nossa área de trabalho é o que cabe no espetro da câmara mais tudo o que podemos ver ao redor dos nossos interlocutores. Por isso, é preciso cuidar o espaço e a zona de trabalho para que seja agradável e não exponha demasiado a nossa privacidade familiar.
6. Não dizer palavra ociosa, a que não me aproveita a mim nem a outrem, nem dizer palavras para difamar ou murmurar.
Mais do que nunca, é preciso moderar o que se diz. Não só porque muitas salas gravam as reuniões, mas também porque o diálogo e conversa em formato videochamada requer o dever de urbanidade de esperar pela vez, de escutar o outro até ao fim e de respeitar os tempos determinados.
Isto também se aplica ao uso de chats paralelos para fazer comentários e ter conversas sobre outros assuntos.
7. Que todas as minhas intenções, ações e operações sejam puramente ordenadas.
É preciso saber estar. Trabalhando num lugar tão cómodo como a nossa casa, não podemos esquecer o contexto. Também para um encontro virtual, seja para uma reunião de trabalho seja para dar uma aula, é preciso cuidar a apresentação e estar inteiramente comprometido com o momento e com as pessoas com quem estamos.
8. Como no tempo da consolação é fácil e leve estar todo o tempo, assim no tempo da desolação é muito difícil.
Ou seja, se a reunião é monótona e aborrecida, não vale abrir outras janelas e fazer as compras para a semana ou ir ler o jornal ou ir procurar uns gadgets. Nem vale abrir outras conversas. Ou deixar a reunião para ir tratar de coisas da casa.
Assim como, se o tempo flui, não se deve prolongar mais do que o determinado, para que cada um possa seguir com a sua vida.
9. O amor deve pôr-se mais nas obras que nas palavras e consiste na comunicação recíproca.
Todos temos uma vida além do computador. Todos temos um horário de trabalho e um horário escolar. Amar o próximo é deixar-lhe, também, tempo para o ócio, para descobrir e aprofundar a companhia da família, é deixar a cada um tempo livre para aprender a gerir o seu novo tempo, sobretudo interiormente. E se cada um tiver este gesto de amor para com os outros, de algum modo muitos o terão connosco e, assim, poderemos encontrar o nosso lugar neste novo ponto de encontro.
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.