“9/11”, onze de setembro. Não é preciso dizer absolutamente mais nada. A história contemporânea ficou dividida num antes e num depois daquele onze de setembro. O ano em que aconteceu é irrelevante. 9/11, onze de setembro… sabemos do que estamos a falar. 9/11, onze de setembro, transcende o tempo.
A crueldade do ato, a crueldade das imagens em direto, a crueldade do número de vítimas inocentes, a crueldade do génio ao serviço do maquiavélico, a crueldade a que assistimos e à qual os nossos corpos reagiram somaticamente, a milhares de quilómetros de distância, incrédulos e perplexos, feridos, como se estivéssemos a receber uma facada de morte na nossa comum Humanidade.
A crueldade daquele pó, cinzento, que envolveu tudo e todos quando os arranha-céus se desfizeram como torres gémeas feitas de simples baralhos de cartas… Aquele pó cinzento que cobriu, como se de tinta se tratasse, as pessoas que fugiam do Inferno realçando o horror que enchia o seu olhar… Aquele pó cinzento que se agarrou com as duas mãos ao ar que respiramos e se infiltrou nas mais ínfimas fissuras ocupando todo o espaço.
Aquele pó cinzento que se agarrou com as duas mãos ao ar que respiramos e se infiltrou nas mais ínfimas fissuras ocupando todo o espaço.
Dezassete anos depois, esse pó cinzento parece que se esfumou, mas não, ainda não assentou e torna-se muito difícil de limpar. Dezassete anos depois, ainda não se repararam as verdadeiras brechas que destruíram a Casa Comum e os pedreiros são difíceis de encontrar. Dezassete anos depois, aquele pó cinzento, esfumado, continua a ser o maior poluente do ar que respiramos. A Humanidade está dividida e o Mundo, em consequência, mudou.
Jorge Riechmann[1] denomina o século XXI como “o século da Grande Prova”. Um século em que se joga o futuro do planeta e a sobrevivência como espécie. Conseguiremos iniciar uma rota diferente que procure outras metas e fomente outros valores capazes de se contrapor aos populismos enraizados no conflito depreciativo, na violência gratuita, na exclusão que descarta, no ódio insensato que põem em risco democracias, liberdades e direitos humanos? Conseguiremos ser luz no alto dos telhados, servindo sem enriquecer, desmascarando factos alternativos e fake-news?
Conseguiremos limpar, e continuar a limpar, o pó cinzento que persiste no ar das nossas instituições (políticas, socais, religiosas) e que afeta cada casa?
Conseguiremos limpar, e continuar a limpar, o pó cinzento que persiste no ar das nossas instituições (políticas, socais, religiosas) e que afeta cada casa?
A Europa, com uma inegável raiz no cristianismo e seus valores, deve apresentar-se à Grande Prova. Deve assumir, sem acanhamento, o vazio deixado por países que lideraram o Mundo até agora. Deve ser a bolsa de honra e de decência, indispensável, mesmo se pequena, para garantir, diante dos seus povos e perante as outras nações, o sentir do Mundo como uma única Família Humana. Deve livrar-se do pó cinzento das suas instituições, da forma obscura e, consequentemente, irresponsável de exercer o poder e readquirir a consciência global de incansável serviço aos seus e aos outros.
Portugal pode começar: viver na verdade, respeitar a alteridade, acolher o estrangeiro, cuidar do frágil, fazer as pazes com a natureza e aceitar-nos como somos, vulneráveis e mortais, dependentes uns dos outros, como pessoas e como povos.
[1] Jorge Riechmann, poeta, matemático, filósofo, ecologista e doutor em Ciências Políticas. Professor titular de Filosofia Moral na Universidade Autónoma de Madrid. Desde 2013, coordena o Grupo de Investigación Transcisciplinar sobre Transiciones Socioecológicas.
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.