Vigiai e Orai

Vigiai e Orai

O sentinela permanece vigilante no cimo das ameias do castelo, atento ao horizonte, para quando vir o inimigo aproximar-se, alertar as tropas para defenderem o seu castelo; o guarda-noturno faz rondas durante a noite vigiando o local que está à sua responsabilidade e, quando vê chegar o ladrão, avisa as autoridades; o segurança vigia a loja, atento a quem vem para roubar e quando vê alguém a sair sem pagar, alerta a polícia.

Jesus convida-nos a vigiar o nosso coração, o nosso interior. Há muitas tentações na nossa vida que nos querem “assaltar”, roubando-nos a paz, a alegria, a serenidade. Frequentemente, isso acontece sem nos darmos conta. A tentação de nos desviarmos do caminho de Deus e do amor vem ter connosco de muitas formas: conforto, prazer, comodismo, egoísmo… Somos tentados e atraídos para o que nos apetece, o que brilha, o que sabe bem. Num primeiro momento, até parece atrativo e interessante. Santo Inácio fala na “tentação com aparência de bem”. Mas depois, quando já nos desviámos, ficamos tristes e desanimados.

A oração é o melhor vigilante, guarda-noturno e segurança do nosso coração! Mantém-nos ligados a Deus e ao Evangelho, mantém-nos alerta para tudo aquilo que vem disfarçado de bem, mas, na realidade, nos vai fazer mal. Jesus convida-nos a orar sempre, todos os dias, para protegermos o castelo do nosso interior e estarmos sempre atentos às escolhas diárias que fazemos. O Exame de consciência, no final do dia, é uma ótima forma de vigilância. Conserva-nos firmes nos critérios de Deus, alinhados com a moral cristã, na felicidade maior que Jesus nos propõe: “Amai-vos uns aos outros, como Eu vos amei”. Só uma vida por amor é garantia da paz profunda do coração. E essa paz tem de ser protegida e defendida diariamente.

Lourenço Eiró, sj

Minicampismo: não é preciso muito tempo para  viver um campo

Minicampismo: não é preciso muito tempo para  viver um campo

Em Abril, os Gambozinos viveram o seu tradicional Minicampo.

Um Minicampo são (apenas) 4 dias de campo, na semana antes da Páscoa, onde aproveitamos as férias para rever os nossos amigos, preparar a Páscoa e reavivar o nosso espírito gambozínico.

 

Ao contrário de um campo de Verão, onde costuma haver uma suave transição do relax das férias para a simplicidade de um campo, no Minicampo, o desafio é sobreviver a uma “aterragem forçada”. Somos, súbita e violentamente, projetados do nosso dia-a-dia para a realidade, tão distante, de um campo de Gambozinos.

Pimbas!

Entramos no autocarro, à pressa e ainda com a mochila da escola nas costas, cansados, confusos, apercebendo-nos que nem trouxemos metade das coisas que era suposto – …as meias… não trouxe meias!

Há pouco tempo para nos adaptarmos, mas lá aterramos.

O dia neste Minicampo é bastante parecido com o de um campo de Verão, só faltando as tendas, que, por medo da chuva, trocamos por um local mais resguardado, e as latrinas que, para alegria de muitos, não marcam presença neste modelo de campo. Quem nunca esteve num Minicampo provavelmente imagina que se trata de um campo mais curto, de um pequeno campo, mas não se deixem enganar pelo nome – o Minicampo não é só um campo em ponto pequeno. É, sim, uma atividade diferente, uma que é muito especial – por várias razões:

Uma coisa que distingue o Minicampo de um campo de Verão – e que é grande parte do que o faz “simples” -, é a familiaridade que se sente: o estar lado a lado com gambozinos de todas as idades. Apesar do campo ser “mini”, há gambozinos de todas as idades e tamanhos – minis, médios e crescidos. Cabe a cada um, durantes estes dias, cuidar dos seus “novos irmãos mais novos” e aprender com os “novos irmãos mais velhos” que temporariamente ganhou. É o único campo em que isto acontece.

Outra coisa, a mais curiosa, talvez, é que, apesar de ser o campo com menos tempo, nem por isso o pouco tempo que temos é gasto a correr. Os quatro dias são vividos na maior tranquilidade e simplicidade possível – que é, afinal de contas, a única boa forma de os aproveitar verdadeiramente. A simplicidade é a chave para um ótimo Minicampo. Contrasta com a complexidade do nosso dia a dia e permite-nos ajudar a centrar e entrar no período Pascal. Essa simplicidade também é o centro de um campo de Verão, claro, com a diferença de que, enquanto no Verão ela surge naturalmente, no Minicampo é um verdadeiro desafio alcançá-la, porque o tempo é escasso e não houve um “período de adaptação” entre a violência do mundo real e a realidade do campo.

É certo que o Minicampo é mini (…óbvio), mas não é como aqueles mini-croquetes que só servem para nos abrir o apetite e deixar com mais fome. É uma realidade de campo distinta: uma oportunidade própria para viver o tempo da Páscoa e sentir a antecipação da Paixão na unidade e simplicidade que melhor nos ajudam a entendê-la verdadeiramente.

As famílias passam juntas a Páscoa. Os Gambozinos vivem juntos a sua antecipação. Vivem-na na amizade, diversão, oração, desprendimento e alegria com que passam aqueles quatro dias de Minicampo.

Miguel Santos

Ser gambozino no dia-a-dia

Ser gambozino no dia-a-dia

Olá, eu sou o António e foi me pedido que escrevesse um texto com o tema: Ser Gambozino no dia a dia. Pedido esse que não foi nada fácil de aceitar, tendo dado por mim a pensar: “Há com certeza alguém que saberá explicar isto muito melhor do que eu”, “Eu nem sequer estou assim há tanto tempo nos Gambozinos”, “E se ninguém se identificar com o que eu escrever”. Parei, respirei e aceitei este pedido que me foi feito. E nesse momento do meu dia, senti-me um pouco mais gambozino.

Queria começar por lamentar, desde já, não se tratar de um tutorial passo a passo, que todos ansiávamos e precisávamos, de como: Ser um Gambozino no dia a dia. Aquilo que estão prestes a ler não é mais do que a minha ideia acerca da maneira de ser e estar enquanto Gambozino e de que forma e em que alturas a podemos incorporar no nosso quotidiano.

Ora, a maneira mais fácil de ser Gambozino no dia a dia, passa muito por descomplicar as nossas vidas (dentro do possível) e voltar à simplicidade. A simplicidade com que Jesus viveu, a simplicidade em que os santos, que nos inspiram, viveram e a simplicidade que buscamos viver nos campos e atividades. No fundo tentar estar na nossa vida como estamos, ou pelo menos como deveríamos estar num campo, não no sentido de acordar a nossa família e vizinhos com o “Acorda o Sol”, ou de comer massa pizza dia sim dia não, mas no sentido em que procuramos viver os quatro pilares que guiam esta associação, pois é a simplicidade destes elementos que constrói a beleza e a força dos Gambozinos. Estive agora no Minicampo do Sul (foi muito bom) e reparei em vários aspetos e comportamentos que eu e outros animadores adotámos, durante esses cinco dias, que seriam com certeza uma mais-valia para o meu, e quem sabe também para o teu, dia a dia. Como por exemplo: ter o olhar afinado para perceber o que querem e necessitam aqueles que me rodeiam, ter sempre presente o contacto com a natureza, estar disponível para aquilo a que sou chamado, em momentos de maior cansaço ou inquietação saber “animar-me”, compreender os meus limites e deixar-me ser ajudado. Tudo isto são comportamentos e maneiras de pensar e agir que, com mais ou menos esforço, conseguimos incorporar e adaptar para a nossa vida. Talvez à primeira vista possa parecer pouco, mas a verdade é que a diferença reside nos detalhes.

Um dos momentos do Raio que guardo na memória, foi quando à pergunta: “Achas que podes mudar o mundo?” A resposta foi: Sim. Um sim geral (pelo menos aqueles que estavam no meu campo de visão periférico, deram um passo à frente). E aproveitando este ímpeto e vontade que todos temos de viver e de fazer algo maior do que nós mesmos, a proposta que deixo vai mesmo nesse sentido: Tentar incorporar ao máximo aqueles pequenos comportamentos e atitudes que temos nos campos e nas atividades na nossa vida, em qualquer que seja o percurso pelo qual seguimos ou fase que nos encontremos, sem nunca perder esta nossa vontade, tão boa, de mudar o mundo (para melhor, espero eu).

António Lima

SABOREAR E DEIXAR-ME MARAVILHAR

Que bom que seria um campo onde os animadores não estão sempre a correr de um lado para o outro, nem preocupados com planos de campo preenchidos que não deixam espaço para respirar. Que bom que seria um campo onde não estivéssemos sempre cansados e houvesse tempo e espaço para cada coisa, onde pudéssemos estar atentos às coisas simples e deixarmo-nos alegrar verdadeiramente com elas!

Há uns anos contaram-me como eram os primeiros campos de férias da Companhia: 5 ou 6 animadores iam com algumas crianças para um terreno com muito pouca coisa planeada. Naqueles dias conversava-se, aprendia-se a tocar viola, rezava-se, cozinhava-se, tomava-se banho no rio… Ali, tinham o tempo e a calma necessários para criar relações verdadeiras e fundadas na rocha.

Tenho-me deixado tocar por este tema da simplicidade e de como é importante voltar um bocadinho às origens.

Os Campos de Gambozinos são uma incrível graça na vida de tanta gente e fazem maravilhas muito grandes, mas acabamos sempre por cair na mesma lógica apressada do dia a dia e isto impede-nos de estarmos inteiros e de conseguir saborear os pequeninos milagres que vão acontecendo.

A estrutura de uma associação é fundamental para que possa crescer e gerar cada vez mais frutos. Mas nunca podemos cair na tentação de ficarmos demasiado presos aos horários, aos planos, ao dinheiro, às logísticas, aos jogos complicados. São tudo coisas importantes, mas quando descentradas do Essencial, acabam por ser impedimento à Ação de Deus.

Estes 10 dias devem ser, em primeiro lugar, espaço de relações. De construir amizades. De aprender a viver na simplicidade. Meio onde percebo como é possível necessitar de pouco e viver muito e onde experiencio a felicidade que vem desta certeza.

Tudo pode mudar, mas o Centro dos Gambozinos nunca pode deixar de ser as relações!

Lanço este desafio para cada um, em especial agora que começamos a sonhar os campos do Verão. Qual a prioridade do plano de campo do campo que vou animar? Ajudar crianças a passar tempo e dar-lhes entretenimento momentâneo? Ou criar relações verdadeiras, com os outros e com Jesus, que os ajudam a serem felizes?

Que nos campos de 2023 não caímos na tentação de viver em contrarrelógio e nos deixemos maravilhar por todos os lugares e momentos onde Jesus se vai revelando!

 

Teresinha Castel-Branco

Um RAIO de esperança

Um RAIO de esperança

Hoje, dia 13 de março, vivemos mais um dia do caminho da Esperança: da Quaresma até à Páscoa. É também o dia de rescaldo após o RAIO: Reunião de animadores interessados em ordenar-se.

Foram dias de grande consolação: de testemunho, amizade, unidade e comunidade; de (re)encontro de uma família tão bonita com várias gerações, com quem tanto tenho crescido e que afeta profundamente e transversalmente a minha vida e o meu olhar para as relações humanas.  Isto porque os Gambozinos não é algo a que se “vai”, mas algo que se É ou se procura ser.

No entanto, na correria do dia a dia, há a tendência de se tornar algo que me é externo, como se fosse mais um compromisso na check list. Daí a importância deste fim de semana: foi um voltar à fonte; um reacender de uma missão que nasce e se alimenta da oração (caso contrário, pode cair num voluntarismo) e de um olhar diferente para a humanidade; o renovar de um SIM e o recentrar o coração no que de facto é necessário.

Mas, pessoalmente, foram também dias muito intensos. Não só por algumas preocupações com a preparação e concretização do fim de semana, mas também por dúvidas e incertezas que vieram ao de cima e que me inquietaram em alguns momentos de oração e em conversas importantes que foram surgindo com alguns gambozinos.

Uma imagem muito bonita destes dias foi precisamente uma que conheci na capela da CASA de Santo Afonso em Cernache (local do fim de semana). No retábulo tão colorido, eis que surge, no canto direito, um pedaço negro. No centro dessa escuridão, surgiu ainda uma esfera dourada luminosa: a “luz terna e suave no meio da noite”; aquela que, na incerteza, na dor, na tristeza, na solidão, no vazio, no pecado, “apaga a noite em mim”.

“É assim o coração de Deus: próximo de quem sofre; não faz desaparecer o mal e o sofrimento mas transforma-o habitando n’Ele”- Papa Francisco

Há uns anos uma amiga perguntou-me qual era o sentido do sofrimento, se Cristo já tinha sofrido tanto por nós? Os anos passaram, e hoje percebo que não é por sermos cristãos que a cruz, o sofrimento, a injustiça e as dúvidas, por muito que nos custem ou revoltem, não vão deixar de magicamente ser uma realidade nas nossas vidas e na dos outros.

Compreender isto é importante também para compreender a missão dos Gambozinos. Nas palavras de uma Gambozina Dinossaura, que agora faço minhas, não se trata de salvar ou mudar radicalmente vidas, isso seria um peso e uma frustração gigante. Será antes dar tempo e espaço para criar relações, construir pontes com outros irmãos iguais a mim, que como eu riem, choram, alegram-se e sofrem.

A cruz, seja ela qual for, é uma realidade muitas vezes demasiado dura para que alguma vez a possamos compreender. Podemos revoltar-nos, fugir dela, tornando-a ainda mais pesada…ou podemos rezar a mesma oração de Jesus no monte das Oliveiras e, num salto de fé no Pai, beber o cálice, abraçá-la, entregá-la por amor, tornando-a mais leve, a nossa e a dos outros, como Jesus se entregou na Sua por nós.

“No limiar da vida, não se trata do que ganhamos, mas o que demos: o dom de si mesmo, do serviço. Servir custa, porque significa gastar-se, consumir-se; mas, quem guarda demais a sua vida, perde-a”.

E que bonito saber que “há uma festa no céu” cada vez que ofereço a minha vida, que me coloco nas mãos d’Ele e aceito ser seu instrumento; cada vez que venço a minha autossuficiência e regresso à casa do Pai; cada dia em que Lhe entrego o meu sim, com tudo o que tenho e sou, simplificando-me.

Por muito que me sinta pequenina ou que me custe, Ele faz mesmo maravilhas com a vida de cada um e encarrega-se dos frutos muitas vezes imensuráveis e invisíveis aos nossos olhos.

A meu ver, é isto a Esperança! Não um otimismo vazio e irrealista de que vai correr tudo bem… Mas sim a certeza de que, mesmo quando tudo corre mal e nos deparamos com a Cruz e a incerteza do caminho a escolher/ para onde somos chamados, não estamos sozinhos.

Primeiro, porque Ele vive e vem sempre ao nosso encontro; e segundo, porque há por aí muito Simão de Cirene por aí disposto a partilhar e a tornar mais leve a nossa Cruz, e eu tenho a graça de lhes chamar, além de amigos e irmãos, Gambozinos.

 

Ana Lisete Miranda