Minicampismo: não é preciso muito tempo para  viver um campo

Minicampismo: não é preciso muito tempo para  viver um campo

Em Abril, os Gambozinos viveram o seu tradicional Minicampo.

Um Minicampo são (apenas) 4 dias de campo, na semana antes da Páscoa, onde aproveitamos as férias para rever os nossos amigos, preparar a Páscoa e reavivar o nosso espírito gambozínico.

 

Ao contrário de um campo de Verão, onde costuma haver uma suave transição do relax das férias para a simplicidade de um campo, no Minicampo, o desafio é sobreviver a uma “aterragem forçada”. Somos, súbita e violentamente, projetados do nosso dia-a-dia para a realidade, tão distante, de um campo de Gambozinos.

Pimbas!

Entramos no autocarro, à pressa e ainda com a mochila da escola nas costas, cansados, confusos, apercebendo-nos que nem trouxemos metade das coisas que era suposto – …as meias… não trouxe meias!

Há pouco tempo para nos adaptarmos, mas lá aterramos.

O dia neste Minicampo é bastante parecido com o de um campo de Verão, só faltando as tendas, que, por medo da chuva, trocamos por um local mais resguardado, e as latrinas que, para alegria de muitos, não marcam presença neste modelo de campo. Quem nunca esteve num Minicampo provavelmente imagina que se trata de um campo mais curto, de um pequeno campo, mas não se deixem enganar pelo nome – o Minicampo não é só um campo em ponto pequeno. É, sim, uma atividade diferente, uma que é muito especial – por várias razões:

Uma coisa que distingue o Minicampo de um campo de Verão – e que é grande parte do que o faz “simples” -, é a familiaridade que se sente: o estar lado a lado com gambozinos de todas as idades. Apesar do campo ser “mini”, há gambozinos de todas as idades e tamanhos – minis, médios e crescidos. Cabe a cada um, durantes estes dias, cuidar dos seus “novos irmãos mais novos” e aprender com os “novos irmãos mais velhos” que temporariamente ganhou. É o único campo em que isto acontece.

Outra coisa, a mais curiosa, talvez, é que, apesar de ser o campo com menos tempo, nem por isso o pouco tempo que temos é gasto a correr. Os quatro dias são vividos na maior tranquilidade e simplicidade possível – que é, afinal de contas, a única boa forma de os aproveitar verdadeiramente. A simplicidade é a chave para um ótimo Minicampo. Contrasta com a complexidade do nosso dia a dia e permite-nos ajudar a centrar e entrar no período Pascal. Essa simplicidade também é o centro de um campo de Verão, claro, com a diferença de que, enquanto no Verão ela surge naturalmente, no Minicampo é um verdadeiro desafio alcançá-la, porque o tempo é escasso e não houve um “período de adaptação” entre a violência do mundo real e a realidade do campo.

É certo que o Minicampo é mini (…óbvio), mas não é como aqueles mini-croquetes que só servem para nos abrir o apetite e deixar com mais fome. É uma realidade de campo distinta: uma oportunidade própria para viver o tempo da Páscoa e sentir a antecipação da Paixão na unidade e simplicidade que melhor nos ajudam a entendê-la verdadeiramente.

As famílias passam juntas a Páscoa. Os Gambozinos vivem juntos a sua antecipação. Vivem-na na amizade, diversão, oração, desprendimento e alegria com que passam aqueles quatro dias de Minicampo.

Miguel Santos

Ser gambozino no dia-a-dia

Ser gambozino no dia-a-dia

Olá, eu sou o António e foi me pedido que escrevesse um texto com o tema: Ser Gambozino no dia a dia. Pedido esse que não foi nada fácil de aceitar, tendo dado por mim a pensar: “Há com certeza alguém que saberá explicar isto muito melhor do que eu”, “Eu nem sequer estou assim há tanto tempo nos Gambozinos”, “E se ninguém se identificar com o que eu escrever”. Parei, respirei e aceitei este pedido que me foi feito. E nesse momento do meu dia, senti-me um pouco mais gambozino.

Queria começar por lamentar, desde já, não se tratar de um tutorial passo a passo, que todos ansiávamos e precisávamos, de como: Ser um Gambozino no dia a dia. Aquilo que estão prestes a ler não é mais do que a minha ideia acerca da maneira de ser e estar enquanto Gambozino e de que forma e em que alturas a podemos incorporar no nosso quotidiano.

Ora, a maneira mais fácil de ser Gambozino no dia a dia, passa muito por descomplicar as nossas vidas (dentro do possível) e voltar à simplicidade. A simplicidade com que Jesus viveu, a simplicidade em que os santos, que nos inspiram, viveram e a simplicidade que buscamos viver nos campos e atividades. No fundo tentar estar na nossa vida como estamos, ou pelo menos como deveríamos estar num campo, não no sentido de acordar a nossa família e vizinhos com o “Acorda o Sol”, ou de comer massa pizza dia sim dia não, mas no sentido em que procuramos viver os quatro pilares que guiam esta associação, pois é a simplicidade destes elementos que constrói a beleza e a força dos Gambozinos. Estive agora no Minicampo do Sul (foi muito bom) e reparei em vários aspetos e comportamentos que eu e outros animadores adotámos, durante esses cinco dias, que seriam com certeza uma mais-valia para o meu, e quem sabe também para o teu, dia a dia. Como por exemplo: ter o olhar afinado para perceber o que querem e necessitam aqueles que me rodeiam, ter sempre presente o contacto com a natureza, estar disponível para aquilo a que sou chamado, em momentos de maior cansaço ou inquietação saber “animar-me”, compreender os meus limites e deixar-me ser ajudado. Tudo isto são comportamentos e maneiras de pensar e agir que, com mais ou menos esforço, conseguimos incorporar e adaptar para a nossa vida. Talvez à primeira vista possa parecer pouco, mas a verdade é que a diferença reside nos detalhes.

Um dos momentos do Raio que guardo na memória, foi quando à pergunta: “Achas que podes mudar o mundo?” A resposta foi: Sim. Um sim geral (pelo menos aqueles que estavam no meu campo de visão periférico, deram um passo à frente). E aproveitando este ímpeto e vontade que todos temos de viver e de fazer algo maior do que nós mesmos, a proposta que deixo vai mesmo nesse sentido: Tentar incorporar ao máximo aqueles pequenos comportamentos e atitudes que temos nos campos e nas atividades na nossa vida, em qualquer que seja o percurso pelo qual seguimos ou fase que nos encontremos, sem nunca perder esta nossa vontade, tão boa, de mudar o mundo (para melhor, espero eu).

António Lima

SABOREAR E DEIXAR-ME MARAVILHAR

Que bom que seria um campo onde os animadores não estão sempre a correr de um lado para o outro, nem preocupados com planos de campo preenchidos que não deixam espaço para respirar. Que bom que seria um campo onde não estivéssemos sempre cansados e houvesse tempo e espaço para cada coisa, onde pudéssemos estar atentos às coisas simples e deixarmo-nos alegrar verdadeiramente com elas!

Há uns anos contaram-me como eram os primeiros campos de férias da Companhia: 5 ou 6 animadores iam com algumas crianças para um terreno com muito pouca coisa planeada. Naqueles dias conversava-se, aprendia-se a tocar viola, rezava-se, cozinhava-se, tomava-se banho no rio… Ali, tinham o tempo e a calma necessários para criar relações verdadeiras e fundadas na rocha.

Tenho-me deixado tocar por este tema da simplicidade e de como é importante voltar um bocadinho às origens.

Os Campos de Gambozinos são uma incrível graça na vida de tanta gente e fazem maravilhas muito grandes, mas acabamos sempre por cair na mesma lógica apressada do dia a dia e isto impede-nos de estarmos inteiros e de conseguir saborear os pequeninos milagres que vão acontecendo.

A estrutura de uma associação é fundamental para que possa crescer e gerar cada vez mais frutos. Mas nunca podemos cair na tentação de ficarmos demasiado presos aos horários, aos planos, ao dinheiro, às logísticas, aos jogos complicados. São tudo coisas importantes, mas quando descentradas do Essencial, acabam por ser impedimento à Ação de Deus.

Estes 10 dias devem ser, em primeiro lugar, espaço de relações. De construir amizades. De aprender a viver na simplicidade. Meio onde percebo como é possível necessitar de pouco e viver muito e onde experiencio a felicidade que vem desta certeza.

Tudo pode mudar, mas o Centro dos Gambozinos nunca pode deixar de ser as relações!

Lanço este desafio para cada um, em especial agora que começamos a sonhar os campos do Verão. Qual a prioridade do plano de campo do campo que vou animar? Ajudar crianças a passar tempo e dar-lhes entretenimento momentâneo? Ou criar relações verdadeiras, com os outros e com Jesus, que os ajudam a serem felizes?

Que nos campos de 2023 não caímos na tentação de viver em contrarrelógio e nos deixemos maravilhar por todos os lugares e momentos onde Jesus se vai revelando!

 

Teresinha Castel-Branco

Um RAIO de esperança

Um RAIO de esperança

Hoje, dia 13 de março, vivemos mais um dia do caminho da Esperança: da Quaresma até à Páscoa. É também o dia de rescaldo após o RAIO: Reunião de animadores interessados em ordenar-se.

Foram dias de grande consolação: de testemunho, amizade, unidade e comunidade; de (re)encontro de uma família tão bonita com várias gerações, com quem tanto tenho crescido e que afeta profundamente e transversalmente a minha vida e o meu olhar para as relações humanas.  Isto porque os Gambozinos não é algo a que se “vai”, mas algo que se É ou se procura ser.

No entanto, na correria do dia a dia, há a tendência de se tornar algo que me é externo, como se fosse mais um compromisso na check list. Daí a importância deste fim de semana: foi um voltar à fonte; um reacender de uma missão que nasce e se alimenta da oração (caso contrário, pode cair num voluntarismo) e de um olhar diferente para a humanidade; o renovar de um SIM e o recentrar o coração no que de facto é necessário.

Mas, pessoalmente, foram também dias muito intensos. Não só por algumas preocupações com a preparação e concretização do fim de semana, mas também por dúvidas e incertezas que vieram ao de cima e que me inquietaram em alguns momentos de oração e em conversas importantes que foram surgindo com alguns gambozinos.

Uma imagem muito bonita destes dias foi precisamente uma que conheci na capela da CASA de Santo Afonso em Cernache (local do fim de semana). No retábulo tão colorido, eis que surge, no canto direito, um pedaço negro. No centro dessa escuridão, surgiu ainda uma esfera dourada luminosa: a “luz terna e suave no meio da noite”; aquela que, na incerteza, na dor, na tristeza, na solidão, no vazio, no pecado, “apaga a noite em mim”.

“É assim o coração de Deus: próximo de quem sofre; não faz desaparecer o mal e o sofrimento mas transforma-o habitando n’Ele”- Papa Francisco

Há uns anos uma amiga perguntou-me qual era o sentido do sofrimento, se Cristo já tinha sofrido tanto por nós? Os anos passaram, e hoje percebo que não é por sermos cristãos que a cruz, o sofrimento, a injustiça e as dúvidas, por muito que nos custem ou revoltem, não vão deixar de magicamente ser uma realidade nas nossas vidas e na dos outros.

Compreender isto é importante também para compreender a missão dos Gambozinos. Nas palavras de uma Gambozina Dinossaura, que agora faço minhas, não se trata de salvar ou mudar radicalmente vidas, isso seria um peso e uma frustração gigante. Será antes dar tempo e espaço para criar relações, construir pontes com outros irmãos iguais a mim, que como eu riem, choram, alegram-se e sofrem.

A cruz, seja ela qual for, é uma realidade muitas vezes demasiado dura para que alguma vez a possamos compreender. Podemos revoltar-nos, fugir dela, tornando-a ainda mais pesada…ou podemos rezar a mesma oração de Jesus no monte das Oliveiras e, num salto de fé no Pai, beber o cálice, abraçá-la, entregá-la por amor, tornando-a mais leve, a nossa e a dos outros, como Jesus se entregou na Sua por nós.

“No limiar da vida, não se trata do que ganhamos, mas o que demos: o dom de si mesmo, do serviço. Servir custa, porque significa gastar-se, consumir-se; mas, quem guarda demais a sua vida, perde-a”.

E que bonito saber que “há uma festa no céu” cada vez que ofereço a minha vida, que me coloco nas mãos d’Ele e aceito ser seu instrumento; cada vez que venço a minha autossuficiência e regresso à casa do Pai; cada dia em que Lhe entrego o meu sim, com tudo o que tenho e sou, simplificando-me.

Por muito que me sinta pequenina ou que me custe, Ele faz mesmo maravilhas com a vida de cada um e encarrega-se dos frutos muitas vezes imensuráveis e invisíveis aos nossos olhos.

A meu ver, é isto a Esperança! Não um otimismo vazio e irrealista de que vai correr tudo bem… Mas sim a certeza de que, mesmo quando tudo corre mal e nos deparamos com a Cruz e a incerteza do caminho a escolher/ para onde somos chamados, não estamos sozinhos.

Primeiro, porque Ele vive e vem sempre ao nosso encontro; e segundo, porque há por aí muito Simão de Cirene por aí disposto a partilhar e a tornar mais leve a nossa Cruz, e eu tenho a graça de lhes chamar, além de amigos e irmãos, Gambozinos.

 

Ana Lisete Miranda

 

Quaresma, um tempo de mudança

Quaresma, um tempo de mudança

Quaresma, um tempo de mudança

Não é difícil encontrarmos esperança, ela está presente em tudo o que projetamos e de forma tão simples. Se escolho dar um passo, tenho esperança em avançar. Se decido seguir em frente, vivo na esperança de concretizar tudo o que ficou por fazer e todos os desafios que tenho pela frente.

Uma palavra tão impactante traz sentido a tanto e a tantos e pode, tão simplesmente, traduzir-se em: decidir, arriscar, ousar dar mais um passo.

Passo a passo construo um caminho, espero e anseio. É na esperança que assento as minhas decisões. E que caminho seguimos juntos agora? O da Quaresma, é verdade.

Não é difícil criar esta ilusão de que vivemos a Quaresma de forma esperançosa, exatamente por esta possibilidade de ver a esperança como algo que possa parecer “banal”. Este simples seguir em frente, não ficar por aqui. Sendo a Quaresma um tempo de espera e reflexão, não nos custa viver na ideia de que caminhamos porque acreditamos, porque temos em nós a esperança de viver a alegria da Ressurreição, de celebrar a vida, uma esperança que nunca esmorece. Mas muitas vezes estamos só parados à espera e não à procura de novos desafios para crescermos, com esperança, e de celebrarmos a vida em comunhão com Jesus, que nos abriu estes horizontes e nos faz acreditar que vale a pena termos esperança em algo mais, no Seu amor.

Cair nesta ilusão de caminho pode acabar por banalizar mais do que a própria esperança, pode banalizar a Quaresma. Não basta acreditar que Jesus renasce… Posso ver a esperança como a razão e o folgo para dar um passo, mas um passo pode ser muito mais que o levantar de um pé. Um passo é tantas vezes esforço, sacrifício, entrega e todas aquelas pequenas ou gigantes dúvidas que não nos queriam fazer levantá-lo logo de início.

A Quaresma representa o esforço exigido de quem vive na esperança, mas não uma esperança de quem está simplesmente à espera de que algo aconteça. Uma esperança que nos move, uma esperança que faz caminho para receber esta alegria! A esperança não pode ser confundida com um simples e banal prever o que vai acontecer. Acreditar que já sei o que está para vir não podia estar mais longe daquilo que a esperança nos faz sentir – mudança, sentido de seguir!

Não quero, por isso, viver do que as “quase certezas” me trazem, quero viver da incerteza que é a esperança. Tempo de Quaresma é tempo de mudança.

Inês Botelho

O contacto com a Natureza

O contacto com a Natureza

Criou o céu, a terra e o mar, criou o sol, a lua e as estrelas, criou as plantas, os animais e criou-nos a nós.

De certeza que podia ter continuado e criado grandes estradas que nos guiassem a cidades gigantes com enormes monumentos feitos para si.

No entanto viu como era belo o jardim e descansou.

Atualmente é difícil sequer imaginarmo-nos a viver nesta simplicidade. Vivemos apressadamente e de forma complicada, em selvas de betão, onde são raros os vestígios do jardim.

Pediu-nos para tomar conta dele e limitámo-nos a tomar conta de nós.

Sendo por isso, na minha opinião, o nosso pilar da Natureza cada vez mais relevante.

Nos campos de verão temos a oportunidade de deixar os telemóveis e tudo o que nos desliga do essencial para trás e, durante 10 curtos dias, viver a simplicidade e alegria de um contacto enorme com a Natureza.

Tomar banho num rio frio, caminhar sob o sol escaldante, dormir debaixo dum céu estrelado, rastejar na lama, comer numa roda simples e escutar a Sua palavra enquanto o pôr do sol se faz refletir no rio.

É nesta nossa réplica do jardim que conseguimos semear a missão dos Gambozinos, neste ambiente de simplicidade é fácil vermos as semelhanças que nos unem e criar amizades que não seriam evidentes lá fora.

E quando voltamos ao dia a dia, devemos tentar vivê-lo com o olhar renovado, parar e apreciar quem nos rodeia e o que nos rodeia. Sentir a Sua presença num passeio sozinho, num café com amigos, a ler encostado a uma árvore ou a ouvir música no autocarro, porque por mais difícil que por vezes seja encontrar vestígios do jardim, eles irão aparecer a quem os procura.

Vicente Lima

 

 

A Natureza

A Natureza

Há quem defina Natureza como o mundo exterior ao Homem e o sistema de leis que sobre ele atua, mas, ultimamente, tenho-me vindo a perguntar se será só isto, de que maneira é que, como gambozinos, olhamos e temos presente este pilar da nossa associação.

Olá! O meu nome é Pedro, e, infelizmente, não vos venho dar uma resposta. Não só porque não a tenho, mas também porque sinto que cabe a cada um encontrá-la na sua vida e na sua missão particular nos gambozinos. Em contrapartida, deixo-vos um bocadinho de como tenho vivido esta questão em concreto, na qual tenho acabado por “tropeçar” muitas vezes nos últimos meses.

Desde Dezembro que comecei uma viagem, uma aventura como lhe chama o meu pai, pela América do Sul. Parti de mochila às costas atrás de um sonho, já de algum tempo, de conhecer este continente, as pessoas, a cultura, as paisagens, e tudo o que tinha para me oferecer. O percurso que fiz levou-me aos quatro cantos do continente e deu-me a oportunidade de viver intensamente a diversidade e magia que existe deste lado do mundo. Subi montanhas e vulcões, atravessei desertos de sal e de areia e de rocha, nadei em praias paradisíacas, explorei florestas tropicais e fui-me deslumbrando e surpreendendo repetidamente com a grandiosidade, complexidade e beleza de todos estes cenários que, se por um lado me faziam sentir humilhado, pequeno e frágil perante o Génio que os cria e que pode muito para além da minha imaginação, também me foram tornando mais sensível ao modo como nos fala através destas Suas obras de amor.

Fui tendo muito tempo. Tempo para fazer novos amigos, conhecer estas pessoas e culturas (não) tão diferentes de nós, provar pratos que têm tanto de bizarro como de incrível, e, sobretudo, fazer silêncio e digerir esta Criação que me envolvia e me falava tão alto. Acabei por aprender e reaprender a reconhecer-me cuidado e abraçado por esta Natureza que nos é dada de forma sistemática e gratuita, como uma carta que Deus nos escreve e envia continuamente, não só através dos grandes desfiladeiros e montanhas deste mundo, mas também na brisa que nos refresca num dia quente de verão, relembrando-nos do quanto nos ama.

 

Ao longo deste tempo, fui sempre tendo presentes os gambozinos, fosse através das pequenas coisas em que consegui ajudar à distância, mas muito também na minha oração, e fui-me apercebendo que partir para um campo é muito como ser “mochileiro”, largar todos os quentinhos e pequenos artifícios que fazem ruído e nos prendem ao nosso umbigo, e partir à descoberta deste mundo que nos é dado de graça para que nos ajude a chegar a Deus.

Acredito que, se “fugimos para o mato” no Verão na altura dos campos, é para que consigamos aprender a viver simplesmente d’Ele e da Criação que continua a construir para nós, porque é nesta comunhão com a natureza, na simplicidade que ela imprime no nosso modo de viver, que verdadeiramente percebemos que “Só uma coisa, Ele, é necessária”.

De mim acho que era isto, e tu, Gambozino, como é que a Natureza se faz presente na tua vida?

Pedro Silva

O olhar

O olhar

O olhar, diria eu, talvez de forma arriscada, é a coisa mais importante na forma como pensamos o mundo, como tencionamos que ele seja. Pelo menos, é através desse “olhar” que identifico as necessidades que existem (as minhas e as dos outros), que oriento os meus desejos e dou os primeiros passos para as pequenas mudanças do dia-a-dia. Sem haver essa primeira experiência, que é muito mais do que “ver” apenas, nada do resto aconteceria. Foi por ter havido gente que se arriscou a “olhar” de forma profunda e compassiva para o mundo, por depois ter formulado um desejo de fundo de um mundo mais igual e bonito, que nasceram os Gambozinos, e tantas outras coisas. Até o próprio Deus precisou de ter “olho para a coisa” para nos enviar Jesus e mudar a história da humanidade.

Tendo isto em conta, este olhar é muito menos uma experiência da visão, ligada aos nossos olhos e que obriga a que estes estejam abertos, e muito mais uma experiência do ser no seu todo, do coração. Se fosse professor, e tivesse de inventar uma fórmula geral para explicar este olhar diria assim: “olhar = ver + sentir/compaixão/perceber”. Se fosse para ir mais fundo ainda, diria que “olhar = ver + Jesus”. Acho que esta segunda fórmula é mais acertada: Jesus não é, como sabemos, só uma figura histórica que disse e fez coisas bonitas. Mais importante que isso, deixou-nos a sua lógica, o seu modo de viver, de pensar, de agir, acessível a todos, sem exceção. E, portanto, se virmos o mundo, os outros, com uma lente com a graduação de Cristo, acho que estaremos a “olhar”. Uma pessoa vai deixar de ser só uma pessoa; vai passar a ser uma oportunidade de amar, de encontro e partilha. A paisagem que vejo vai deixar de ser só um monte de verduras bem alinhadas que davam uma boa fotografia e passam a ter em si a beleza criada de algo que nos foi dado para cuidarmos. As injustiças e desastres vão deixar de ser um poço de lamentações sem saída, e poderão começar a ser motivos para pormos mãos à obra e, aos poucos, começar a construir pequenos Céus, ainda na Terra.

Sei que isto são afirmações que podem parecer demasiado esperançosas, e sei também que, muitas vezes, o nosso olhar está gasto, está irritado, impaciente. O que é normal. O importante, diria ainda, é voltarmos sempre à fonte, irmos sempre comprar as lentes de Jesus. Mesmo nestes momentos em que só conseguimos ver com os olhos, não com o resto, é importante termos essa confiança de que, mais tarde ou mais cedo, vemos as coisas de maneira diferente. Para melhor. Se há algo que caracteriza esse “olhar” é a esperança, e sem ela não caminhamos. Uma esperança que vem da Fé, mas também na crença em nós próprios como atores valiosos, únicos e úteis neste mundo. Olhar implica também uma dimensão coletiva, termos a cabeça para cima, saber que estamos acompanhados e que acompanhamos. Com isso, esse “olhar” torna-se atento; a individualidade e o egoísmo acabam por ter o mesmo efeito do que termos os olhos fechados, ou até pior.

Peço, para mim e para todos nós Gambozinos, um olhar atento e de esperança para que, através das nossas mãos, possamos ir moldando, construindo e reparando o que está ao nosso alcance, e ir sonhando com um mundo como Jesus o quer. “Olhar = ver + sentir/compaixão/perceber = ver + Jesus”.

António Serrano

A Jornada Mundial da Juventude é para TI

A Jornada Mundial da Juventude é para TI

– Vês! Até os cartazes dizem que isto é para ti! Vai ser uma experiência inesquecível, uma oportunidade única na nossa vida!

– Mas já temos tantas coisas no verão… Férias de família, a clássica semana com amigos, o Paredes de Coura, o campo, e ainda queria tentar fazer Exercícios Espirituais… não dá para tudo!

Era a quinta tarde seguida em que os dois amigos discutiam este tema: ir ou não ir às Jornadas Mundiais da Juventude? Desta vez, o assunto tinha sido despertado pelo cartaz que tinham diante deles, que dizia: “a jornada mundial da juventude é para TI”.

– Mas essas coisas podes ter todos os anos. As Jornadas no teu próprio país é uma vez na vida! Ainda por cima ouvi dizer que há poucos voluntários… era uma boa maneira de participarmos.

– Oh! Uma coisa é ir e aproveitar a experiência ao máximo, outra é estar em mais um voluntariado… Já estou em tantos! E já vou fazer G1, fica demasiada coisa beata no mesmo verão. Preciso de outras experiências.

– Mas nós somos Gambozinos, temos de servir!

Sem repararem, um outro jovem parou ao seu lado e comentou:

– Não gosto nada destes cartazes, têm o mesmo problema dessa vossa clássica discussão de betos…

– Han? Estás a falar connosco? Lá por não perceberes o que são as Jornadas, não significa que tenhas de dizer que é uma coisa de betos. Isto é para todos os católicos – disse um dos amigos bastante ofendido.

O jovem recém-chegado olhou para eles com um ar meio confuso, meio a rir-se e respondeu:

– Não é nada disso, eu vou às Jornadas… O meu comentário era relativamente ao vosso pseudo dilema. Vocês estão tão focados em perceber qual a melhor solução, que estão a deixar de fora o verdadeiro objetivo disto tudo… Deixem-me contar-vos uma história:

Esta é a história de uma pequena família que tinha um pequeno restaurante numa pequeníssima aldeia, no meio do nada. O restaurante estava sempre cheio e de todo o lado vinham pessoas para almoçar e jantar ali. Era reconhecido muito além-fronteiras e ninguém ficava indiferente às iguarias que ali eram cozinhadas.

Com o passar dos anos, o tamanho da família foi aumentando e a todos era ensinada a arte de cozinhar, o que permitiu abrir novos restaurantes ali perto. No entanto, perceberam que esses restaurantes já não tinham a mesma qualidade: por um lado, uns foram-se afastando demasiado do modo original de cozinhar e, por outro, uma vez que estavam dispersos, tinha-se perdido o hábito de discutir ideias e novas técnicas, que era uma das grandes fontes do sucesso do restaurante original. Desta forma, para salvaguardar a qualidade, combinaram encontrar-se todas as semanas para, juntos, recordarem as técnicas originais e discutirem novas variações. Resultou. A qualidade voltou a aumentar e a boa fama regressou a todos os restaurantes.

Os anos foram passando e novos restaurantes foram sendo abertos por todo o mundo. Como se pode imaginar, isto tornava a reunião semanal impossível para todos os membros. Claro que, quase todos aqueles que viviam perto uns dos outros se continuavam a juntar semanalmente, mas não era suficiente: as novas ideias eram todas muito parecidas, caía-se na estagnação. Decidiram, desta forma, criar um evento que se realizaria de quatro em quatro anos: era espaçado o suficiente para que todos se conseguissem organizar e ir, mas não espaçado o suficiente para que se caísse a estagnação criativa e no esquecimento das origens.

E assim foi. Estes encontros foram crescendo cada vez mais: mais ideias, mais discussões, mais técnicas novas. Claro que também trouxe alguns problemas: um grande peso organizativo, muita centralização de responsabilidades (que criava alguns atritos), alguns membros que ficavam de fora, etc. No entanto, ainda que, em todos os encontros, muitos fossem os que criticavam, nunca deixavam de ir e os encontros eram sempre um sucesso e um tempo de grandes frutos. O segredo era simples: todos tinham a plena consciência de que estes encontros não eram para ninguém individual, mas para que os restaurantes continuassem a crescer e a chegar a mais pessoas. Ainda que houvesse uns que ficavam responsáveis por organizar, a responsabilidade era sempre partilhada por todos – principalmente a de colmatar as falhas da organização e de garantir que ninguém era deixado de fora. Eram uma família e cada um tinha algo que a podia fazer crescer.

Os eventos foram-se sucedendo e os restaurantes acabaram por chegar a todos os locais do mundo: mantendo-se sempre, não só fiéis à qualidade original, mas também ao tempo e local onde estavam estabelecidos.

Os dois amigos ouviram atentamente a história. Assim que acabou fez-se silêncio e ficaram pensativos. Sem se aperceberem, o desconhecido desapareceu, deixando os dois amigos a conversar sobre o que tinham ouvido.

Semanas mais tarde, um deles comprou bilhete para o Paredes de Coura; o outro preferiu inscreveu-se nas Jornadas como voluntário. Ambos ficaram com o verão preenchido, não sobrou um único dia disponível.

Meses mais tarde, o primeiro ainda falava do épico verão de 2023 e da melhor edição de sempre do Paredes de Coura: memórias criadas e experiências vividas que ficariam para sempre! Já o segundo não tinha nada de épico a contar sobre o seu verão: devido à escassez de voluntários teve de trabalhar ainda mais do que o previsto nas Jornadas e acabou por não participar em quase nada. Devido ao cansaço, passou os dois primeiros dias das férias de família a dormir, não aproveitando as belas paisagens da ilha de São Miguel.

Anos mais tarde, aquele que tinha ido às Jornadas, voltou-se a inscrever. E fez o mesmo quatro anos mais tarde. Nunca procurou grandes experiências, apenas dar o seu pequeno contributo e responder àquele pedido uma vez feito pelo Papa e que sempre lhe guiou a vida:

Queridos jovens, ficarei feliz vendo-vos correr mais rápido do que os lentos e temerosos. Correi «atraídos por esse Rosto tão amado, que adoramos na Sagrada Eucaristia e que reconhecemos na carne do irmão sofredor. Que o Espírito Santo vos empurre nesta corrida para a frente. A Igreja precisa do vosso entusiasmo, das vossas intuições, da vossa fé. Fazeis-nos falta! E quando chegardes onde nós ainda não chegámos, tende paciência para esperar por nós».

Cristo Vive, 299

E quando deixou de ter idade para ir, depois de ter dado o seu contributo, esperou.

Afonso Santos

Ano novo, vida nova

Ano novo, vida nova

“Ano novo, vida nova” – uma frase que tanto se ouve nestes tempos. E ainda bem que assim o é. Parece-me que traz esperança, abre o horizonte, muda o olhar! Relembra-nos que temos ainda muito pela frente, que há mais caminhos, mais formas de atingir o objetivo último – encontrar Deus na nossa vida.

Depois desta grande festa do Natal, em que Deus se faz pequenino e se torna um de nós, temos também um novo ano, que nos traz então uma nova oportunidade de recomeçar. Olhando para esta frase, sinto sempre um misto de emoções, porque se por um lado traz esta esperança de que falava, por outro parece que é apenas aqui que podemos recomeçar. E que se falharmos, já só podemos voltar para o ano. Parece-me importante que esta não seja a mentalidade com que entramos no novo ano, porque este Deus que tanto bem nos quer está constantemente a chamar-nos a recentrar o coração e a recomeçar.

Há uns dias li um artigo do P. Nuno Tovar de Lemos, sj. (que desde já aconselho – “Isto aqui dava um belo pinhal!”) que veio precisamente em virtude deste ano novo. E claro (porque sou uma pessoa que pensa muito sobre as coisas), surgiu-me um novo olhar sobre a frase “ano novo, vida nova” – não será este um mote que nos empurra para a passividade? Como se, apenas porque muda o ano (que na verdade se trata de uma mera mudança de dia à qual damos uma importância especial), tudo mudasse sem que fizéssemos nada. Quase como se não tivéssemos de trabalhar por aquilo que queremos.

É engraçado, porque a frase leva-nos ao encontro daquilo que mais queremos e gostamos – o nosso conforto, seguro e que não exige esforços. O problema é que, se não pensarmos para além disto, acabamos por ficar no mesmo sítio, estagnados. Confesso que me tenho deparado várias vezes com a dualidade atividade-passividade. Sou chamada a confiar! E partindo daqui, acaba por ser fácil ficar naquilo que me é confortável e não sair da bolha. Mas sou também chamada a agir, a fazer-me ouvir e a ser exemplo d’Ele. Muitas vezes, tudo isto me parece contraditório, e por isso surge a dúvida – para onde me viro? Qual destes caminhos é o certo? Tenho percebido cada vez mais que o segredo de uma vida bem vivida, à maneira de Jesus, passa muito por encontrar o equilíbrio, e acho que neste caso consigo encontrá-lo na expressão conhecida de “ser contemplativo na ação”. Deus chama-nos a confiar, mas a agir dentro desta confiança. Diria que no fundo é irmos percebendo que só temos poder até um certo ponto (e, portanto, até aí devemos agir). De resto, há muito que não depende de nós, e, por isso, só nos resta confiar. Atenção, não estou a dizer que seja fácil! Mas acho bonito o caminho que vamos fazendo a partir do momento em que vamos ganhando consciência de certas coisas!

“Ano novo, vida nova”. Afinal há tanto para dizer sobre esta frase!

Que este novo ano nos traga esta esperança e olhar renovado que vem do Menino que nasceu, mas que saibamos também que não é só aqui que podemos recomeçar, porque somos sempre chamados a fazê-lo! Que este seja um ano em que nos deixamos tocar por Ele, que nos quer encontrar!

Um bom ano a todos 🙂

 

Teresa Cardoso da Costa