Conhecer um escritor: Joris-Karl Huysmans

Discípulo de Zola e de todo o radicalismo anti-clerical, boémio empedernido e decadente, Huysmans acaba por se tornar um dos grandes escritores católicos de todos os tempos. A Brotéria sugere-nos que dediquemos uns minutos a conhecê-lo.

Discípulo de Zola e de todo o radicalismo anti-clerical, boémio empedernido e decadente, Huysmans acaba por se tornar um dos grandes escritores católicos de todos os tempos. A Brotéria sugere-nos que dediquemos uns minutos a conhecê-lo.

A vida de Huysmans é quase tão interessante como os seus romances. Homem atormentado, epítome do maldito, discípulo de Zola e de todo o radicalismo anti-clerical, boémio empedernido e decadente, Huysmans acaba por se tornar um dos grandes escritores católicos de todos os tempos.

É a ele que o nosso mais famoso escritor convertido, Manuel Ribeiro, rouba o título para o seu grande livro, A Catedral; é a ele que recorrem os católicos do século XX esperançados na conversão dos boémios; é com ele que se espanta o mundo literário mais devasso, já que se torna, depois de ser o maior desses devassos, o mais fiel dos católicos.

A partir da sua conversão, Huysmans muda completamente o seu tipo de romances. Não porque deixe de ter este tipo de personagens, mas porque elas passam a ver, através da arte, sobretudo, uma saída para cima.

Huysmans apanhou a transição do século XIX para o século XX, com a explosão da arte moderna e as odes decadentes a tudo o que era carnal em vez de espiritual. Ora, a intensidade da sua vida fê-lo experimentar, como poucos, o verdadeiro enfartamento da carne. A vida de Huysmans é, em si mesma, a resposta da Igreja à ideia de decadência. Podemos ter todos os prazeres, somá-los todos e usufruir de todos ao mesmo tempo, que o desejo é sempre maior do que aquilo que o mundo pode dar; mais, o prazer cansa, farta, mas o desejo não. As personagens de Huysmans têm sempre aquele fastio trágico porque Huysmans percebeu por si próprio aquilo que percebem todas as suas personagens: o mundo não dá resposta àquilo que o Homem pede. As suas personagens são, assim, claustrofóbicas porque têm esta noção de que estão presas sem que haja alguma coisa fora da prisão. Nesse sentido, Huysmans é Kafkiano antes de Kafka.

Ora, a partir da sua conversão, Huysmans muda completamente o seu tipo de romances. Não porque deixe de ter este tipo de personagens, mas porque elas passam a ver, através da arte, sobretudo, uma saída para cima. Tal como Claudel se converteu na Catedral de Notre-Dame, é no gótico e na ideia de uma construção feita em ordem a outra coisa que Huysmans encontra um certo consolo. A ideia, fundamentalmente, é a de que tudo no mundo é miserável, mas o conjunto acaba por ser maior do que aquilo de que é feito. A obsessão pelo particular, própria do decandente, faz de cada coisinha a medida do Homem, e é isso que o torna miserável. O Homem todo devotado ao vinho vale tanto como o vinho; a pedra que faz uma catedral está para a catedral como o mundo para Deus. Não se trata apenas de o todo ser maior do que a soma das partes; trata-se da ideia de que o todo remete para outra coisa, torna possível outra coisa. Huysmans encontrou consolo, não só na Igreja, mas mesmo na Catedral. Talvez seja um bom exemplo do todo o espírito que pode vir da carne.

Joris-Karl Huysmans (1848-1907)

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.


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Esta secção é da responsabilidade da revista Brotéria – Cristianismo e Cultura, publicada pelos jesuítas portugueses desde 1902.

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